Pela primeira vez na história, um ex-presidente eleito foi colocado no banco dos réus por crimes contra a ordem democrática estabelecida pela Constituição de 1988. Os crimes estão previstos nos artigos 359-L (golpe de Estado) e 359-M (abolição do Estado Democrático de Direito) do Código Penal brasileiro.
"Não há então dúvidas de que a procuradoria apontou elementos mais do que suficientes, razoáveis, de materialidade e autoria para o recebimento da denúncia contra Jair Messias Bolsonaro", afirmou o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), referindo-se à acusação apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.
O relator votou para que Bolsonaro também responda, na condição de réu, pelos crimes de organização criminosa armada, dano qualificado pelo emprego de violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas ultrapassam 30 anos de prisão.
Os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF, seguiram o relator. O colegiado, composto por cinco dos 11 ministros do Supremo, também decidiu, por unanimidade, tornar réus sete aliados de Bolsonaro pelos mesmos crimes.
A Primeira Turma considerou haver indícios suficientes de que os crimes ocorreram (materialidade) e foram praticados pelos denunciados (autoria), justificando a abertura da ação penal. Os oito acusados fazem parte do chamado "núcleo crucial" do golpe, dentro do grupo de 34 denunciados.
São eles:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Walter Braga Netto, general do Exército, ex-ministro e ex-candidato a vice-presidente;
- General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Paulo Sérgio Nogueira, general do Exército e ex-ministro da Defesa;
- Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
No primeiro dia de julgamento, as defesas dos acusados negaram a autoria dos crimes e alegaram dificuldades no acesso aos materiais da denúncia, o que, segundo eles, teria prejudicado a ampla defesa. O advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro, afirmou: "Esperamos que tenhamos a partir de agora uma plenitude de defesa, o que não tivemos até agora".
Gonet, por sua vez, reiterou que os atos golpistas foram planejados ao longo de anos, iniciando-se em 2021 com ataques ao sistema eleitoral e culminando nos atos violentos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.
Com a aceitação da denúncia, os oito acusados passam a responder formalmente à ação penal no STF. A fase seguinte permitirá que as defesas apresentem testemunhas e novas provas. Após a instrução processual, o julgamento será marcado, e os ministros decidirão se os réus serão condenados ou absolvidos. Não há previsão para a conclusão do julgamento, e os acusados responderão em liberdade até o trânsito em julgado.
Durante os votos, os ministros ressaltaram a gravidade dos atos de 8 de janeiro. Cármen Lúcia destacou que "um golpe não se faz em um dia" e que a investigação deve analisar os eventos que antecederam os ataques. Já Zanin afirmou que os documentos e depoimentos coletados indicam a participação dos acusados nos atos golpistas.
A PGR sustenta que Bolsonaro tinha conhecimento do plano intitulado "Punhal Verde Amarelo", que incluía ações para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. O ex-presidente também teria ciência da chamada "minuta do golpe", documento que detalhava medidas para interromper a transição de poder.
Moraes afirmou não haver dúvidas sobre o envolvimento de Bolsonaro. "Não há dúvida que o denunciado Jair Messias Bolsonaro conhecia, manuseava e discutiu sobre a minuta de golpe", destacou o ministro.
Durante o julgamento, Moraes utilizou vídeos e tabelas para rebater as defesas, apresentando provas documentais coletadas pela Polícia Federal. Ele destacou que o julgamento não condena os acusados, mas abre a ação penal para análise detalhada das acusações.
Na terça-feira (25.3), Bolsonaro compareceu de surpresa ao STF para acompanhar a sessão. No dia seguinte, assistiu à votação no gabinete de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Os ministros rejeitaram pedidos das defesas para anular a delação premiada de Mauro Cid e questionamentos sobre a imparcialidade dos julgadores.