Diminuição das chuvas e nível mais baixo dos rios indicam que o Pantanal deve enfrentar seca intensa e preocupante neste ano. Régua de medição no Rio Paraguai, que fica em Ladário, cidade a 420 quilômetros de Campo Grande, mostra que os níveis da água estão inferiores aos níveis de 2020, de acordo com a Agência Pública.
Esse é o medidor mais antigo localizado no Rio Paraguai, com cem anos de existência. Entre 31 de janeiro e 30 de abril deste ano, o nível do rio subiu de apenas 60 centímetros para 1,43 metro. Em 2020, no mesmo período, o nível passou de 1,18 metro para 1,82 metro.
Importância das chuvas
O transbordamento dos rios no Pantanal é resultado, principalmente, das chuvas, e é em novembro e dezembro que as primeiras costumam ocorrer. A partir daí, se inicia a cheia, com as águas inundando a planície pantaneira até o mês de abril.
Na sequência, o esvaziamento, ou seja, a vazante, começa entre maio e junho, quando rios e lagoas começam a retornar aos seus limites, e, por fim, nos meses de julho a outubro a planície volta a ficar seca.
Entretanto, neste ano, as chuvas não ocorreram como o esperado, diminuindo as áreas alagadas e fazendo com que o solo absorvesse boa parte da água devido ao extenso período de estiagem, ainda segundo a Agência Pública.
De acordo com SGB (Serviço Geológico Brasileiro), que opera o sistema de alerta hidrológico no Rio Paraguai desde 1994, déficits de precipitações têm sido registrados, na média de 300 mm no período chuvoso de 2023/2024. Dessa forma, foram observadas apenas 60% das chuvas esperadas para esses meses.
O dado indica que essa condição tem potencial de provocar estiagem severa neste ano, principalmente no segundo semestre, quando normalmente ocorre o período de seca no bioma.
“É importante olhar o conjunto de processos em andamento [a seca que segue se agravando, os fogos intensos que ocorrem desde 2019 e que fogem do ciclo natural do Pantanal e o aumento de temperatura por conta da crise climática] e a pouca quantidade de água na planície”, afirmou o biólogo Alcides Faria, fundador e diretor institucional da ONG Ecoa (Ecologia e Ação), à Agência Pública.
“Pouca água significa mais ‘combustível’ e território para o fogo. Nos últimos anos, várias ‘normalidades’ foram quebradas no Pantanal. Um exemplo recente foi o fogo no mês de novembro de 2023, que nunca havia acontecido”, completa.
Incêndios no Pantanal
De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de janeiro a 29 de abril toda a região do Pantanal registrou 646 focos de calor. O número representa alta de 1.033% em relação ao total registrado nos primeiros quatro meses do ano passado, que tiveram 57 focos.
O pior índice foi registrado nos primeiros quatro meses de 2020, com 1.815 focos. Em 2019, foram 674 focos nesse mesmo período.
O cenário fica ainda mais preocupante com a aproximação do La Niña, previsto para ocorrer a partir de junho.
“Em 2020, quando ocorreu um dos grandes incêndios, também prevalecia o La Niña. Segundo o NOAA [organização do governo norte-americano para oceanos e atmosfera], nada impacta mais o clima global do que os fenômenos La Niña e El Niño. É necessário atenção. Prevenção é a palavra da hora para o Pantanal”, pontua o biólogo da Ecoa.
Prejuízos na pesca
A ribeirinha Nilza Bandeira, de 59 anos, que é pescadora e apicultora em Miranda, cidade distante cerca de 200 quilômetros de Campo Grande, conta que tem seus dois trabalhos impactados pela falta de água.
“O impacto é em tudo, né? A chuva para nós é essencial aqui no Pantanal. Porque, quando não tem chuva, não tem peixe. O rio não enche, os peixes não sobem para desovar. Se não chove, não tem florada. Sem ela, não tem fruto nativo. Tanto para alimentar a gente, os peixes e os outros animais”, detalha Nilza.
“Na época da cheia, a gente sai para pescar por remessa e chega a pegar até 400 kg de peixes. Neste ano, na Semana Santa, meu cunhado saiu para pescar, passou 20 dias no rio, voltou só com 30 kg”, lamenta.
