Jornal Oeste

Na edição deste final de semana, o Jornal Cacerense traz a entrevista do repórter João Arruda com o conceituado professor Paulo Alberto Vieira, da Faculdade de Ciências Contábeis da Unemat, em Cáceres.

Profundo conhecedor da Universidade e seus desafios, Paulo Alberto discorre sobre temas que têm dominado todas as rodas dentro e fora do meio acadêmico.
 
Professor Paulo Alberto, o Congresso Universitário, que realizar-se-á na segunda semana de maio, promete ser o mais explosivo de todos. Como a vossa pessoa avalia esse aguardado encontro?
 
Congresso Universitário é a mais instância deliberativa e decisória da Unemat e é realizado, obrigatoriamente, a cada período de 6 anos, se minha memória não me engana. O Congresso Universitário deveria ser a instância em que as decisões dali emanadas seriam acatadas por toda a Comunidade Acadêmica. Contudo, as principais teses aprovadas no Congresso Universitário em 2008, dentre elas a de que candidatos ao cargo de Reitor deveriam portar título de Prof. Dr já foram desrespeitadas naquele mesmo ano. Para o Congresso Universitário penso que haverá muitos retrocessos se considerarmos as décadas de história desta universidade. São muitos os indícios de que as teses a serem aprovadas tenderão a ser muito conservadoras, quando não retrógradas. A própria decisão do Conselho Universitário, responsável maior pelas regras que regem este Congresso Universitário, já demonstram de forma inequívoca o que esta Comunidade Acadêmica brevemente enfrentará. Destacaria apenas um exemplo para não parecer enfadonho. O maior Campus Universitário da Unemat terá a mesma quantidade de delegados que outros campi em que a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e gestão ainda carecem de maiores investimentos. Há Campus da Unemat que não possui mais cursos regulares e ainda assim têm o mesmo quantitativo de representantes, ou seja, delegados, neste Congresso Universitário. Esta composição de representantes, que desconsidera todos os esforços realizados pela comunidade acadêmica em Cáceres, poderá influenciar o Congresso Universitário de maneira 'unilateral'; poderá resultar em que o Campus Universitário que possui os mais expressivos indicadores acadêmicos da Unemat tenha todas as suas teses rejeitadas. Assim, abrem-se possibilidades de decisão que estão baseadas na desproporção e na desqualificação daqueles que muito investiram ao longo de mais de três décadas, como é o caso da Cáceres. Os protestos de estudantes que vimos ocorrer em 2016, cuja pauta reivindicava investimentos em infraestrutura tenderá a ser repetir e pode mesmo inviabilizar por completo o funcionamento de alguns cursos existentes em Cáceres. Portanto, do meu ponto de vista quaisquer que sejam as teses aprovadas (ainda que haja teses progressistas) estarão sempre reféns da baixa ou ausência de representatividade e proporcionalidade entre os campi universitários que compõem a Universidade do Estado de Mato Grosso
 
Corre nos bastidores que as teses a serem apresentadas, ao todo cinco, supostamente já seriam acordadas com os atuais gestores da Unemat. É possível isso?
  
Em relação às teses o Conselho Universitário definiu as regras, segundo as quais as teses integrantes da Comunidade Acadêmica (docentes, técnicos e estudantes) têm avaliado que as regras impõem dificuldades adicionais para a formulação e apresentação das mesmas. No campi onde a Comunidade Acadêmica é mais numerosa a aprovação de pré-teses deverá exigir maior mobilização, atenção e empenho para que as mesmas possam ser elaboradas. As regras que necessariamente deveriam ser mais 'flexíveis' permitindo ampla participação das bases constituiu-se em sentido contrário. Por outro lado, ainda que possa existir muitas especulações em relações a estas ou aquelas teses, há um calendário previamente definido e assim que for o momento estas pré-teses deverão ser de conhecimento tanto da Comunidade Acadêmica, quando de toda sociedade mato-grossense
 
Das teses que estariam sendo preparadas, a transferência da sede da Unemat para Capital seria uma delas? Qual a sua avaliação?
 
Sobre a fragmentação ou divisão da Unemat - esta tese é bastante antiga e o formato mais conhecido é da suposta transferência da Sede Administrativa da Unemat para Cuiabá ou Baixada Cuiabana. Iniciei minhas atividades na Unemat, aqui na cidade de Cáceres, em 1998. Naquele tempo teses desta natureza eram impossíveis de prosperar; esta tese era rejeitada com veemência por docentes, técnicos, estudantes, entidades da sociedade civil e cidadãos em geral. De lá para cá creio que muitas e profundas mudanças ocorreram na sociedade e na universidade. Veja ,em 2016 um dos Conselhos Superiores da Unemat refez a resolução das cotas para negros retirando a participação de um dos conselhos estaduais (o CEPIR/MT) do texto da Resolução que ampara esta ação afirmativa. Ao mesmo tempo, você percorrer as escolas públicas e particulares em Cáceres e quando indaga se os estudantes t~em conhecimento desta Resolução a resposta é assustadora, pois desconhecem a mesma. Um outro exemplo que parece ser relevante neste momento recai sobre o regime de trabalho em dedicação exclusiva. este regime de trabalho só é uma conquista se aliado a sua regulamentação, isto é, quando disciplina a indissociabildiade entre o ensino, a pesquisa e a extensão. Se isto não ocorre (e na Unemat este regime de trabalho ainda não foi regulamentado), surgem distorções graves mudando a essência da universidade e subordinando o tripé da indissociabilidiade. Em outras palavras, as atividades-meio (gestão universitária) transformam-se nas principais atividades em detrimento das atividades do ensino (de graduação e pós-graduação), da pesquisa e da pós-graduação. Do meu ponto de vista, isto ocorre na Unemat desde 2008/2009 quando foi implementado este regime de trabalho que infelizmente ainda não se regulamentou ou a regulamentação em curso é frágil e absolutamente insuficiente para consolidar todo o know-how e as expertises que existem em todos os campi da Unemat. Assim, é possível que teses antes amplamente rejeitadas passem a receber alguma simpatia. Meu entendimento é que uma suposta mudança da Sede Administrativa para qualquer outra cidade fora da Região Sudoeste de Mato Grosso e sua cidade polo, que é Cáceres, imporão prejuízos e retrocessos materiais e simbólicos muito difíceis de serem calculados com precisão nos dias de hoje. Mas é fato que haverá uma drástica redução de demanda em várias atividades da economia local; de materiais de escritório aos serviços de reprografia; dos serviços de alimentação e hospedagem aos de percursos no Rio Paraguai; do fornecimento de combustíveis e de serviços relacionados a veículos aos serviços de lazer; do material de construção civil aos depósitos bancários. Sem contar que o projeto da Cidade Universitária (que permanece incompleto) poderá ser adiado para um prazo impossível de ser calculado nos dias de hoje. Portanto, acredito que teses que antes não desfrutavam de muita simpatia podem receber apoios diversos. Sempre vale a pena perceber os graus de enraizamento que a Unemat desenvolveu junto com as comunidades locais onde há campi e outras estruturas acadêmicas, algumas tão antigas quanto alguns campi universitários.