Artigos / Adriane A. B. do Nascimento

12/01/2022 - 09:16

A LIBERDADE CONTRATUAL E AS QUEBRAS DE CONTRATOS DE CRÉDITOS NA PANDEMIA

O artigo objetiva promover a reflexão da liberdade contratual como instrumento emancipador nas relações privadas e seus efeitos no comportamento racional das partes do contrato, especificamente, as propostas de alterações dos contratos de créditos pelos Poderes Judiciário e Legislativo face à pandemia do COVID-19. Para o percurso teórico, tomou-se como suporte a Análise Econômica do Direito, com reflexões sobre falhas de governo.

Refletir sobre a liberdade contratual a partir do desenvolvimento das sociedades e dos indivíduos possibilita o deslocamento de conceitos estritamente políticos ou jurídicos, para uma dimensão de maior robustez, agregando aspectos econômicos, culturais e sociais. Criando, dessa forma, um ambiente multidisciplinar das atividades humanas.

Nessa linha, nas contratações de serviços, por exemplo, devem garantir direitos contratuais tanto do consumidor quanto do prestador de serviços, uma vez que os contratos  refletem a vontade das partes na liberdade da contratação, principalmente em se tratando de vontades bilaterais. O trato faz lei entre as partes. As cláusulas contratuais refletem a vontade das partes quanto aos direitos, deveres e obrigações.

No âmbito do Poder Legislativo, com o intuito de suspender os pagamentos das parcelas de várias linhas de créditos durante o período da emergência pública, em 2020 foram apresentadas na Câmara dos Deputados 82 proposições e 34 no Senado Federal. A pesquisa foi filtrada com Projetos de Lei (PL) e Projetos de Lei Complementar (PLP), nos sites oficiais dos órgãos.

Nessa linha de pensamento, trazemos a lume a primeira decisão judicial na Ação Popular (AP) nº 1022484-11.2020.4.01.3400 contra o Banco Central do Brasil (BCB), a qual foi deferida tutela provisória de emergência para que, dentre os pedidos requeridos, seja prorrogada as parcelas dos créditos consignados aos aposentados, por quatro meses, sem adição de encargos de qualquer natureza, impondo, portanto, uma alteração contratual compulsória, que traz insegurança jurídica às partes contratantes e as empresas de crédito.

A par dessas considerações, a compreensão das relações contratuais sob a percepção e funcionamento da liberdade de contratar é um elemento que se relaciona diretamente com o comportamento racional dos agentes envolvidos, tomar-se-á como como suporte teórico a Análise Econômica do Direito que possibilitará a reflexão sobre o direito contratual, o Código Civil de 2002, o Princípio da Liberdade de contratar e a imprevisibilidade contratual.

Refletir sobre a liberdade de contratar se torna perfeitamente possível dentro da perspectiva da análise econômica do direito, pois, no ambiente normativo do direito contratual cujos agentes econômicos (partes) atuam, há comportamento racional em busca de emancipação das vontades com o fito de realizar transação cujos efeitos ressoarão para toda uma coletividade.

Portanto, a liberdade enquanto princípio promove o deslocamento da relação meramente bilateral para promover resultados na esfera da coletividade, pois, ao contratar, as partes devem se ater à obrigação de cumprir o contrato sob pena de a máquina do sistema de justiça ser movido para atender aos reclames da inexecução contratual (pacta sunt servanda) ou, ainda, celebrar o contrato considerando a autonomia da vontade das partes, implicando na ideia de que as partes devem estar livres para buscar o que é melhor para si já que o mote final do contrato é a criação de riquezas.

O comportamento na relação contratual é racional e, por ser racional, tem papel fundamental na economia moderna conforme afirma Sen (1999, p. 31) e, portanto, a busca de fazer “todo o possível para obter o que gostaríamos, pode ser parte da racionalidade”.

A liberdade de contratar resgata essa noção de racionalidade, pois, as partes ao contratarem têm liberdade de exercer a contratação e, a liberdade tem fundamento na racionalidade do comportamento que busca como motivação final o alcance dos benefícios e resultados positivos a partir do enlace negocial que, consequentemente, reverbera no mercado, este compreendido como espaço de interação social e coletivo (TIMM, 2008), de modo que o mercado, não está separado da sociedade, mas, é parte integrante dela, pois não se pode olvidar que “existem interesses coletivos porá trás das relações contratuais” (2008, p. 78).

