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04/07/2016 - 13:44

Cartórios da Capital arrecadam mais de R$ 65 milhões ao ano

Por Airton Marques

Não há cidadão brasileiro que nunca tenha precisado dos serviços cartorários ao menos uma vez na vida.
 
Caso tenha dúvida disso, é só se lembrar de sua Certidão de Nascimento, documento obrigatório para garantir os direitos sociais como saúde, trabalho e educação.
 
Serviços essenciais como esse trazem bons resultados financeiros a estas instituições de caráter privado, mas por delegação do Poder Público.

De acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2015, os nove cartórios estabelecidos em Cuiabá arrecadaram mais de R$ 65,9 milhões, o que dá uma média de R$ 7,3 milhões para cada um.
 
Estabelecendo um comparativo com o ano anterior, 2014, em que o arrecadado superou R$ 72 milhões, é possível notar uma pequena baixa na arrecadação, cerca de 10%. Mas, mesmo assim, o total em doze meses é considerável.
 
Estes valores são a somatória das taxas dos emolumentos cobrados dos cidadãos que precisam dos serviços cartoriais para atos da vida natural, como nascimento e morte, e da vida civil, como registro de imóveis.
 
O montante milionário para “quem vê de fora”, no entanto, não espanta quem trabalha no setor. Já que, segundo eles, o valor de arrecadação e tão alto quanto o valor de gastos dos cartórios.
 
A presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso (Anoreg/MT), Maria Aparecida Bianchin Pacheco, afirma que a realidade para os responsáveis de cartórios é bem diferente, já que a maior parte deste valor milionário é destinado para repasses obrigatórios e custeio.
 
Segundo a tabeliã, os repasses ao Poder Público, fundos, tributos e gastos com pessoal fazem com que o lucro com o “negócio” não corresponda com o que transparece.
 
“Em despesas de repasse, nós temos o Funajuris [Fundo de Apoio ao Judiciário]. O repasse mensal é de até 20% dos valores que nós ganhamos, não sobre os valores cobrados dos cidadãos. Os cartórios ficam com bem menos que isso”, afirmou Maria Aparecida.
 
Conforme a presidente da Anoreg, os cartórios são classificados em três faixas, que determinam a porcentagem de quanto deve ser repassado ao Poder Judiciário: Cartórios de serventias “pequenas” e “deficitárias” – total recebido de emolumentos somam até R$ 5,7 mil ao mês – são isentos do repasse. Cartórios de serventias médias – total recebido de emolumentos de R$ 5,7 mil até R$ 23,7 mil – são obrigados a repassarem mensalmente 17,5% do que ganham. Por fim, os cartórios de serventias grandes – total recebido de emolumentos superior a R$ 23,7 mil – repassam 20%.
 
Reprodução
Maria Aparecida Bianchin
Anoreg: "Os cartórios ficam com bem menos que isso"
 
De acordo com Maria Aparecida, em Mato Grosso os cartorários ainda realizam repasses mensais para outro fundo, o de Compensação dos Registradores Civis de Pessoas Naturais.
 
“Nós temos um cartório que se chama Registro Civil das Pessoas Naturais, responsável por registrar direitos ligados a personalidade – nascimento, casamentos. Esses atos, exceto os casamentos, são absolutamente gratuitos. Desde a lavratura, até a expedição da 1ª certidão”, declarou Maria Aparecida.
 
“Para conseguirmos manter estes cartórios, que não têm renda de quase ninguém, constituímos este fundo. Ele é mantido pelos próprios cartorários aqui em Mato Grosso. Sob cada ato que todos os outros cartórios praticam, repassamos um valor para o fundo. São R$ 4,62 de cada ato”, completou.
 
Além dos repasses a estes dois fundos, a presidente da Anoreg completa que ainda há os custos de impostos, salários e o funcionamento dos cartórios.
 
“São esses os repasses que fazemos atualmente, mais o ISSQN [Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza] que, recentemente, passou a ser cobrado pelas prefeituras sobre os valores brutos que nós praticamos. Inclusive é cobrado sobre os valores gratuitos”, disse.
 
“Com o restante que sobra, é feito o pagamento dos funcionários (existe uma fiscalização, em que todos os meses têm que comprovar que houve o pagamento para a própria Corregedoria). Nós pagamos o INSS, o Fundo de Compensação. Aquela quantia toda de contribuições previdenciárias e sociais que todo trabalhador tem direito”, explicou.
 
