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08/07/2012 - 08:56

Antropólogo do Iphan diz que por mercado, Siriri perde identidade

Por Diário de Cuiabá

Brilho, passos coreografados por dançarinos de balé clássico, trajes impecáveis e absolutamente iguais. No palco, bois inspirados na festa de Parintins (AM) e músicas com letras remetendo a eventos recentes, hinos “gospel” e até sucessos “sertanejos”. Formatada para os palcos, a tradicional dança do Siriri vem perdendo suas características originais para assumir as feições de um espetáculo folclórico que diverte o público, não mais seus participantes. A opinião é do antropólogo Stênio Soares, consultor em patrimônio imaterial da Unesco (órgão das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura) e atualmente cedido ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Segundo ele, os movimentos de renovação da estética do siriri partem de demandas “extremamente comerciais”. “Querem fazer do Siriri um espetáculo para o público ver. E essa não é a tradição. O Siriri é um jogo, uma diversão para quem estão dançando”, diz. O Iphan realizou recentemente um mapeamento das manifestações culturais de natureza imaterial (tradições e oralidade) e como elas se encontram. Os resultados obtidos em relação ao Siriri, segundo o antropólogo, foram motivo de preocupação para a entidade. “O que constatamos é que muitos grupos de Siriri, principalmente no espaço urbano, estão incorporando elementos que não faziam parte da tradição. Trazendo coreógrafos, por exemplo, para mudar o que antes era um jogo de improviso passado de pai para filho”. Soares vê como naturais os processos de mudança e renovação, mas identifica no caso do Siriri um movimento de fora para dentro, destinado a tornar a manifestação um “produto” mais palatável ao grande público. “Quando chega ao palco, há uma relação comercial. O bem cultural das pessoas, algo que elas têm e sabem, se torna um capital econômico. Essa é a primeira transformação, que desencadeia várias outras”, opina. As vestimentas, que no modo tradicional eram as mesmas do dia a dia, passam a ganhar cores, brilho e fotogênicas saias rodadas. “Os grupos agora têm figurinista contratado, e este vai acrescentar elementos da estética do teatro, da dança moderna e da TV.” Segundo o antropólogo, as mudanças percebidas atendem às diretrizes da política pública em vigor em Mato Grosso. “A União tem uma política clara de salvaguarda do patrimônio. A política local é diferente: se isso gera emprego e renda maciçamente, se vai gerar uma propaganda do Estado, será apoiado”, avalia. Eventos como o Festival de Cururu e Siriri, que este ano terá sua 11ª edição, contribuem para estabelecer e consolidar a estética do espetáculo, diz Soares. “Não nos interessa que uma manifestação cultura que é para o prazer de uma comunidade e que demora uma madrugada inteira se transforme em um objeto comercial de 15 minutos que irá favorecer unicamente pessoas que estão fora da comunidade. Essa política desfaz o fundo de quintal, porque não é interessante para o comércio.” Mudanças dividem opiniões no setor cultural “Está havendo muita mudança sim, e no meu entender é para pior. Hoje tem que usar uniforme e muita gente tá dançando Siriri com som de CD”, lamenta Eduardo Zacarias, coordenador de um grupo de cururueiros em Poconé. Para Joeli Siqueira, líder de um grupo de Siriri em Tangará da Serra, o formato contemporâneo não ameaça o tradicional. “O Siriri show tem mais glamour, brilho e adereços, até porque não podemos ficar na idade da pedra. Mas o tradicional continua”, diz. A presidente da Federação Mato-grossense das Associações e Grupos de Cururu e Siriri, Terezinha Quilombola, diz que todas as variações da dança têm espaço no festival, mas defende a “evolução” nas coreografias e do figurino. “Antes o Siriri era dançado em fundo de quintal, em devoção a um santo. No palco, estamos falando a um público muito maior. É natural que haja uma evolução nas roupas, nos brilhos e até nos penteados”, declara. O secretário estadual de Cultura, José Carlos Laino, nega que haja uma política pública de incentivo às mudanças. “Nossos objetivos são fomentar o mercado, divulgar o Estado e, ao mesmo tempo, manter as tradições. O samba da Sapucaí não matou o samba de raiz”, opina. Segundo Laino, as mudanças são resultado da crescente “profissionalização” dos grupos. “Eles próprios se deram conta de que não poderiam se apresentar ao público de qualquer jeito e com qualquer roupa.” Já Luiz Poção, secretário municipal de Cultura de Cuiabá, diz concordar com o antropólogo do Iphan e defende a necessidade de uma “volta às origens”. “Há muita coisa exagerada, como essa história de boi de Parintins e a seda tomando o lugar do chitão.” A prefeitura, diz Poção, pretende incentivar a manutenção da “originalidade” da dança. “Nada contra os novos grupos, mas precisamos assegurar que o Siriri não perca a sua essência.”
 
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