Artigos / Ledson Catelan

30/10/2025 - 07:00

ZPE de Cáceres é inaugurada: oportunidade histórica ou risco de novo elefante branco?

Sem logística, gestão profissional e estratégia internacional, a ZPE pode repetir o fracasso de outras cidades brasileiras que viraram apenas placas em terrenos vazios

Cáceres acaba de entrar oficialmente na lista das Zonas de Processamento de Exportação do Brasil, uma política criada há mais de três décadas para industrializar regiões estratégicas e estimular exportações. No papel, a ZPE transforma agronegócio em indústria, soja em proteína, minério em aço e madeira em produto acabado. Na prática, tudo vai depender de atitude, não de solenidade.

As ZPEs no Brasil possuem um histórico de frustração. Criadas em 1988, alteradas em 1994 e modernizadas em 2007, elas passaram mais de 20 anos sem funcionar por excesso de burocracia e exigência de que 100 por cento da produção fosse exportada. Apenas em 2021, com a Lei 14.184, o modelo finalmente se tornou competitivo ao permitir que até 20 por cento da produção possa ser vendida no mercado interno, o que atraiu investidores. Apesar de o Brasil ter aprovado mais de vinte ZPEs, apenas quatro funcionam plenamente. A única que virou referência nacional é a ZPE do Ceará, que atraiu siderúrgicas e exporta mais de dois bilhões de dólares por ano. Enquanto isso, outras ZPEs se tornaram sinônimo de fracasso, como as de Rondônia e Acre, que ficaram anos com placa, cerca, guarita e nenhum projeto aprovado. A história mostra que inaugurar uma ZPE é fácil. Difícil é fazê-la funcionar.

Cáceres agora precisa escolher em qual lado quer ficar: no lado dos cases de sucesso ou no lado das estatísticas de fracasso.

A infraestrutura logística é o ponto mais crítico e o mais polêmico. Cáceres não possui porto seco operacional e continua dependendo exclusivamente de transporte rodoviário, o modal mais caro e menos competitivo para exportação industrial. A fronteira com a Bolívia está a menos de cem quilômetros da ZPE, mas a integração logística com Puerto Suárez e Puerto Quijarro nunca saiu do discurso político. Há mais de vinte anos se fala em porto fluvial e em corredor bioceânico. Até agora, existem apenas promessas. É a pergunta que investidores já estão fazendo: como exportar de uma ZPE sem rota definida de exportação?

Outro ponto que pode transformar a ZPE em derrota financeira é a governança. Uma ZPE não pode ser tratada como extensão da Prefeitura ou do Estado. O modelo exige uma Agência Gestora Profissional, com metas claras, autonomia e decisões técnicas. Investidores internacionais não colocam milhões em um ambiente onde cada decisão depende de humor político ou troca de governo. Se a gestão for técnica, atrai empresas. Se for política, atrai escândalos e abandono. Foi exatamente esse o erro das ZPEs que fracassaram.

A economia e a atração de indústrias exigem estratégia internacional, não municipal. Cáceres quer atrair empresas estrangeiras, mas não possui sequer material institucional bilíngue para apresentar a ZPE em espanhol ou inglês. Enquanto cidades pequenas do Paraguai e da Bolívia participam de feiras internacionais oferecendo benefícios fiscais, Cáceres ainda não levou a ZPE nem para uma rodada de negócios além das fronteiras. É como inaugurar um shopping e esperar que as lojas adivinhem onde ele fica.

E existe um detalhe que aumenta ainda mais a cobrança. Cáceres tem uma vantagem que nenhuma outra cidade de Mato Grosso possui. Aqui podem coexistir dois regimes aduaneiros de alto impacto econômico: a ZPE para indústria e exportação e o Free Shop para comércio internacional. Se forem integrados, Cáceres pode se tornar o maior hub de serviços e industrialização de fronteira do Centro-Oeste. Se forem tratados como projetos isolados, cada um vira uma vitrine vazia.

Os benefícios, se as entregas forem feitas, são gigantescos: empregos industriais formais, aumento de arrecadação sem aumento de impostos, fortalecimento do comércio, agregação de valor à produção local e redução da dependência de exportação de commodities. A ZPE não concorre com o agronegócio. Ela industrializa o agronegócio.

A pergunta é direta: o Estado e a Prefeitura vão fazer o que precisa ser feito ou vão repetir a história das ZPEs que só funcionaram na placa da entrada?

Cáceres tem uma oportunidade histórica nas mãos. Sem infraestrutura, governança profissional e atração de indústrias, a ZPE será apenas mais uma fotografia de inauguração. Com coragem política e planejamento, pode ser o maior projeto econômico da história da região.

O relógio já começou a correr e o investidor global não espera solenidade. Espera resultado.
 
Experiência jurídica estratégica, atuação institucional e protagonismo em projetos de desenvolvimento regional
Ledson Catelan

por Ledson Catelan

LEDSON CATELAN, advogado desde 2011, Mestre em Direito (UNAERP) e Doutorando em Direito (UFPA). Especialista em Direito Empresarial, Trabalhista Patronal, Bancário, Família e Sucessões. Professor Universitário desde 2012 (UNEMAT e ex-Estácio FAPAN). Ex-Assessor Jurídico da ACEC e ex-Conselheiro do Conselho Fiscal de Cáceres. Assessor Jurídico do Grupo SEEG e do Cacerense Futebol Clube. Autor da iniciativa de criação da Lei dos Free Shops em Cáceres/MT. Cacerense, casado com Michela Lemink (empresária e Treinner da Dale Carnegie em Cáceres) e pai de Iago Henrique, 15 anos; filho de Luiz Catelan (Juiz de Paz mais antigo em atividade na comarca) e de Dona Maria Sebastiana Catelan.
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