Emolumentos
 
Os cartórios extrajudiciais não fazem parte do Poder Judiciário, mas são fiscalizados por ele. Além da fiscalização, é a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de Mato Grosso quem atualiza os valores dos serviços (emolumentos) prestados aos cidadãos.
 
Conforme o juiz auxiliar Antônio Veloso Peleja Júnior, o último reajuste foi realizado em fevereiro deste ano e seguiu o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (Inpc), de 11,27%.
 
Marcus Mesquita/MidiaNews
Antonio Veloso Peleja
"Os valores dos emolumentos são fixados por lei e nós fazemos apenas o reajuste anual"
 
“Os valores dos emolumentos são fixados por lei e nós fazemos apenas o reajuste anual. A Corregedoria segue apenas a taxa da inflação. A tabela deve ser seguida por cartórios de todos os municípios do Estado. Os valores dos emolumentos são diferentes apenas entre os Estados”, explicou.
 
De acordo com o provimento da Corregedoria, os valores cobrados do cidadão variam de R$ 2,70 (autenticações) a R$ 38,5 mil (Inscrição de memorial de incorporação ou instituição de condomínio acima de R$ 161.465,51).
 
Concurso Público
 
Outro tema polêmico envolvendo os cartórios é quanto aos concursos públicos que devem ser realizados para a nomeação de titulares – responsáveis pela administração.
 
Em Mato Grosso já foram realizados dois concursos para remoção (troca de titularidade entre cartórios) e de ingresso (entrada de novos titulares). Desde 2014 um terceiro concurso ainda está em trâmite.
 
O concurso para titulares de cartórios foi estabelecido em 1988 com a Constituição Federal. No entanto, tal determinação só foi regulamentada em 1994, com a publicação da Lei 8.935/94.
 
Conforme a legislação, em caso de vacância de titulares, o cargo de tabelião deve ser ocupado por um substituto, por até seis meses. Neste período deve ser realizado novo concurso público para vaga.
 
No entanto, na prática a realidade é diferente. Há casos de cartórios que ficam anos sem um titular, por falta da realização dos concursos.
 
Nestes casos de vacância, o substituto, de acordo com a legislação, só pode receber uma remuneração de até R$ 33 mil – teto do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
 
Em Cuiabá, dos nove cartórios, quatro estão vagos, sendo três a espera de concurso e um sub judice - onde se debate a efetivação de um substituto como titular.
 
Na Capital, entre os cartórios sem titulares, há casos de interinos atuando desde 1996. Já entre aqueles sem vacância, tabeliães titulares atuam desde 1973.
 
O juiz auxiliar Antônio Peleja ressalta a realização de concursos públicos para tabeliães, por entender a importância de uma boa qualificação para o posto.
 
“É muito importante a realização dos concursos na atividade cartorial, pois é necessário que aqueles mais aptos assumam estes postos. O cartório é uma atividade fundamental, porque ele evita o litígio. Quando os atos cartoriais são bem feitos, a própria demanda do judiciário diminui bastante”, afirmou.
 
Debate sobre titularidade
 
A presidente da Anoreg/MT destaca que a questão da titularidade dos cartórios causa polêmica em todo o País.
 
Segundo ela, no Congresso Nacional tramita uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que efetiva os titulares de cartórios investidos nesses cargos antes de a Constituição de 1988 exigir concurso público.
 
A PEC busca beneficiar interinos que assumiram os cartórios até 20 de novembro de 1994 – antes da promulgação da regulamentação da determinação dos concursos.
 
A questão, conforme Maria Aparecida, é que mesmo após a regulamentação, os tribunais de Justiça estaduais não fizeram os concursos no prazo estipulado.
 
Por isso, muitos cartórios estão há anos sem um titular legalmente amparado pela regra constitucional e são dirigidos por substitutos ou responsáveis, geralmente indicados pelo antigo titular.
 
“A Constituição previa que tinha que haver concurso, mas só em 1994 houve uma lei regulamentando este assunto. Então, esta PEC defende que se considere justo que, quem foi nomeado ou o substituído até 94, pudessem permanecer como estáveis”, explicou.
 
Maria Aparecida esclarece que a Anoreg em Mato Grosso não se posicionou sobre este debate, já que representa todos os cartórios do Estado, tanto aqueles com concursados quanto aqueles com interinos.
 
Já o juiz substituto Antônio Peleja, encara a proposta de mudança como um retrocesso.
 
“Sou totalmente favorável ao concurso. É uma emenda casuística. Penso que é um retrocesso. Acredito que deve ser de igual oportunidade para todos. A Constituição de 1988 foi clara ao impor a realização de concurso público”, declarou.

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