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02/08/2009 - 00:00

Mudança climática afeta geleiras na Bolívia e ameaça pequenas comunidades

Por Jornal Oeste

Jaimes Painter Enviado da BBC a a Khapi, na Bolívia BBC Brasil A geleira de Chacaltaya em 1994 e foto da montanha Chacaltaya, tirada neste ano: derretimento Marcos Choque é um índio Aymara de 67 anos que parece feliz com a vida na vila de Khapi, nos Andes bolivianos, mas o humor dele parece mudar quando se fala da montanha Illimani, logo acima da aldeia. “Quando eu era jovem, a neve descia até ali”, diz ele, apontando para as montanhas. “Mas nos últimos anos, a linha da neve subiu 500 metros. Está ficando mais quente e o clima está derretendo a montanha”, disse. Sentado com os outros companheiros da aldeia, Choque parece se divertir em contar piadas e se mostra animado com suas sandálias já bem usadas e as calças furadas. Mas ao falar da montanha de 6,4 mil metros, seu humor fica sombrio. Choque e outras 40 famílias que formam essa comunidade vêm observando a montanha Illimani com alarde. Eles dependem dela para parte do suprimento de água – tanto para beber como para irrigar seus pequenos pedaços de terra. “Nós calculamos que não sobrará neve ou gelo na Illimani nos próximos 30 ou 40 anos. Será preto, ou como dizemos, despida de sua brancura”. Estima-se que as geleiras da Illimani estejam nos Andes há milhares de anos. Suas torres brancas ficam próximas da cidade de La Paz, a capital administrativa da Bolívia. Muitos dos residentes da cidade juram que a linha da neve está gradualmente subindo. Alguns ficaram chocados quando um jornal publicou, recentemente, uma foto-montagem ilustrando como a Illimani pode parecer em 2039 – sem sinal de neve nos topos. Hidrologistas de La Paz estão planejando medir a perda glacial da montanha. Os especialistas já sabem que a geleira de Mururata, próxima da região, perdeu mais de 20% de sua superfície, e provavelmente um maior percentual de seu volume, desde 1956 devido às altas temperaturas. Neste ano, o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em inglês), com sede em Paris, estimou que as geleiras na Cordilheira Real, na Bolívia - da qual faz parte da Illimani – perdeu mais de 40% de seu volume entre 1975 e 2006. O IRD afirmou ainda que o volume permaneceu praticamente inalterado até 1975, mas vem diminuindo de maneira significativa desde então. Segundo o Instituto, se a perda de volume continuar, pode ter um impacto negativo no fornecimento de água em algumas cidades como La Paz durante as estações de seca . A geleira de Chacaltaya, de 5,3 mil metros, também localizada próxima a La Paz, costumava ser a maior pista de esqui do mundo. Mas foi reduzida a apenas alguns pequenos pedaços de gelo. Uma equipe de cientistas bolivianos começou a medir a geleira na década de 90. Há algum tempo os cientistas preveniram que a geleira não sobreviveria até 2015. Mas, eles observaram que a geleira está derretendo muito mais rápido do que o esperado. Algumas fotografias tiradas em junho mostram que sobraram apenas alguns pedaços de gelo no topo da geleira principal, que tem aproximadamente 18 mil anos de idade. No caso de Khapi, a água da geleira Illimani tem um papel crucial na vida e nas crenças religiosas da comunidade. Todo mês de setembro eles realizam um ritual que envolve oferendas ao que chamam de Wax’ta em Aymara. O ritual inclui o sacrifício de uma lhama; folhas de coca, álcool e cigarros também são ofertados à montanha. Eles preparam a cerimônia elaborada para que, nas palavras da tribo, “Illimani nos dê água durante o ano”. Os residentes da aldeia acreditam que a água do gelo e da neve de Illimani represente metade do fornecimento anual da região, mas não têm certeza da quantidade. Cientistas bolivianos estão tentando medir a quantidade de água proveniente do derretimento glacial em diferentes épocas do ano. As chuvas e os aquíferos subterrâneos fornecem o restante da água consumida pela aldeia. A preocupação mais imediata dos residentes é a mudança climática. Eles afirmam que já não há como prever quando as chuvas virão, em comparação com o passado. Mas eles têm certeza de que as chuvas diminuíram e que o clima está ficando mais quente, apesar de não usarem a linguagem internacional de aquecimento global e emissões de carbono. “Nosso clima está vindo de cima, onde costumava ser de baixo”, disse Severino Cortez, um líder comunitário, apontando para a montanha de Khapi, de 3,6 mil metros de altura. Mas nem todas as notícias são ruins. Com as temperaturas mais quentes, eles agora podem cultivar pêssegos e milho – produtos que não eram plantados anteriormente. Mas os residentes de Khapi estão muito preocupados com o futuro. “Estou ficando velho”, disse Marcos Choque. “Não vou ver a Illimani se derreter completamente, mas os jovens verão”, disse. Lucia Quispe, de 38 anos e mãe de três filhos, tenta imaginar de onde virá a água para irrigar seu pedaço de terra, onde ela cultiva batatas, milho e feijão. “Fico triste e preocupada quando penso no futuro das minhas crianças. Se não tivermos água, como viveremos? Água é vida”, disse. Organizações não-governamentais que trabalham em Khapi e outras comunidades nos Andes afirmam que é particularmente injusto que os residentes de Aymara sofrerão com o aquecimento global já que eles são os menos responsáveis por isso. Alguns residentes da comunidade são membros ativos de um novo grupo de pressão social formado neste ano, a Plataforma Civil contra a Mudança Climática. Um dos pedidos da Plataforma é a formação de um tribunal internacional de justiça do clima e um fundo de compensação para as vítimas do aquecimento global. “O que acontece em Khapi é típico do que estão enfrentando centenas de pobres, índios e comunidades vulneráveis ao redor da Bolívia, Peru e Equador”, disse Juan Carlos Alurrade, diretor executivo da Agua Sustentable, que está ajudando as comunidades a se adaptarem às mudanças climáticas. “Eles dependem do derretimento glacial para irrigação, mas as geleiras estão condenadas”, afirmou.
 
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