Durante a nossa existência, desfrutamos de diferentes experiências sempre entre os dois extremos da vida, ora de intensos questionamentos e descobertas, ora de significativa maturidade e calmaria, em consonância com a fase em que vivenciamos. Quando jovens, pensamos em aproveitar a vida ao máximo, sorvendo cada minuto como se fosse o último. Ao passo que na fase madura, quase sempre nos assustamos, com o adiantado do tempo decorrido e enfrentamos dificuldades para entender e assimilar o final de ciclo que paulatinamente se aproxima.
Quando as pessoas envelhecem, se tornam introspectivas e se voltam para o passado, tentando de alguma forma reativar e usufruir de toda beleza e alegria “experenciada” no tempo passado, buscando desenvolver recursos internos para enfrentar o futuro, que traz em si a incerteza e a verdade existencial que limita e delimita as novas etapas futuras.
Os idosos geralmente projetam o futuro bem como suas realizações na perspectiva familiar que o cercam : na pessoa dos filhos, netos , bisnetos, buscando identificar e alcançar seus objetivos, realizações e satisfações nos projetos de vida traçados pelos entes familiares próximos.
Por outro lado, para os jovens a morte é um tema remoto e muito distante, no seu momento intensivo de vida. A existência para eles é infinita e traz latente em seu bojo a alegria e a vitalidade existencial, própria desta fase, rica em determinação, coragem e intensa em expectativa de realizações.
Para os idosos, a sensação é que a caminhada pode ser interrompida a qualquer tempo em função do extenso percurso decorrido. Assim, frente ao tempo limitado que se apresenta, passam a olhar em direção à janela do passado, revendo fatos importantes e se alimentando de experiências que geralmente os motivam e conferem mais sentido ao seu caminhar. Quase sempre vivem de retrospectivas, fixos às experiências que deram mais sentido a sua vida, tentando dessa forma driblar os desafios impostos pela idade e que se ampliam dia após dia.
Apesar da morte constituir um fato natural, certo, inevitável, comum e indistinto a todos, ninguém se prepara para recebê-la. O medo do desconhecido e da derradeira viagem, desencadeia sensações de inseguranças e apegos que prejudicam a caminhada espiritual das pessoas. Apesar dos “reencarnacionistas” defenderem a tese que a vida não acaba com a morte, e que esta é a libertação do corpo material e que a vida prossegue, comumente se observa, que na realidade ninguém esta preparado para dar esse passo, de retorno definitivo à pátria espiritual.
Certa vez numa roda de amigos, que costumeiramente costumavam "jogar conversa fora" em longas discussões políticas, filosóficas nos momentos comuns de lazer, abordamos o tema velhice como pauta central da discussão. Curioso perceber que a maioria dos participantes dessa roda de conversa, estavam numa faixa etária similar e muito próxima a dos sexagenários, o que de certa forma despertava entre todos, maior interesse e atenção para o assunto, fluindo a abordagem de forma fácil e tranquila, e enriquecida pelas variadas opiniões, sugestões,depoimentos bem como, modelos de projetos para uma velhice saudável e feliz .
Lembro-me com detalhes , de um forte depoimento de um dos integrantes do grupo, que defendia a tese de finalizar seus dias ao lado da amada, companheira de todos os projetos de sua vida, sua cara metade, curtindo diariamente a essência de um amor eterno, verdadeiro e duradouro que superou todos os revezes de uma vida a dois. Com sabedoria e confiança de quem vivenciou uma relação amorosa gratificante e satisfatória, descrevia aos presentes o resultado dos bons momentos de uma existência regada continuamente por afeto e pela pretensão de que somente a morte, fato inevitável e imutável os separariam.
Assim, comentou sobre o planejamento e projeto elaborado, com uma riqueza de detalhes assustadora. Nesta perspectiva, finalizaria a fase mais vulnerável da sua vida, num espaço, de clima ameno, agradável, longe do tumulto da cidade grande, onde as belezas naturais fossem exuberantes e permanentes, suficientes para alimentar, acolher, referendar e habitar um casal com características e peculiaridades comuns da idade mais avançada.
A parte mais importante e marcante daquele depoimento não se ateve somente na preocupação com os detalhes requeridos pela infra estrutura física básica e conforto necessário à mobilidade diária do casal, mas sobretudo ao carinho, a cumplicidade, ao querer bem e a atenção dedicada a um projeto de vida a dois, que deixou evidente a proposta afetiva maior que era a de viver intensamente, cada minuto ainda restante ,como se fosse o último da sua vida, reforçando a tese cristã "do até que a morte nos separe", algo raro, grandioso e significativo para a atualidade onde esse sentimento normalmente enfraquece e se perde na caminhada.
Feitas as considerações sobre a maneira simples de olhar a vida, argumentou com a sabedoria , de quem tinha bagagem suficiente para compartilhar com as pessoas, a importância de nascer, saber viver e renascer com a dignidade, singeleza e sintonia de um ser identificado com o significado maior da vida: Deus.
O certo é que ficou evidente, não possuir uma receita ou mesmo uma cartilha que possa ensinar e nortear o viver bem, mas, instrumentos eficazes e indispensáveis interiores capazes de desenvolver no ser, valores como a humildade, aceitação e respeito às diferenças individuais de cada um, ricos na capacidade de perdoar, amar e viver sem limites para sonhar.
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