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02/03/2017 - 10:52

Igreja Católica não deve se adaptar, diz bispo sobre sexo, aborto e gays

Por Rodivaldo Ribeiro/RDNEWS

Gilberto Leite/RDNEWS

 (Crédito: Gilberto Leite/RDNEWS)
O arcebispo de Cuiabá, Dom Milton Santos, tem 71 anos e gosta de se definir como corinthiano de sobrenome, sangue e fé. Chega ao ponto de apresentar o celular, em tom de brincadeira e risos, como “documento de identidade”. Formado na ordem de Dom Bosco, é pedagogo, professor de grego e bastante próximo do Vaticano, do papa Francisco, conhece e conviveu com o papa recluso Bento XVI. Vê distinções além do óbvio entre os dois, mas faz questão de deixar clara a admiração por ambos, com suas particularidades e pontos fortes.

O principal deles, a latinidade e alegria de Francisco, em oposição não direta, mas distinta, do tom metódico, circunspecto e acadêmico do intelectual Bento XVI.

“Quando estudava em Roma, os europeus sempre se admiravam de nosso jeito, falavam sempre sobre como sorríamos e brincávamos. É do ser deles esse ar mais grave”. Humilde, recebeu a reportagem com um sorriso estampado no rosto e um surpreendente pedido de bênção. Não evitou nenhum assunto colocado em pauta e ainda brincou com o tom incisivo das perguntas. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por ele. 


Uma ideia e conceito de mais de dois mil anos ainda tem algum papel a desempenhar neste mundo de sentimentos cada vez mais descartáveis?

A pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, é maravilha divina. E Ele nos deu o maior de todos os presentes, a liberdade. Ele não obriga, exatamente por isso, essa criatura a amá-lo. Assim, o Criador torna-se "prisioneiro" da própria criatura. A história da pessoa humana se repete nesta terra, e a cada momento dessa história, há diferenças muito grandes. Vivemos agora, neste novo milênio, e o papa João Paulo II já falava disso, a busca por aquela pessoa (Deus feito carne) hoje inegável. Ele está presente nas crônicas de conquista do Império Romano, o historiador José Flávio (nome latino do judeu Yosef ben Mattityahu, também chamado Flávio Josefo) o cita. Então, não é uma pessoa inventada, ele existiu historicamente. No preparativo para o jubileu de advento do novo milênio, a igreja dedicou três anos, entre 1997 e 2000, a lembrar a necessidade de conhecer Jesus. A chegada dessa pessoa, preparada pelo próprio Cristo, o Espírito Santo, também foi lembrada. Quem fundou a igreja, aliás, não foi Cristo, quem iniciou a Igreja, foi o Espírito Santo de Deus. Quando Ele morreu, da maneira mais desqualificada que existia, foi deixada uma indicação para os apóstolos, que fraquejaram e fugiram. Imagine a frustração, Ele escolheu somente 12 para serem fiéis a ele, e no momento em que mais precisou, eles fraquejaram. Humanamente falando, foi uma grande frustração, mas no plano de Deus ficou claro que nos momentos em que somos mais fracos é que o Pai pega-nos pela mão e nos levanta, como se crianças fôssemos. Como uma mãe ao nos ensinar a andar: ela sabe que vamos cair, mas sabe também que é na queda que fortalecemos os músculos e começamos a caminhar equilibradamente. A humanidade é uma criança sobre a qual Deus, somente 50 dias após a ressurreição de Jesus Cristo, mandou descer o Espírito. Foi o advento do pentecostes ou do grego paráclito, o consolador, o que protege. É também o inclinar-se; como a mãe e o pai se inclinam para levantar seus filhos, para servir, para ajudar. O próprio Deus Pai, o próprio Jesus, o Espírito Santo, ainda que um só, também é três e nos serve e ampara, mesmo quando desviados do caminho, da luz. Como disse antes, o Pai é misericordioso e nos deu liberdade. É um tempo, como lembrou o papa Francisco, de guerra mundial. A humanidade costuma reagir conforme o panorama, e este é o momento atual, de guerra entre os homens.

O senhor acha mesmo que Jesus é ainda necessário?

Sempre será. Deus Supremo nem mesmo tinha um nome, porque ele é, além de qualquer nome. Ao ser citado na Bíblia, no Velho Testamento, ele era apenas um espaço, não cabia em letras, até que Moisés pediu a ele que se nomeasse. E ele resumiu tudo: eu sou o que sou, ou seja, aquele que foi, é e sempre será.
Se a mulher quiser andar de acordo com os ensinamentos de Deus, não pode cometer aborto (Dom Milton)
 
Como convencer os fiéis a manterem doutrinas como a da abstinência sexual antes do casamento?

