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17/01/2010 - 00:00

Falta de medicamentos lidera lista de reclamação na Ouvidoria do Estado

Por Jornal Oeste

Fernando Duarte Sessenta e três porcento dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) em Mato Grosso, que acionam a Ouvidoria Geral do Estado, reclamam da dificuldade na obtenção de medicamentos. Foram protocolados 1.576 processos relacionados a remédios, dos 2.487 formalizados na entidade, que é uma instituição ligada ao Conselho Estadual de Saúde (CES), órgão máximo do segmento em Mato Grosso. Estão cadastrados no Estado, atualmente, 22 mil usuários para recebimento de medicamentos. De acordo com o relatório da Ouvidoria, referente a janeiro e novembro do ano passado, as principais reclamações com a política de assistência farmacêutica do Estado são em relação à falta de humanização, informação e comunicação ao usuário por parte de alguns funcionários da Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (CAF); burocracia no atendimento; definição dos protocolos clínicos (a lista de medicamentos) que atendam a política de assistência farmacêutica; estoque regulador deficiente, ocasionando a falta de medicamentos de alto custo; problemas na aquisição de medicamentos, o que provoca ausência de estoque, sendo que os pacientes cadastrados ficam alguns meses em atraso quanto ao recebimento e sem previsão de chegada e dificuldade ou falta de acesso para protocolar solicitação de medicamentos que não constam nos protocolos clínicos. Em dezembro de 2004, foi criada a Portaria 225 pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) para garantir medicamentos a 12 tipos de doenças, entre elas Fibrose Cística, Osteoporose, Toxoplasmose Gestacional, Glaucoma, Hipertensão Arterial Sistêmica, entre outras. No entanto, desde que foi criada, nunca houve uma atualização dos medicamentos usados para essas doenças e nem a abrangência para outros problemas de saúde. O membro da Comissão de Política de Medicamentos do CES, José Carlos Bazan, diz que a Lei nº 7.968, de 25 de setembro de 2003, exige que o Estado faça a atualização anual dos medicamentos, sendo o prazo para isso 30 de novembro de cada ano. A atualização é feita, de acordo com Bazan, por um grupo formado pela SES, Conselho de Saúde, farmacêuticos, médicos entre outros. "Com a atualização, um medicamento voltado para determinada doença pode ser usado para tratar outra. Às vezes, um medicamento serve para mais de uma doença". Sem orçamento - Por causa de 2 tumores que surgiram no abdome, Maria de Lourdes Brandão, 50, necessitou tomar vários medicamentos. A irmã dela, a dona-de-casa Marta Eleuza Brandão, 49, que é quem cuida de Maria de Lourdes, disse que inicialmente a intenção era retirar os tumores fazendo uma cirurgia, mas como estavam em estado avançado (sendo que um deles rompeu) foi descartada a hipótese. Maria de Lourdes teve que tomar medicamentos para que a doença diminuísse. Até então, segundo Marta, não havia necessidade de solicitar os remédios ao Estado, já que ela conseguia pagá-los. Mas, para a etapa final do tratamento, o orçamento não suportou, pois precisou tomar 4 caixas do Mabthera, medicamento que custa R$ 7,5 mil a caixa - R$ 30 mil ao todo. "Fui e liguei na Ouvidoria e não consegui. Também fui à farmácia de alto custo, mas eles me informavam que não havia o medicamento". Marta aguardou por quase 2 meses. Ao fazer uma consulta, foi sugerido que ela procurasse a Defensoria Pública, levando uma carta assinada pela médica. Dez dias depois, Maria de Lourdes estava tomando o medicamento, que recebe gratuitamente. "Ela, praticamente, está livre do câncer. Viemos da médica que está muito contente com a situação dela", conta Marta. A tomografia abdominal que Maria de Lourdes fez recentemente constatou que os 2 tumores desapareceram. Justiça - Em torno de 1,2 mil pessoas recorreram à Defensoria Pública sobre questões relativas ao sistema de saúde em 2009. Destes, 80% exigiam a aquisição de medicamentos que não estavam na lista da Secretaria de Estado de Saúde. Foram 950 ações judiciais pela defensoria especializada na defesa de direitos relativos a medicamento, somente em Cuiabá. De acordo com o defensor público Carlos Brandão, a maioria das pessoas que procura o órgão necessita de medicamentos de alto custo. Outra parte dos pedidos à Defensoria é relativa, por exemplo, às transferências do Pronto-Socorro municipal para hospitais especializados. No interior também há incidência da exigência por medicamentos. Em Cáceres (225 km a oeste de Cuiabá) uma mulher ganhou na Justiça o direito de receber remédios do Estado no combate a uma doença conhecida como "escleroderma", que provoca complicações na pele, articulações, esôfago, entre outras. Cada caixa do medicamento que necessitava consumir custava mais de R$ 15 mil e vinha com 60 comprimidos. Há diversas outras decisões judiciais em Mato Grosso, que sempre determinam que o Estado forneça o medicamento necessário ao paciente. Entretanto, alguns acabam chegando tarde, quando a pessoa já faleceu. Outro lado - O secretário-adjunto da SES, o médico Victor Rodrigues, diz que, sobre a quantidade de reclamações dos usuários, há casos de médicos que receitam remédios em que as especificações são diferentes das que estão no protocolo clínico do governo do Estado ou do Ministério da Saúde (MS). Nesse caso, é o mesmo medicamento, mas em quantidades diferentes, por exemplo. Rodrigues lembra que houve casos de pacientes entrarem na Justiça exigindo insulina em formato adesivo e não por injeção, que é a que consta no protocolo. Enquanto a primeira custa, segundo ele, R$ 900, a segunda tem um preço de R$ 10. "Em saúde pública se trabalha com massa e não com indivíduo". Ele disse ainda que a indústria farmacêutica caminha muito mais rápida que a atualização do governo. Nos últimos 3 anos, segundo Rodrigues, saíram 6 portarias pelo MS que atualizam a lista de medicamentos. A cada portaria, mais burocracias surgem, como a renovação de cadastro do paciente a cada 3 meses, o que também é motivo para o usuário reclamar junto à Ouvidoria. Sobre a portaria estadual que nunca foi atualizada, o secretário-adjunto argumenta que ela foi criada para que houvesse uma redução do número de ações judiciais, o que não aconteceu, já que a medida ficou ampla e extrapolou a capacidade do Estado de ofertar medicamentos. "A verba no orçamento para medicamentos só perde para a folha de pagamento. Vai mais dinheiro para medicamento do que para investimento". A verba com medicamento chegou a R$ 80 milhões em 2009, que são oriundos de recursos do Estado e da União. "O protocolo não é feito por remédio, mas por doença". A última atualização de medicamentos feitos pela União ocorreu pela Portaria 2.982, de 26 de novembro do ano passado. No atendimento ao usuário do SUS (item muito reclamado na Ouvidoria), o secretário-adjunto admite que há falhas e que "vai demorar um pouco para mudar". Segundo ele, para que haja um melhor tratamento aos que necessitam do sistema público de saúde, deve ocorrer uma mudança no método de entrada dos funcionários. Não apenas pelo sistema de concurso, mas também por um processo de triagem dos futuros servidores.
 
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