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30/08/2010 - 00:00

Estudantes alemães e trabalhadores de assentamentos rurais de Cáceres debatem mudanças climáticas no pantanal

Por Jornal Oeste

Maria Edna Pedreo Assessoria “Nós pequenos agricultores não conseguimos mais colher. Já não acertamos mais a época de plantar. Nossa base era o tempo da chuva, mas agora com essas mudanças no clima, está tudo difícil.” Este relato da trabalhadora rural, Cleonice Ferreira, do assentamento Laranjeiras, na região de Cáceres, resume um dos problemas gerados pelas recentes mudanças climáticas no pantanal matogrossense. Temática debatida na última semana em encontro entre moradores de assentamentos rurais da região, com um grupo de estudantes alemães que participam de um projeto de intercâmbio promovido por movimentos sociais de Cáceres. O encontro realizado pela organização não-governamental Sociedade Fé e Vida reuniu no assentamento Laranjeiras, pesquisadores, ambientalistas, militantes de movimentos sociais e trabalhadores rurais de seis assentamentos da reforma agrária situados no município. Os debates e oficinas foram realizados a partir de temáticas como Recursos Hídricos, Desmatamentos, Limite da Terra, Novo Código Florestal e Mega Projetos como hidrovia, Pequenas Centrais Hidrelétricas, barragens, monoculturas e agrotóxicos. “São temas de lutas que consideramos que tem influencia direta na questão das mudanças climáticas no pantanal - Um dos lugares menos frio do país, mas que a gente percebe mudanças climáticas mais rápidas. Não estamos preparados para isso. A nossa população é quem mais sofre com essa mudanças repentinas”, observa Isidoro Salomão, coordenador do evento. O professor do IFMT, Campus Cáceres, José Ricardo Castrillon, doutor em Ecologia e Recursos Naturais, foi um dos facilitadores do encontro e estimulou a exposição de vivências das comunidades na oficina sobre recursos hídricos e mudanças climáticas. “Questões ambientais como um todo refletem na quantidade e qualidade da água que temos. Algumas das restrições hídricas, não passam necessariamente pelas mudanças climáticas, mas outros fatores que afligem a população e que de certa forma estão interligados”, afirma Castrillon. Na roda de conversa sobre o tema, os saberes populares enriqueceram o debate. “A mata chama a chuva. Há 40 anos aqui não parava de chover. Agora que derrubaram quase tudo estamos ficando sem chuva, é só seca”, afirma a trabalhadora rural Maria Bispo de Jesus, de 65 anos. Já a partir da experiência da vida urbana outra Maria divide sua angústia sobre os impactos sofridos pelo rio no pantanal cacerense e sobre a qualidade das águas. “Minha mãe lavava roupa na beira do rio, lá eu tomava banho, tomava água. Agora quem tem coragem? Até os peixes morrem com o esgoto que cai no rio”, lamenta a dona de casa, Maria de Lourdes Lenis, 62 anos. Segundo a professora e pesquisadora Solange Ikeda, também facilitadora da oficina, o propósito maior nas discussões sobre mudanças climáticas, redução dos recursos hídricos e toda problemática ambiental é estimular o exercício da cidadania. “O objetivo é identificarmos as causas e conseqüências e enxergar nosso papel frente a isso tudo”, destaca Ikeda. Para os jovens europeus o evento ficou marcado pela percepção sobre o ambiente no diálogo aberto com a população pantaneira. “Lá na Alemanha encontro assim só acontece nas universidades e a portas fechadas”, conta a cientista político e teóloga, Katja Polnik, coordenadora do projeto de intercâmbio da Alemanha. O projeto teve inicio no ano de 1989, através do contato da professora com o Centro de Direitos Humanos de Cáceres, Dom Máximo Biennés. Queimadas e desmatamento A ação devastadora das queimadas na vida do pantanal, a redução na quantidade de nascentes e córregos, o assoreamento dos rios, a baixa umidade do ar, o frio em períodos indefinidos e a seca prolongada, foram alguns dos problemas elencadas no encontro em oficinas como a de Mudanças Climáticas e Desmatamento, facilitada pelo Técnico da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, Fase, Vilmon Ferreira. “A Europa e os Estado Unidos são os maiores poluidores com relação aos combustíveis fósseis. Já o Brasil é grande responsável pelo o desequilíbrio ambiental devido às queimadas, em função, principalmente, do modelo de produção. Se nós dos movimentos sociais, comunidades tradicionais e pantaneiras não tivermos um enfrentamento com relação a esse modelo, vamos ver durante anos mais desmatamento, devastação e desequilíbrio”, afirma Vilmon. Alternativas para o mundo Os efeitos ao ambiente de projetos como hidrovias, Pequenas Centrais Hidrelétricas, monoculturas e agrotóxicos, suas influências nas mudanças climáticas e para o aquecimento global teve ressonância na oficina sobre mega projetos facilitada pelo engenheiro agrônomo James Cabral, egresso do IFMT, Campus Cáceres. “ Traçamos um paralelo do que a gente entende sobre mega projetos no Brasil e um intercâmbio das informações com o grupo alemão. A discussão foi centrada em como nós, pequenos agricultores , assentados, podemos resistir aos impactos desses projetos e oferecer alternativas ambientais e sustentáveis para a população mundial. Uma das alternativas é fortalecer o modo de vida dos agricultores familiares”, afirma Cabral. Legislação Projetos polêmicos como o novo código florestal brasileiro que tramita na Câmara de Deputados foi debatido pelos participantes do encontro, tendo como facilitador Fernando Francisco Xavier, do Instituto Chico Mendes. A previsão no texto do projeto de anistia a quem desmatou até junho de 2008 e a autonomia para os estados definirem sobre o tamanho da área de reserva legal obrigatória e das áreas de preservação permanentes, APPs, são alguns dos pontos mais criticados pelos ambientalistas e movimentos sociais. “o perigo é de perdermos percentuais de áreas de reservas e APPs devido interesses de poderes locais dos estados”, pontua Xavier. Estabelecer Limite da Propriedade da Terra no Brasil foi outro foco de discussão aberto no encontro pelo facilitador, Alonso Batista. A proposta é objeto de Plebiscito Popular que ocorrerá entre os dias 01 e 07 de setembro, em mobilização coordenada por 54 entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo. A expectativa dos organizadores é que a consulta popular consolide a obrigação em lei de limite de propriedade de terra no país. A campanha propõe o tamanho máximo de 3.850 hectares. Hoje, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial da concentração da terra e do latifúndio. “A luta pelo limite da propriedade não visa só limitar o tamanho da terra, mas limitar a concentração do poder no país”, afirma Alonso.
 
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