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21/11/2020 - 10:12

Professora da Unemat, vereadora negra reconhece que eleição mostra mudança

Eleita com 2.902 votos, a professora Edna Sampaio (PT) é a única mulher negra na Câmara de Vereadores. Apesar da pouca participação do Legislativo municipal, ela entende que a eleição é um sinal de que o povo quer mudança e que é um incentivo para que outras mulheres também se encorajem a entrar na vida política.
 
A professora já disputou eleições em 2018 ao cargo de deputada federal, fez 24 mil votos e ficou como suplente. Ela sempre foi engajada com causas sociais, tendo participado da Pastoral da Juventude, na universidade ingressou no movimento estudantil e foi presidente da Associação dos Docentes da Unemat (Adunemat).

Embora sempre ativa na política em defesa dos direitos humanos, causa das mulheres e dos negros, nunca havia pensado em se candidatar a cargo político. Mas isso mudou em 2016, quando a presidente Dilma Roussef foi afastada do cargo. Na visão dela, o impeachment foi um golpe não só contra a presidente, mas contra toda a classe trabalhadora.

“Isso me fez perceber a importância da participação de mulheres na política. Pois em todas as crises as mulheres são as mais atingidas”, afirma.
 
João Vieira
Fotos Edna Sampaio / PT / Vereadora Eleita /
 

 Edna concorreu ao cargo de deputada, mas ficou como suplente
O resultado da campanha para deputada foi um sinal de que havia potencial em sua candidatura e, também por isso, os colegas de partido as incentivaram a se candidatar novamente. Edna Sampaio se mostra muito feliz e preparada para enfrentar o parlamento. Para ela, a campanha a vereadora é ainda mais difícil, pois toca em problemas pontuais da população, em bairros específicos e também a concorrência é maior.

“Meu eleitorado está disperso. É um eleitorado progressista, principalmente de mulheres, não tem ódio do PT, embora tenha críticas. Não sei como vai ser lá (Câmara) com essa minha condição que é duplamente minorizada politicamente, que é ser mulher e negra, além da origem muito pobre. Venho da periferia, apesar de ser hoje de classe média. Não tenho família de políticos. Claro que vou enfrentar dificuldades. Além disse sou uma mulher de esquerda, mas acredito que é possível dialogar e criar bons aliados ali”, pondera.

Sua atual situação abre portas para que mulheres se sintam representadas e incentivadas a ocupar espaços políticos. Edna explica que as candidaturas femininas não recebem o apoio devido em comparação ao que ocorre com os homens. Ainda há preconceito do eleitorado em votar em mulheres, mas isso está mudando.
“Tem as candidaturas dos homens brancos, héteros mais visíveis. Com as mulheres isso não acontece. Não tem essa possibilidade de competição. Mas nossa participação é muito importante para abrir caminho. Realmente, a política é um hospital para mulheres. É um espaço masculino, que tem regras muito rígidas. Nossa própria formação nos orienta para outro espaço que não é a política”, relata.

Racismo na política

Na avaliação da vereadora, ser negra é fator que ajuda e que também prejudica candidaturas. Em todo o Brasil, as mulheres ocupam 10% dos cargos políticos. Nessa esfera, a mulher negra representa apenas 1%. “Essas eleições dão prova de que o cenário está mudando. Há mais mulheres negras ocupando esses espaços, mas ainda é muito pouco. Acho que ser negra atrapalha um pouco, porque as mulheres negras sempre foram impedidas de participar de política. Mas hoje elas estão mais conscientes da importância da participação, pois somos a maioria dos eleitorado”, destaca.

“O símbolo é muito importante. A proporcionalidade dessa ocupação é fundamental para a luta por igualdade de gênero e combate a violência contra a mulher. Numa sociedade onde predomina cargos ocupados por homens não há preocupação em ações voltadas para mulheres. Eles não sabem dessas necessidades e não são atingidos por problemas como a violência contra a mulher, por isso não há interesse”, relata.

Negro ocupa novos espaços

De origem humilde, Edna Sampaio passou em concurso público e há anos é professora universitária. O trabalho árduo conferiu oportunidade para que acessasse bens e pudesse frequentar lugares onde somente brancos iriam. Mesmo com a possibilidade de acessar essas locais com o esforço do seu trabalho, os olhares ainda são estranhos e o tratamento diferenciado.

“Isso é uma exceção. Venho de uma época que não tinha cotas. Entrar na UFMT não era realidade para uma pessoa que vem de onde eu vim. Se olhar ao redor, todos meus amigos da infância e juventude não estão no lugar ponde estou. [...] as pessoas olham diferente, marcam, porque você é o único diferente no lugar”, relata.
Edna relata que no mestrado e doutorado a grande maioria dos discentes era branca, assim também é a realidade entre os professores universitários.

“É muito triste estar no lugar em que você não tem pertencimento. Você não pertence nem ao lugar que deixou para traz nem, que é o lugar da pobreza, nem o lugar em que está porque é diferente. Racismo é a coisa mais terrível da sociedade e passa como se fosse natural. Nós temos uma Câmara Municipal e uma Assembleia Legislativa que não têm pretos, quando a sociedade cuiabana é composta por 60% de pessoas pretas”, afirma.
Apesar das dificuldades, as oportunidades oferecidas aos negros melhoraram no decorrer dos anos. O sistema de cotas e ajuda para permanência na faculdade foram decisivos para que os negros tivessem mais acesso a educação e colher melhores chances de deixar a pobreza.

“Já temos uma intelectualidade negra. A Unilab foi criada como universidade centrada em teorias afro que dialoga com conhecimento produzido por pessoas negras. Isso é fantástico. A porta de entrada para que o negro deixa a pobreza é a educação. Além disso há a autoafirmação. A valorização da beleza negra, um corpo presente e orgulhoso de si dentro dos espaços de luta política”, comenta.
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