Ademais, da mesma forma que a liberdade econômica é enquadrada “como uma das causas do desenvolvimento, seja ele o econômico ou o humano, haja vista que é a própria liberdade de atuação que impulsiona a criação e circulação de riquezas” (PONTES, 2014, p. 42), pode-se conceber que a liberdade contratual, sob o espeque da racionalidade, também é um fator que contribui para o desenvolvimento tendo em vista que ela possibilita que a transação ocorra sob a perspectiva e expectativas dos agentes econômicos – partes do contrato – a fim de que sejam alcançadas e, consequentemente, interagindo-se com o mercado que, como dito outrora, é considerado como um espaço de interação social e coletiva.

E é no equilíbrio, eficiência das relações jurídicas que os agentes econômicos podem ponderar custos e benefícios na hora de decidir, sendo que uma alteração na estrutura de incentivos poderá levar a adotar outra conduta/escolha (GICO, 2011), ou seja, adoção do comportamento racional pelas partes que resultará, em última análise e, segundo o Teorema de Coase, em soluções socialmente eficientes (TIMM, 2019).

Por todo o exposto, há de se considerar que, para além da crise econômica natural devido o momento de calamidade pública instalada no país desde o ano de 2020, uma decisão judicial no campo econômico-financeiro e de mercado é extremamente crítica por ampliar a instabilidade, a desconfiança e insegurança no mercado financeiro e no sistema financeiro, além do aumento do risco de crédito.

De mais a mais, na composição do spread bancário a Inadimplência é a maior parte do valor, isso quer dizer que tais intervenções do Estado pode encarecer ainda mais o crédito no Brasil, fazendo que aconteça efeitos contrários ao pretendido incialmente.

Neste artigo, não foram consideradas as providências que as instituições financeiras, por iniciativas próprias e de acordo com suas projeções, tomaram para proteger os contratos firmados e amenizar o sofrimento financeiro que seus clientes possivelmente estariam vivendo (soluções de mercado). Dessa forma, em mais um aspecto, por meio do Poder Legislativo, o Estado desrespeitou o liberalismo econômico e a liberdade contratual.

O Poder Judiciário, não pode desprezar os efeitos externos econômicos coletivos que as decisões podem resultar, decisões não sistemáticas. Atualmente, nota-se muitas decisões baseadas em pretensa “justiça social” indo de encontro com às normas consolidadas, tais como: CDC, Código Civil e a própria Constituição Federal, restando claro rompimento com o princípio da liberdade de contratar, da autorregulação do mercado e outros princípios balizadores do direito. Outrossim, produzindo mais inseguranças jurídicas e contribuindo para a instabilidade dos Sistemas de Crédito.

No caso das iniciativas dos congressistas, apesar de terem a liberdade de propor leis para atender seus eleitorados, não podem agir de maneira irresponsável sem antes compreender as regras vigentes e os impactos no mercado financeiro. Como visto nas argumentações, o contrato é o resultado da combinação do interesse de uma pessoa por um serviço ou coisa com o serviço ou coisa oferecida por outra pessoa e/ou empresa. O contrato é baseado em leis consolidadas, não cabendo, portanto, a interferência justiceira de terceiros.

Em que pese a discussão ter sido mais acirrada no início da pandemia, infelizmente, não estamos imunes a um recrudescimento. É preciso estar vigilante para que inciativas governamentais supostamente bem-intencionadas não tragam um prejuízo ainda maior.
 
 
Autora: Adriane do Nascimento
Sócia Administradora do Escritório
Simões Santos & Nascimento – Sociedade de Advocacia
Advogada, Mestranda em Economia.
 
 
REFERÊNCIAS
 
1. GICO Jr, Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, V. 1, nº 1, p. 7-32, Jan-Jun, 2010.
2. TIMM, Luciano Benetti. O novo direito civil: ensaios sobre o mercado, a reprivatização do direito civil e a privatização do direito público. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
3. TIMM, Luciano Benetti; GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise econômica dos contratos. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e Economia no Brasil: estudos sobre análise econômica dos contratos, 3. ed., São Paulo: Ed. Foco, 2019.
4. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
5. PONTES, Ted L. R. Liberdade Econômica como um Elo entre o Desenvolvimento Humano e o Crescimento Econômico. In: Giovani Clark; Paulo Ricardo Opuszka; Maria Stela Campos da Silva. (Org.). Direito e economia II. 1ed. Florianópolis: Conpedi, 2014.
Adriane A. B. do Nascimento

por Adriane A. B. do Nascimento

Sócia Administradora do Escritório Simões Santos & Nascimento – Sociedade de Advocacia, graduada em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso. Especialista em Direito Societário. Especialista em Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Mestre em Economia. Mediadora Privada.
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