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28/07/2020 - 11:51

Em Porto Espiridião, 60% das mortes causadas pelo novo coronavírus foram de indígenas chiquitanos

Por Isabela Mercuri

Na cidade de Porto Espiridião, a 328km de Cuiabá, 60% das mortes causadas pelo novo coronavírus até o último dia 15 de julho eram de indígenas chiquitanos. Muitos deles não vivem nas aldeias, e nem todos reivindicam suas identidades indígenas. A infecção em massa, no entanto, coloca tradições, como o ‘Currussué’, em risco.
 
Segundo José Roberto de Oliveira Rodrigues, que foi o primeiro vereador e prefeito chiquitano do município, a contabilização informal dos indígenas vítimas da doença tem sido partilhada por moradores e feita através dos sobrenomes. 
 
Uma das vítimas foi Maria Assunta Mendes, personagem importantes do Curussé, manifestação cultural carnavalesca. Ela recebia a festa em sua casa. Manoel Inácio Massay Mendes, seu filho, conta que a mãe estava com a diabetes muito alta e foi internada em Cuiabá. Segundo ele, o primeiro teste de Covid-19, realizado em Porto Esperidião, atestou negativo, mas ao chegar na capital mato-grossense a doença foi confirmada.

Como explica o antropólogo Aloir Pacini, que escreveu sua tese de doutorado sobre a identidade étnica desse povo, traçar um panorama do impacto da pandemia  na vida e na cultura da chiquitania é algo complexo, porque eles estão dispersos por vários municípios sem que seu território originário tenha sido demarcado, e também porque boa parte deles teve suas identidades indígenas massacradas pelo processo de colonização da fronteira do Brasil com a Bolívia.
 
"Nós temos muitos chiquitanos que não se assumem como chiquitanos. No censo de 2010 os que se disseram chiquitanos são 412, mas se a gente contar todas as famílias nas várias periferias, a gente sem dúvida chega a uns 20.000", explica.
 
Sem território demarcado, os chiquitanos estão espalhados no sudoeste e centro-sul mato-grossenses, nos municípios de Cáceres, Porto Esperidião, Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade. Na Terra Indígena Portal do Encantado (em processo de demarcação) vivem 432 chiquitanos, segundo dados de 2019 da  Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). 
 
Este povo teve sua terra ocupada por destacamentos militares, fazendeiros e outros, em decorrência do processo de colonização da fronteira com a Bolívia. "Nós sabemos que as pessoas não estão todas concentradas dentro das aldeias por diversos motivos. Existem os chiquitanos que foram coagidos pelos invasores, fazendeiros", explica Soilo Urupe Chue, chiquitano e integrante da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt).

Desta forma, os chiquitanos estão ainda mais vulneráveis. No bairro Aeroporto, em Porto Esperidião, por exemplo, toda a família de indígenas não aldeados de Aguinaldo Muquissai Massavi contraiu Covid-19. "São 32 pessoas que se identificam como indígenas no nosso bairro, na minha família somos 15, todos nós pegamos Covid", relata. Agnaldo e seu pai ficaram internados por nove dias e seu irmão cinco, mas todos se salvaram da doença.

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