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20/04/2018 - 13:06

De Cáceres para o mundo, Guapo traçou história com música e poesia

Nos recebe vestindo uma camisa com estampa regateira, chapéu que cobre os cabelos brancos e logo revela à essência pantaneira de um homem que chegou aos 66 anos. Estamos falando de Milton Pereira de Pinho, o Guapo. Ele é cacerense e apreciador de todos os estilos de música desde muito cedo.
 
Recebeu a equipe do  no jardim de sua casa arborizada, sentado em um tronco cerrado de árvore. Disse que naquele assento seria melhor para embalar suas músicas no violão. Poeta, escritor, pesquisador, compositor e músico, já viajou o mundo com suas composições, por isso, recebeu nesta quinta (19), o Título de Cidadão Cuiabano atribuído pela Assembleia, e em dezembro de 2017, o reconhecimento do Ministério da Cultura como mestre da Cultura Popular de Mato Grosso. Até o momento, é o único com esta condecoração no Brasil. 

Guapo, como é chamado no universo da música, conta que nasceu em berço musical. A avó paterna era pianista e o avô materno um cururueiro. O pai, químico e ateu, tratava a música como religião e lhe cedeu desde menino o gosto pela musicalidade. “Meu pai me deu uma educação de ponta e cabo a rabo baseada em música. Eu ouvia no rádio e nos discos desde tango argentino, ópera, jazz e música folclórica de outros lugares, como as da Rússia ou África, e assim, meu ouvido foi acostumado a ouvir de tudo”, explicou.
 
Ás margens do Rio Paraguai, entre rodas de festas de santos ou violeiros que apreciavam a música pantaneira, os alicerces musicais de Guapo foram estruturados em Cáceres, mas ele diz que suas canções não estão vinculadas em um canal só, pois, apesar de serem nativas desta aldeia, estão abertas ao mundo. 

“É um lado empírico e analítico o de ser músico e compositor, pois, ao mesmo tempo, que eu participava destas rodas na margem do rio, eu também ouvia o que estava acontecendo no mundo inteiro como o rock, blues, bossa nova ou samba, tudo”. 

No início dos anos 70, o compositor conta que esta mistura de referências aconteceu principalmente porque ele só ouvia rádio e não tinha TV. Assim, não fazia ideia de como eram as coisas fora de sua cidade natal e, antes que fizesse suas malas e fosse conhecer outras culturas, o cantor Mato Grosso, da dupla Mato Grosso e Mathias, que naquela época residia em Cáceres, resolveu ensinar a Guapo as primeiras notas do violão. “Aos poucos fui aprendendo por conta, me virando, pois não tinha violão e tinha que praticar com o violão dos outros”.

Ao tocar clássicos, logo aquele jovem percebeu que gostaria de compor, e foi por volta dos 19 anos, escreveu sua primeira letra. Em alguns anos, após essa experiência, mudou-se para Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo e viajou pelo mundo. Em Washington (Estados Unidos), apresentou algumas de suas composições aos norte-americanos. “Após essa caminhada, estou a 33 anos em Cuiabá e me considero um cosmopolita”, ressaltou aos risos.

O artista conta que teve vários estágios musicais e relata que seu primeiro disco tratou cerca 70% de contestação ecológica, pois, ao voltar para sua terra, teve um impacto emocional muito grande ao ver a imensa degradação do meio ambiente. “Em uma dessas vindas de férias de São Paulo para Cáceres, quando vi o Rio Paraguai poluído fiquei abalado. Era um rio cristalino onde víamos os peixes passando no fundo da água e neste álbum, todas as canções foram como um lamento”, desabafou.
Gilberto Leite
Milton Pereira de Pinho, o Guapo
Milton Pereira, o Guapo, traduz o sentimento do pantaneiro por meio da música. O artista se considera um cosmopolita e é mestre da cultura popular de MT
 
No segundo disco, ele explica que é o mais vinculando ao rasqueado cuiabano e é independente desta contestação anterior, ao dar como exemplo a sua música Rebojando. Na terceira fase, quando partiu para parceria com a Orquestra de Mato Grosso, em meados de 2005, cedeu suas composições para um trabalho orquestrado e intitulado como Berrante Pantaneiro.

Literatura
 
Milton escreveu um livro fruto de sua pesquisa de 40 anos com a música, o Remedeia Co Que Tem, que fala sobre a música mato-grossense. Nesta obra vendeu 3 mil cópias e, hoje, os exemplares podem ser encontrados em todas as bibliotecas de Mato Grosso. “Houve momentos que fiquei dividido entre a literatura e a música”, confessa, ao argumentar que nos próximos trabalhos pensa assinar como Milton Guapo.

Em 28 de junho, Guapo irá apresentar seu próximo livro que nomeou de Um pé de Verso e outro de Cantiga. No lançamento, também organiza um show com músicos conterrâneos como Henrique Maluf, Levy e outros artistas. "Nesta obra eu demonstro que já não há mais separação entre as artes que desenvolvi. Está tudo envolvido, tudo junto". 

Novo trabalho

Com uma pausa na entrevista, posicionou seu violão e apresentou sua nova canção Aqui Como Essa Vida, que diz ter escrito para Cuiabá. Sobre o atual momento da música do Estado, Guapo faz pontuações. “Recentemente li em uma entrevista do maestro Fabrício Carvalho que concordo muito. Ele disse que Mato Grosso está muito bem na cultura que vem da terra, somos o primeiro do mundo em produção agrícola, mas a cultura da alma está completamente emudecida. É fácil de perceber isso quando vemos premiações internacionais como o caso de Domingas com a Flor Ribeirinha apresentado na Turquia, ou Bruna Viola ganhando o Grammy Latino”, ressaltou.

Segundo ele, falta reconhecimento por parte do governo, universidades e de órgãos que estão vinculados a estas instituições. “Tanto pessoas como eu, que são autodidatas, quanto outras que tem formação, não recebem apoio para que possa continuar trabalhando pela arte e cultura do Estado”, finalizou. 
 
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