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05/03/2017 - 08:42

Nem só de shows viverá o homem, tampouco nem só de shows viverá o Festival Internacional de Pesca de Cáceres

Diante dos já tradicionais anúncios pirotécnicos dos cantores e cantoras que comparecerão no Festival Internacional de Pesca de Cáceres, bem como dos também já tradicionais comentários de discordâncias e descontentamentos postados nas redes sociais em relação às escolhas feitas, fiquei matutando, assim de bobeira, cá aqui com meus botões: como resgatar o Festival Internacional de Pesca? Como ressignificá-lo? Como reinventá-lo? A resposta, ou talvez, um indício de resposta, não tardou a aparecer. Simples. Devolvendo-o ao povo. Isso mesmo! Não é força de expressão não. Para que não reste dúvidas, volto a afirmar: o Festival Internacional de Pesca de Cáceres, evidentemente, sem excluir outras iniciativas porventura vindouras, pode ser resgatado do labirinto de superficialidades em que se perdeu, à medida que for sendo devolvido ao povo.

E não é só! A lista de devoluções é extensa. É necessário também devolvê-lo ao rio, à natureza, à contemplação, à nossa fauna, à flora, ao nosso sotaque chiado, arrastado e divertido, ao nosso sorriso, à nossa graça, à nossa alegria, ao cheiro de mato e de peixe. Nós, trabalhadores e trabalhadoras, jovens e velhos, da Praça Barão do Rio Branco ao pé da serra, da baía do Malheiros à Morraria, somos os protagonistas. Somos nós que contribuímos para que o Festival seja um Festival. Não há Festival sem gente, sem pés descalços sobre a areia, sem cambitos molhados na água, sem liberdades, autodeterminações e autonomias. Não há Festival sem a integralidade e a profundidade da cultura popular das ruas, dos povos tradicionais que nos fazem, sem o índio, o ribeirinho, o negro, o pantaneiro, o sitiante e o chacareiro. Enfim, não há Festival sem acesso amplo, democrático e participativo de todos. Não é o show mercantilizado, nacional ou internacional, a atender este ou aquele gosto, a atender este ou aquele grupo, que deve (como anda acontecendo) ditar a tônica e a ordem das prioridades de um de nossos mais preciosos chamegos.

O Festival pode voltar a ser, ou mesmo, a depender da leitura que empregarmos, tornar-se, de forma inédita, o maior brinde a ser erguido em homenagem ao bravo povo da fronteira. Tornar-se, sobretudo, como igualmente não poderia deixar de ser, meio de preenchimento de cidadanias.

Como fazer? Qual método aplicar? Quais medidas adotar? Comecemos. Tendas. Muitas tendas! Espalhadas pela orla, no gramado da Secretaria de Meio Ambiente, pelas ruas paralelas do complexo de eventos do Sangradouro e no entorno da Catedral São Luiz. Tendas com oficinas. Muitas oficinas! Gratuitas, ofertadas em diversos horários e dias, bem organizadas e gerenciadas. Sobre o quê? Sobre danças tradicionais e contemporâneas. Sobre pescaria. Sobre as manifestações artísticas e os artistas regionais. Sobre a música mato-grossense. Sobre a culinária local. Sobre o meio ambiente e sua utilização/experimentação sustentável. Sobre o Pantanal, suas peculiaridades e os desafios a serem enfrentados no século 21. Sobre cinema e fotografia. Sobre as nossas potencialidades, gargalos e dificuldades para alavancar o turismo. Sobre o patrimônio histórico que ainda resiste.

Continuemos. Outras tendas. Muitas outras! Grandes ou pequenas, não importa. Tendas obrigatoriamente arejadas e confortáveis, com contações de histórias, lendas e causos. Com a produção e o manejo de mudas para o reflorestamento das matas ciliares. Com discussões sobre áreas de preservação ambiental, reservas indígenas e reservas ecológicas. Com práticas e troca de saberes sobre botânica e plantas medicinais. Com palestras objetivas, dinâmicas e dialógicas, sobre o direito fundamental a um meio ambiente sadio e seguro e a atuação dos órgãos estatais de fiscalização. Ruas de fato e de direito fechadas para carros e motos e fartamente abertas para as pessoas. Não nascemos pregados com carros e motos, não é mesmo? Ou nascemos? E crianças, muitas crianças, vindas não diretamente de suas casas, mas, com o apoio dos pais, vindas das escolas, em dias a serem considerados como letivos inclusive, a fim de alimentarem e serem alimentadas, contagiarem e serem contagiadas, não pelo evento em si, mas pela cidade, pelo espaço público. Quer aulas mais engajadas como seriam essas?

Continuemos ainda. Em outro plano de atuação. Concertos. Muitos concertos! Com bandas daqui e bandas convidadas. Com os talentos das comunidades, dos bairros e das Instituições de Ensino. Com orquestras celebrando o pôr do sol e a chegada do luar. Com músicas de todos os estilos sendo abundantemente apresentadas, preferencialmente, em locais inusitados. Tipo: nas escadarias do cais, numa chalana, numa esquina qualquer, num pátio ou na parte da frente de um casarão histórico, na Câmara de Vereadores, no Centro Cultural, no Museu Municipal, nas igrejas, num estacionamento qualquer.

Alguns poderão dizer: “se for assim, ninguém dará as caras por lá, o Festival minguará”. Primeiro que minguar mais do que já está minguado, tenho plena convicção de que não irá. Não temos do que fugir. O trabalho (como em outros setores) é de formação e de informação. Se não prepararmos o terreno, a ação não sairá do papel, e se sair, terá efeitos mínimos, quase nulos, mediante a proporção do que será investido. Problematizemos. Como exigir de alguém que durante toda a sua vida só ouviu “X” passe, da noite para o dia, a apreciar “Y”? Sem se proporcionar previamente um contato plural, não impositivo, num caso como esse, só se for por milagre. Como convidar apenas pelas redes sociais e aplicativos (Facebook, WhatsApp) possíveis interessados para as atividades que acontecem durante o Festival, se além de boa parte da população não contar com internet, tampouco estar digitalmente inserida nesse contexto? Como chamar “A” ou “B” para despencarem de seu bairro ao centro, sem a opção de transporte público, e não é só isso, sem se sentir pertencente ao lugar para onde vão? Sejamos realistas.

O Festival Internacional de Pesca de Cáceres precisa com urgência ser resgatado, ressignificado e reinventado. A quem cabe fazer isso? A nós, o povo! Bingo! Imprimir