No coração do Pantanal, o território de mais difícil acesso pertence em grande parte a duas unidades de conservação do ICMBio. Nelas e em seu entorno, as regras são ainda mais rígidas, e qualquer pesca está proibida em qualquer período do ano — além disso, a multa da pesca ilegal ali é o dobro das demais áreas dos rios pantaneiros.
Mas o número de fiscais é ainda menor: na Estação Ecológica de Taiamã, que tem 11,5 mil hectares (ou 115 km²), são quatro os servidores que atuam na fiscalização e em todas as demais funções administrativas. Já o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, que sozinho responde por 135 mil hectares (cerca de 1.350 km²), tem apenas três servidores atualmente, sendo dois fixos e um cedido — que não tem poder de fiscal.
Em ambos os casos, o ICMBio mantém seus servidores na cidade, e dois funcionários terceirizados em tempo integral nas sedes das unidades. A viagem até elas pode levar entre três e mais de dez horas.
Daniel Kantek, chefe da Estação de Taiamã, lembra que os fiscais do ICMBio não têm porte de armas e, por isso, correm mais risco de retaliação por parte de infratores. Ambos os chefes afirmaram que, em todas as operações de fiscalização, costumam encontrar pessoas cometendo crimes ambientais, principalmente a pesca em local proibido.
Em Taiamã, foram aplicadas sete multas em 2018, somando R$ 5.600. Neste ano, já foram três multas, no valor de R$ 6.000.
A importância do flagrante
Foram os servidores de Taiamã que encontraram um jacaré morto no Rio Paraguai em 16 de maio deste ano. A reportagem também estava no local, a bordo de uma expedição do Projeto Bichos do Pantanal, do Instituto Sustentar.
Segundo as autoridades, o motivo mais comum da caça ao jacaré no Pantanal é para cortar a cauda, única parte do jacaré silvestre boa para consumo humano.
Mesmo que atualmente a venda de carne de jacarés de criadouros seja regulamentada, os moradores locais explicaram, sob condição de anonimato, que a caça ao animal costuma ser motivada por turistas de pesca, que subornam pilotos de barco para abaterem o animal e cortarem a cauda para degustação.
Dificilmente a pessoa que matou o jacaré encontrado pela reportagem será identificada. Por causa de sua natureza, os crimes de caça e pesca são difíceis de punir caso não haja flagrante. No caso dos peixes, é fácil consumir ou cortar e cozinhar os espécimes. Já os animais de grande porte costumam ser abandonados sem que um suspeito seja localizado. Crimes ambientais como o desmatamento e a poluição são mais difíceis de esconder da fiscalização.
Duas notícias recentes ilustram esse obstáculo. Em abril, a Estação Ecológica de Taiamã recebeu uma denúncia de que uma onça havia sido vista morta, boiando no Rio Bracinho, um afluente do Paraguai em Mato Grosso.
"Quando a gente foi lá, a gente não achou [a carcaça da onça]. Mas é uma informação, ele não tinha por que mentir pra gente", explicou Kantek. A equipe de fiscais, então, fez uma apuração nos acampamentos de pescadores já conhecidos na região e apreendeu uma arma de fogo, que foi encaminhada à Polícia Civil.
"Só que essa onça não foi resgatada, não foi periciada para saber qual a causa da morte desse animal", explicou Wilson Souza Santos, o delegado responsável pela investigação. Ele atua no Centro Integrado de Segurança e Cidadania (Cisc) em Cáceres, que fica a mais de 200 km de onde a onça foi vista.
"Então, vai restar mesmo nós investigarmos, neste caso específico, a questão da posse da arma", explicou Souza Santos.
Em outros casos, o animal morto é encontrado, mas o autor do crime, não. Foi o que aconteceu no início deste mês, dessa vez em Mato Grosso do Sul. No dia 12, a Polícia Rodoviária Federal encontrou uma onça morta na beira da BR-262, a 140 km de Cuiabá.
Havia indícios de que a onça havia sido ferida com arma de fogo — segundo as autoridades, não é raro que caçadores de onça matem o animal e o deixem na estrada, para fazer parecer que foi um atropelamento acidental.
Mesmo com o inquérito concluído e a denúncia do Ministério Público, os casos ainda correm o risco de prescreverem na Justiça. Em 2011, a divulgação de um vídeo mostrando um safári de caça a onças em uma fazenda privada com status de reserva de proteção envolveu até a Polícia Federal.
Naquela ocasião, sete pessoas viraram rés na Justiça, mas até hoje o caso ainda não chegou à fase de oitiva de testemunhas. Desde então, dois réus já tiveram os crimes prescritos e não podem mais ser julgados. No último dia 17, o juiz determinou a prescrição da maioria das acusações dos demais réus. A dona da fazenda, por exemplo, agora só responde pelo porte ilegal de armas e munições.
Isso acontece porque as penas por caça e pesca não chegam a quatro anos de prisão e, por isso, elas prescrevem mais rapidamente, além de a prisão poder ser convertida em uma pena alternativa, como prestação de serviço ou pagamento de indenização:
- Caça ilegal: 6 meses a 1 ano e multa
- Pesca ilegal: 1 a 3 anos ou multa
Para Luciano Loubet, promotor do Ministério Público Estadual em Campo Grande, a esfera penal nesses casos é pouco efetiva. Por isso, para evitar a impunidade e a reincidência, uma estratégia usada pela acusação são os acordos de compensação financeira em troca da extinção do processo.
Esse tipo de acordo já rendeu desde entregas mensais em dinheiro vivo de R$ 170, para gastos pontuais, caso de uma condenação que favoreceu a Estação de Taiamã, até a compra de um barco-hotel para a 4ª Companhia da PMA de Corumbá.
Reforçar o efetivo e os equipamentos para flagrar os crimes e aprimorar as ferramentas para puni-los são passos positivos, mas não conseguem reparar o dano já provocado ao ambiente. A opinião é de Ednilson Paulino Queiroz, que é biólogo e perito ambiental, e há mais de 20 anos trabalha na Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul.
Para ele, o ideal é que a polícia chegue ao infrator antes que ele cometa o crime. "Os trabalhos de inteligência são a base da prevenção", diz o tenente-coronel.