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24/04/2025 - 21:29

O Avanço das Pesquisas sobre Autismo: Desvendando os Fatores Genéticos e os Desafios no Diagnóstico

Ao longo das últimas décadas, a ciência desfez mitos e aprofundou o entendimento sobre o autismo, revelando os complexos mecanismos genéticos por trás dessa condição

Por David Cox

Até a década de 1970, a ideia predominante na psiquiatria era de que o autismo era causado por fatores psicológicos, especialmente atribuídos ao comportamento das mães. Nos anos 1940, o psiquiatra austríaco Leo Kanner formulou uma teoria controversa, conhecida como a "teoria da mãe-geladeira", segundo a qual o autismo seria resultado de traumas na primeira infância, causados por mães que eram frias, distantes e rejeitavam seus filhos. Daniel Geschwind, professor de neurociência e genética da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), destaca que essa teoria foi, felizmente, desmascarada, mas levou quase 30 anos para ser refutada de forma conclusiva.

Foi somente em 1977, com um estudo inovador realizado por dois psiquiatras, que começou a surgir uma visão mais precisa sobre a origem do autismo. O estudo demonstrou que o autismo era mais comum entre gêmeos idênticos, indicando um forte componente genético. Desde então, pesquisas adicionais têm confirmado que, quando um gêmeo idêntico é diagnosticado com autismo, há uma chance superior a 90% de que o outro também seja autista. Já nos gêmeos fraternos do mesmo sexo, essa probabilidade é de cerca de 34%, bem mais alta do que a taxa média de ocorrência na população geral, que é de cerca de 2,8%.

Atualmente, a comunidade científica aceita amplamente que o autismo tem uma base genética significativa. No entanto, o entendimento sobre quais genes estão envolvidos e como eles interagem com outros fatores ainda está em desenvolvimento. Como explica Thomas Bourgeron, professor de neurociência do Instituto Pasteur em Paris, pequenas variações genéticas, que podem não ter efeito algum individualmente, às vezes possuem um impacto significativo no desenvolvimento do autismo.

Estudos mais recentes revelaram que essas variações genéticas "superfortes" estão presentes em até 20% dos casos de autismo. Em muitos desses casos, uma única mutação genética é responsável por mudanças críticas no desenvolvimento neurológico. Segundo Bourgeron, algumas dessas mutações são extremamente graves e resultam em deficiências significativas, como atraso motor, deficiência intelectual ou encefalopatia epiléptica, afetando gravemente a qualidade de vida das pessoas afetadas.

Os cientistas já identificaram mais de 100 genes onde essas mutações podem ocorrer, e Bourgeron fez uma das primeiras descobertas significativas em 2003, identificando duas mutações genéticas associadas ao autismo. Essas mutações afetavam proteínas essenciais para a formação de conexões entre os neurônios, um processo fundamental chamado sinaptogênese.

Mais recentemente, a descoberta de mutações no gene Shank3, que afetam menos de 1% da população autista, trouxe novos insights. Algumas dessas mutações são chamadas "variantes de novo", ocorrendo aleatoriamente durante o desenvolvimento embrionário, e não sendo herdadas dos pais. Outras, no entanto, podem ser passadas por um dos genitores, mesmo que este não apresente sintomas de autismo. Como observa Geschwind, essas mutações podem não ser suficientes para causar autismo no genitor, mas, quando combinadas com outras variantes genéticas, podem contribuir significativamente para o desenvolvimento da condição em uma criança.

Embora o componente genético do autismo seja claro, muitos cientistas acreditam que fatores ambientais também desempenham um papel importante no seu desenvolvimento. Por exemplo, a exposição pré-natal a poluição do ar, pesticidas, ou complicações durante o parto, como a privação de oxigênio, têm sido investigadas como possíveis influências ambientais. No entanto, algumas teorias pseudocientíficas, como a ideia de que vacinas podem causar autismo, foram amplamente desmentidas.

As pesquisas atuais se concentram em como o neurodesenvolvimento pode ser afetado por variações genéticas, especialmente durante a formação do córtex cerebral, que ocorre entre as 12 e 24 semanas de gestação. Essa fase é crucial, pois o córtex é responsável por funções cognitivas complexas, como memória e raciocínio. As mutações genéticas podem interferir nesse processo e alterar o desenvolvimento do cérebro.

Embora o foco da pesquisa genética seja fundamental, a diversidade no espectro autista é vasta. Pessoas autistas podem ter desde deficiências severas, necessitando de assistência 24 horas por dia, até formas mais leves, onde o autismo é visto como uma identidade, e não uma condição a ser "curada". Por isso, há uma divisão de opiniões dentro da comunidade autista e entre pesquisadores: enquanto alguns acreditam que o autismo precisa de intervenções, outros defendem que ele é uma parte natural da diversidade humana e não deve ser tratado como uma condição patológica.

Nos últimos anos, uma nova abordagem tem sido a criação de testes para identificar variantes genéticas comuns no autismo, como o "Reading the Mind in the Eyes", desenvolvido por Simon Baron-Cohen e seus colegas. Esse teste avalia a capacidade de uma pessoa de identificar emoções com base em imagens dos olhos de outra pessoa, e está ajudando os cientistas a entender como as variantes genéticas afetam a percepção emocional e social.

A pesquisa também tem revelado que essas variantes genéticas estão associadas a habilidades como análise de sistemas, construção de regras e rotinas, além de uma maior tendência a alcançar altos níveis educacionais e habilidades em áreas como matemática, arte e espaço. Esses achados sugerem que o autismo, em sua forma mais leve, pode ser uma vantagem em certas áreas da vida.

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