Tudo parte do início, é uma questão de educação. No mundo de hoje, somos cercados por muitas provocações. A janela da alma está nos olhos. E hoje a força das imagens é muito grande, temos dificuldade para lidar com isso, com o digital, com a informatização; e é possível ver a reação a isso nos corpos das pessoas. Biologicamente, uma menina começava a menstruação com 13, 14 anos; hoje, é com nove, 10. O mesmo acontece ao menino, a puberdade começava bem mais tarde. Por que isso acontece? Porque o sexo não está nos órgãos sexuais, está no cérebro. Quando o cérebro é estimulado, ele manda os hormônios e suas reações para o corpo todo, mas tudo é passível de ser educado. E essa educação começa na família, que hoje em dia, infelizmente, não consegue ter defesa fora de casa. Crianças que ainda nem sabem andar já têm os cérebros programados para lidar com coisas como tablets, celulares. Portanto, desperta-se cedo demais o cérebro para essa força maravilhosa que é o sexo.

Considera o sexo algo maravilhoso mesmo sendo celibatário?

Sim, o sexo é presente de Deus e é uma força maravilhosa. Uma energia que é instinto, mas passa também pela inteligência. Somente para os animais é que não. São eles quem agem somente pela força do instinto, que também existe em nós e é necessário, pois é um meio de defesa, mas que precisa ser utilizado, repito, filtrado pela inteligência, pela razão.

O senhor concorda com a decisão da Primeira Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (maior congregação protestante do mundo), que aceita, desde junho de 2014, casais do mesmo sexo e não mais condena esse tipo de união?

São escolhas que cada grupo faz. A gente respeita, mas a mentalidade católica também precisa ser respeitada do mesmo jeito. Nós temos um parâmetro: a Bíblia, a palavra de Deus. Jesus deixou somente uma igreja, o início do cristianismo não se deu com um monte de igrejas, mas, como já falamos, o ser humano é livre para buscar caminhos, no entanto, a lógica do catolicismo não permite isso.
Gilberto Leite/Rdnews
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Arcebisto Dom Milton acredita ambiente tem força para interferir nas convicções
 
De maneira mais direta: como o senhor vê o casamento entre iguais?

Buda, 500 anos ainda antes de Cristo, já havia resumido isso muito bem ao dizer que nós somos aquilo que pensamos. Assim, precisamos ser preventivos, para depois não termos que remediar. Se a pessoa vive num local de ar poluído, certamente ela vai se poluir. O ambiente tem uma força muito grande nas convicções das pessoas, no que elas fazem e decidem. Como salesiano, lembro sempre de Dom Bosco (fundador da ordem na igreja romana): “Crianças são como macaquinhos, tudo que os adultos fizerem, eles vão imitar”. E isso também vem da natureza: um leão, um predador, só caça a presa que está sozinha, isolada, fraca, doente, deixada para trás do rebanho.

A igreja jamais vai se adaptar aos novos tempos?

Se ela for coerente com sua fé, não.

O que o senhor acha da criminalização da aborto mesmo em casos de estupro (projeto do deputado, membro da igreja Assembleia de Deus, Victório Galli)?

Não é a mulher quem deve decidir o destino da criança que está em seu ventre.

Mesmo se essa criança for fruto de violência, e do pior tipo?

Gosto de lembrar sempre de Madre Teresa de Calcutá, que cuidou de pobres no lugar mais pobre da Terra. Muitas daquelas crianças eram fruto de estupro, além do abandono. Mas gosto também de lembrar de um vídeo de uma norte-americana que viajou pelo mundo todo. Ela é médica, casada e faz palestras sobre educação sexual. Ela lembra que a vida é engenharia genética, não é mais ou menos, é exata. Repito: a mulher não pode decidir o futuro daquele ser, apesar de ser livre para isso, pois se ela quiser andar de acordo com os ensinamentos de Deus, não pode cometer aborto. Em aspecto ou circunstância nenhuma.

Então o senhor concorda com o projeto do também pastor Galli?

Eu concordo com o projeto de Deus. Se ele está propondo isso, está de acordo com o ensinamento de Deus, não é mais um projeto dele.

Há espaço para homossexuais praticantes na Igreja Católica?

Sabemos e entendemos que há uma complexidade da pessoa humana, mas pelo plano de Deus, não, não há. Deus criou o homem e a mulher, dois seres diferentes, para fazerem uma comunhão, e sabe por quê? Porque o casamento é o sinal mais bonito de como Deus é. E foi ele quem celebrou essa primeira união. Quando um homem e uma mulher estão amalgamados em amor, criam um terceiro ser. Isso não é possível entre dois homens ou duas mulheres.

O papa Francisco disse recentemente que é melhor um mundo cheio de ateus verdadeiros do que de católicos hipócritas. O senhor concorda com isso?

Claro que sim, em qualquer lugar, em qualquer situação, sob todos os aspectos. Rui Barbosa lembrou que haveria um tempo em que as pessoas teriam vergonha de serem honestas. Além disso, foi num ato hipócrita que os romanos conseguiram condenar Jesus Cristo, utilizando a hipocrisia e, como bem lembrou Bento XVI, manipulando os judeus para isso. O que se quis, desde o começo, foi silenciá-lo.
Gilberto Leite/Rdnews
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Arcebispo Dom Milton Santos, em entrevista na sede do Rdnews, fala sobre sexo, liberdade do homem em buscar caminhos não católicos, aborto e casamento gay

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