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24/09/2015 - 07:21 | Atualizado em 24/09/2015 - 07:22

Guapo é um restaurador do rasqueado

Por João Bosquo

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 (Crédito: Facebook)
A música está nas veias do cantor, compositor e pesquisador Milton Pereira de Pinho, o restaurador do Rasqueado mato-grossense. Ele iniciou o processo de resgate nos anos 80, quando retorna para Mato Grosso, após um período – digamos – de aprendizagem em São Paulo, quando aprimorou a arte de interpretar e dominar o palco e ganhou o sonoro nome artístico de Guapo. 

Natural de Cáceres, no início da década de 1950 o menino cresce no seio de família com vários elementos musicais: o avô, do lado materno, era cururueiro, a avó paterna pianista e o pai, Haroldo Widal de Pinho, além de professor de matemática e física, nas horas vagas, tocava o violão. No repertório do pai pairava de tudo o que – segundo Guapo – o qualificou para ouvir e distinguir todos os sons e preparando-o para ser um pesquisador da musicalidade. 

O primeiro a despontar foi o cantor. Aos 15 anos, o jovem Milton de Pinho participava de serenatas, em Cáceres. O tio José Pereira de Lima foi o professor de canto, ensinou a impostar a voz ao interpretar, no estilo mexicano ‘mariachi’, guarânias e músicas dos astros populares como Francisco Alves, Nelson Gonçalves, Orlando Silva. Essa influência é muito forte na formação musical de Guapo. 

O músico começou a despontar quando começou a aprender os primeiros acordes. O professor foi João Batista Bernardes, o Matogrosso da dupla “Matogrosso e Mathias” e não o pai, como se poderia imaginar e, aos 19 anos, aventura-se pela composição e cria “Aquela Estrela Brilha”, uma espécie de recital dedilhada, com uma pequena mistura de bossa-nova. 

Muda-se para Goiás e a na capital goiana começa a se apresentar no palco e o compositor começa a se firmar. Volta para Cáceres, depois Rio de Janeiro, onde conhece Marquinhos Sathan, pagodeiro, que mostra para Guapo tudo sobre a cultura do morro e as diversas manifestações do samba e aprendeu a cantar e tocar samba. 

Em 1974 passa por Cuiabá e vai para São Paulo e mergulha na carreira de músico profissional, passa a viver da música, se apresentando em bares, participando de festivais e a formar um público. Como o repertório era o mais variado, de Mercedes Sosa, guarânias e MPB, e a vestimenta preta, alguém um dia cobrou: “Cadê aquele ‘guapo’, bota ele pra cantar”, e o apelido foi adotado. Conhece Marques Caraí e retorna para Cuiabá, em 1984. 

A dupla Guapo e Marques Caraí, em dez anos trabalhando em conjunto, realiza o Projeto Pixinguinha, em Cuiabá-MT, abrindo shows de importantes artistas nacionais; participa de festivais, produz trilha sonora. 

Com a dupla desfeita, em 1993, Guapo inicia o projeto “Rua do Rasqueado”, que tem a segunda edição no ano seguinte, que culmina com a publicação da cartilha voltada para alunos de ensino médio ,“Rasqueado Cuiabano”.Dois anos depois lança o primeiro CD "Pantanal Branco e Preto". 

O rasqueado, segundo Guapo, está na formação da antiga Baixada Cuiabana, (que vai de Diamantino até Corumbá), em nível social, cultural e artístico. Essa expressão musical começa a surgir logo após o final da Guerra do Paraguai (1864-1870), quando os prisioneiros, detidos na margem do Cuiabá, que hoje é Várzea Grande, com o fim da guerra não voltaram para o seu país e fincaram raízes. Começou o processo de integração – e do siriri e polca paraguaia surge o pré-rasqueado. 

Guapo nos conta que esse pré-rasqueado esteve presente no desenvolvimento sócio musical, festas e carnavais, das comunidades ribeirinhas. Com a Proclamação da República (1889), os senhores da classe imperial, na nova realidade política precisavam do ‘voto do povo’ e, para aproximar-se dos eleitores, os senhores elegeram a música como meio de socialização, com os comícios animados pela dança dos ribeirinhos. 

O rasqueado, defende Guapo, é uma música urbana, assim como o samba, e não tem nenhum traço de folclórica, como algumas pessoas costumam pregar inadvertidamente. Essa constatação se deve ao fato dele ser executado com instrumentos de sopro das bandas marciais, como trompetes, trombone de vara, sax alto, sax baixo e clarinetes. O rasqueado se espalha por todo Mato Grosso, de Diamantino, passando por Cáceres, até Coxim, hoje Mato Grosso do Sul. Espalha, populariza e integra as festas populares como a Festa do Divino e São Benedito, nas décadas de 30 e 40 do século 20. Ainda nos anos 60 o rasqueado tem presença, mas com a chegada da televisão é ameaçado de desaparecer. 

A discografia de Guapo continua, em 2000, com o segundo CD, “Resto de Guarânia”, e por último o CD “O Berrante Pantaneiro”, o belíssimo trabalho em parceria com a Orquestra do Estado de Mato Grosso, sob a regência do maestro e hoje secretário de Cultura Leandro Carvalho, resultado de mais de 35 anos de pesquisa. Como pesquisador, publica o livro “Remedeia Co Que Tem”, tendo como público alvo estudantes da rede pública, num trabalho também em parceria com Leandro Carvalho. 

Entre festivais, seminários, projetos diversos, Guapo faz questão de destacar a sua participação no projeto Mato Grosso State Cultural, que apresentou o “Show Searching For The Lost River”, em 2005, em Washington, capital dos Estados Unidos. 

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