A titular da Cadeira nº 15 da Academia Mato-grossense de Letras (AML), professora Olga Maria Castrillon Mendes, que sucessedeu o pai, o professor Natalino Ferreira Mendes, que faleceu em 2011, escreveu uma crônica sobre o livro 'Antes do amanhã', recém lançado por Edson Flávio. Leia abaixo:
Antes da última xícara
Olga Maria Castrillon-Mendes*
O que se tem antes do amanhã? O dia, a aurora, o meio-dia, a nona hora, o ocaso, a meia-noite. Assim substantivadas, as partes que compõem o livro
Antes do amanhã, o mais recente lançamento de Edson Flávio Santos. [As partes do livro,] nos remetem à brevidade das horas e nos coloca frente à relação do homem com o tempo, ou [frente] à natureza finita da vida humana. Nessa ânsia vital, o ‘eu poético’ deseja as emoções sem controle. Mergulha, perde o fôlego, extasia-se, arrasta o ar dos pulmões: “Como a carne é retirada dos ossos, cirurgicamente, fui raspando o peito que agora está livre e vazio. Restaram-me apenas o orgulho e a escuridão” (p. 43).
[Pergunto]:Antes do amanhã, haverá tempo para a última xícara?! É o que o título e a ilustração da capa do livro sugerem, mas não respondem a nenhuma indagação; apontam para um tempo dos sentidos em que o passado se expressa por múltiplas linguagens e múltiplos sentidos: “Abraço o vazio e, exausto de lutar, adormeço” (p. 69).
[Digo que ] O ritual de passagem dos narradores dos contos que compõem o livro de Edson Flávio é uma forma de vivificar a vida (ou, também, de massacrá-la). Sinaliza para
tempos internos e essenciais. Tempo do sentido em que o passado se expressa através dos símbolos, das vivências e dos sentidos revelados. O tempo do sentido é o entrecruzamento entre o tempo histórico e o tempo mítico. É nesta confluência temporal que emerge a existência e a descoberta das identidades humanas. É nesse espaço que os narradores dos contos de
Antes do amanhã se revelam.
Como um velho tirano, o mítico
Kronós controla o tempo da narrativa. Mas ao lado de Kronós, o mito contrário é
Kairós, o deus da oportunidade, do
momento adequado, fecundo e passageiro. Retratado como um jovem calvo com apenas um cacho de cabelos na testa, [Kairós] tinha uma agilidade sem igual, possuindo asas nos ombros e nos calcanhares. Kairós corria rapidamente e só era possível detê-lo agarrando-o pelos cabelos, encarando-o de frente. Porém, depois que ele passava, era impossível trazê-lo de volta (
antes do amanhã, sugerido no título). Devido à sua agilidade podia não ser percebido pelo observador desatento. Isso quer dizer que quando Kairós surge diante de cada um de nós, como a ocasião adequada de fazer o que é certo na hora certa, devemos agarrá-lo e trabalhar essa oportunidade - pois caso ela nos escape - não voltará. Dessa forma, precisamos nos tornar atentos observadores das oportunidades cotidianas (
antes que seja amanhã, novamente clama o título do livro).
Kairós é o tempo que não pertence a Kronós, portanto, não pode ser cronometrado. Ele simplesmente acontece, sem previsibilidade ou hora marcada. São aqueles
momentos que se tornam únicos e eternos em nossa vida, mesmo que tenham sido breves. Um
tempo interno e essencial que proporciona um
profundo estado de presença e conexão. Deixa uma impressão forte e única para sempre e sustenta nossos passos na estrada existencial. É o tempo da experiência marcante. Em Kairós somos humanos,
VIVEMOS e não apenas sobrevivemos! É o tempo que nutre a nossa alma e nos vitaliza! O livro nos remete ao encontro desses dois rios míticos que se encontram, mas também se afastam.
É preciso não se sucumbir em Kronós: tenhamos conexão e consciência do
momento presente, sem os fardos do passado ou a antecipação do futuro. É preciso viver o tempo das oportunidades, aquelas [oportunidades] antes da última hora, antes do amanhã, antes que se esvazie a última xícara [o forte apelo da capa]. Nesse sentido [que é apenas um dos múltiplos sentidos leitores é que leio o fecundo livro de Edson Flávio. Não é poesia para adormecer, mas
despertar sentidos “Acordamos juntos e, assim, seguimos ocupando os espaços das horas. Vamos de mãos dadas visitando as feridas da vida” (30). [Nesse sentido], clama por Drummond, poeta da pedra no caminho, com quem Edson despertou para a arte poética. [Assim diz ao falar do seu renascimento]: “Quando Drummond morreu, a poesia nasceu em mim. Como uma rosa furando o asfalto, no meio do caminho, eu penetrava no reino das palavras” (p. 32). [Digo, então, que o escritor continua a desfazer-se dos fardos que carrega ao longo da existência. Desconstrói-se para refazer liberdades. Que assim seja, poeta!!
Gratidão por me fazer co-partícipe de mais esta caminhada em meio às
pedras do seu caminho!
*Olga é Doutora em Teoria Literária, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Cáceres (IHGC) e Imortal da Academia Mato-Grossense de Letras (IML)
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