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23/09/2019 - 09:02

Palavras honestas de Jorge Jesus são críticas válidas aos técnicos brasileiros

Até o começo dos anos 2000, poderia se argumentar sem medo que o futebol praticado no Brasil estava entre os melhores do mundo. Mesmo em um cenário que não contava com tantos talentos estrangeiros, como ocorre na Europa, que poderiam adicionar “novos temperos” à cancha, o Campeonato Brasileiro ainda produzia campeões internacionais que batiam de frente e sem dó com os times do outro lado do oceano Atlântico.

Neste ambiente, pouco se fazia quanto a questões táticas. O mais importante era montar o time de modo que o seu craque jogasse da melhor maneira possível e fazer com que essa prática se convertesse em resultados. E, uma vez que até os times considerados “pequenos” carregavam o talento de impor respeito, foram assim sendo tecidos times, jogadores e técnicos muito vitoriosos ao longo dos anos.

Só que ao que parece esses tempos ficaram para trás, e os nossos técnicos caíram no mesmo balaio. Conforme declaração que recentemente veio à tona na imprensa brasileira, feita pelo técnico português Jorge Jesus em uma entrevista do ano passado a uma revista francesa: “O treinador brasileiro está ultrapassado taticamente. Sabe por quê? Porque sempre tiveram grandes jogadores e esses resolvem os problemas táticos sozinhos. Os treinadores brasileiros tinham menos necessidade de criar ideias coletivas, por causa disso estão ultrapassados”.

Tais palavras sinceras do hoje comandante do Flamengo causaram muita raiva entre as contrapartes nacionais. De Argel Fucks a Muricy Ramalho, o tom geral foi de reprovação quanto à declaração dada pelo técnico quando o mesmo ainda treinava o Al-Hilal, na Arábia Saudita.

Entretanto, o português hoje em dia “possui a banca” para fazer esse tipo de declaração. As casas de aposta esportiva colocam o seu Flamengo como favorito aos títulos do Campeonato Brasileiro e da Copa Libertadores, desbancando outros grandes times como Grêmio e os gigantes argentinos Boca Juniors e River Plate na preferência dos números.

Esse favoritismo é resultado não só do excelente futebol que o Flamengo tem praticado, como mostrado em sua vitória sobre o Santos por 1 a 0 no Maracanã, em confronto contra um potencial rival ao título, mas também é efeito da queda de técnicos brasileiros como Luiz Felipe Scolari, que saiu do Palmeiras após demonstrar incapacidade de recuperar o bom futebol mostrado pelo time na temporada passada. Seu substituto, o ex-cruzeirense Mano Menezes, passou pelo mesmo problema em seu time anterior.

Em oposição ao que Scolari, Mano e muitos outros técnicos brasileiros já estabelecidos praticam, Jesus não tem medo de implementar novas ideias aprendidas ao longo da sua carreira. Enquanto aqui a falta de craques fez com que o “futebol resultado” reinasse acima de qualquer outra coisa, na Europa é valorizada a primazia coletiva, que não exclui jogadores de destaque de realizarem funções táticas que no Brasil eram impensadas há alguns anos.

Claro que nem todo técnico brasileiro foi deixado para trás. Renato Gaúcho, comandante do Grêmio, que enfrentará o Flamengo nas semifinais da Libertadores, é uma das exceções. Outros nomes que também fogem do lugar-comum, como Fernando Diniz, ainda não conseguiram sucesso tão grande quanto o de Renato, que levantou a taça continental no ano passado.

Mas, acima de tudo, seria mais do que válido para o futebol brasileiro refletir sobre as palavras de Jesus em vez de simplesmente usá-las para atacar uma presumida ignorância de um técnico que tem feito um dos melhores trabalhos já vistos em território nacional. E, para isso acontecer, não seria necessário esperar que o mesmo seja “validado” com um título.
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