Mudanças climáticas, degradação de nascentes, desmatamentos dentro e fora do bioma interferem na seca do Pantanal. A ecóloga Solange Ikeda, do Instituto Gaia e professora da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso), campus de Cáceres, destaca que o Pantanal é uma planície dentro de uma bacia hidrográfica, a bacia do Paraguai, e que essa planície depende de muitas conexões.
“Se as nascentes são degradadas, se a parte alta dessa bacia é degradada, os sedimentos descem para os rios, o que leva à perda de uma grande quantidade de águas que inundaria essa planície alagável”, explica. “Então, um dos fatores desta seca é a degradação dos territórios, se também levarmos em conta a relação direta com águas que vêm de outros lugares, como da Amazônia, a partir dos rios voadores, e as nascentes no Cerrado”, explica.
Segundo a pesquisadora, o cenário dificilmente mudará até o final da temporada. “A gente vive uma seca extrema, e, ao mesmo tempo, ocorrem chuvas torrenciais que não são suficientes para o bioma. No mês de março, a média do nível da água no Rio Paraguai (na região de Cáceres) nos últimos 60 anos ficava acima de 4 metros. Neste ano, o Rio Paraguai oscilou entre 2 e 3 metros. Então, 50% do que era a altura da régua não subiu. É significativamente preocupante”, enfatiza.
“Não existe a possibilidade de até a temporada de seca essa régua subir. Teria de chover praticamente todos os dias durante muito tempo”, completa.
Prejuízos na agricultura
Impactos na agricultura também já são percebidos. Na aldeia Brejão, do povo Terena, em Nioaque, cidade distante 183 quilômetros de Campo Grande, a falta de água matou plantações, que já contam com ajuda de cestas básicas do governo.
Um dos líderes Terena, Alvino de Souza, que atua como brigadista, teme que a seca resulte em incêndios como os que ocorreram em 2019 e 2020, quando a intensidade do fogo ameaçou até mesmo a casa dos indígenas. Segundo ele, em alguns dias neste ano a sensação térmica superou os 40°C.
“Temos ido nas comunidades e escolas para orientar as pessoas e pedir que não coloquem fogo. E ficamos à disposição para ajudar em queimadas controladas. A gente vai lá e participa junto para não deixar o fogo se espalhar”, relata Souza.
“A gente produz milho, arroz e feijão, mas o que a gente plantou a gente perdeu com a seca e o sol quente. Então, por assim dizer, não produzimos nada esse ano”, lamentou.
Para o biólogo André Luiz Siqueira, diretor-geral de programas e projetos da Ecoa, é necessário quebrar a narrativa de que o Pantanal é resiliente e se recupera fácil, visto que cada ecossistema dentro do bioma têm diferentes relações com o fogo.
“Diante dos eventos climáticos extremos, o período de seca tem se alargado e piorado a frequência dos incêndios. No ano passado, ocorreram queimadas até dezembro, o que historicamente não era possível (pois seria o período de chuvas e cheia). Este ano, tivemos incêndios em pleno janeiro na Serra do Amolar (Corumbá, MS), região habituada a uma permanente inundação. O impacto disso é incalculável”, afirma Siqueira.
“Se formos falar de polinizadores, por exemplo, a gente não tem nem como calcular quantos deles foram extintos ou a quantidade de aves migratórias afetadas. É difícil mensurar, os danos são enormes para diferentes regiões”, lamenta.
Para ele, o problema antecede os incêndios e está na falta de prevenção. “Há uma dificuldade enorme entre os (poderes) executivos, os órgãos oficiais de combate e demais instituições envolvidas em de fato falar sobre trabalhar a prevenção. O trabalho de comunicação, sensibilização e de controle precisa ser muito mais intenso do que realmente é. Precisamos falar sobre os incêndios durante todo o ano, não apenas em um determinado período ou quando eles acontecem”, defende.
“Os estados precisam superar as questões burocráticas e orçamentárias em relação à contratação de brigadistas e fazê-la antes do pico da temporada do fogo. Além disso, tem que haver uma resposta imediata a todos aqueles que de forma criminal provocam os incêndios”, finaliza o biólogo.