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01/04/2015 - 13:29

TJ e o Sistema Socioeducativo

Há décadas vemos a Justiça da Infância e da Juventude, bem como as Promotorias que lidam na mesma seara, os técnicos e demais servidores do sistema socioeducativo mato-grossenses se empenhando para construir políticas, projetos, ações e obras que, muitas vezes, causam-nos a impressão de que todos esses esforços eram e são inócuos, comparando-se com o aumento da violência, com a ousadia da criminalidade, com o excesso de publicidade que leva a criança e o jovem ao consumo de drogas (sobretudo o álcool), ao consumismo, a uma vida puramente materialista, hedonista, totalmente dissociada dos valores éticos e morais e de uma vivência familiar saudável e, dentro do possível, equilibrada.

Verdadeiramente, diante de tal um cenário assombroso, muitos desistiram da boa batalha, entregando-se ao ócio, ou a reclamação sistemática de quem somente fica de longe criticando, olvidando, ou tentando esquecer, que também faz parte da mesma sociedade e que o mal somente se instala aonde o bem deixa de mourejar.

Devemos participar e opinar sempre!

Há poucos dias, porém, recebemos a boa notícia de que o Poder Judiciário de Mato Grosso devolverá 20 milhões de reais ao Executivo para a finalidade específica de que este construa 15 unidades socioeducativas para internação de adolescentes em conflito com a lei (o que os leigos ainda teimam de chamar de “centro de ressocialização de menores infratores”).

Nada mais nobre do que o senso de corresponsabilidade testemunhada pelo atual presidente do Judiciário de Mato Grosso, dando prosseguimento à sinergia muito bem estabelecida por seu antecessor. No entanto, ousamos, respeitosamente, fazer certas observações no tocante ao tema, considerando nosso apreço e amor pela causa.

Em primeiro lugar, cumpre cingir que o estado de Mato Grosso, por um dever legal, construiu no ano de 2014 o Plano Decenal da Socioeducação, o trabalho mais importante dos últimos anos do sistema socioeducativo. Esse estudo foi elaborado com base nas informações extraída de processos judiciais das Varas da Infância e Juventude, bem como na tão comentada necessidade de vagas para internações ditas definitivas (três anos).

Participaram dos trabalhos, além do Judiciário (por meio da Coordenadoria de Infância e Juventude da Corregedoria-geral de Justiça de Mato Grosso), o Executivo (Sejudh), o sindicato dos servidores, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Defensoria Pública, dentre outros importantes atores que laboram diariamente com esta questão.

E o que pode causar surpresa para a maioria das pessoas é que, segundo tais dados técnicos e reais, a necessidade maior é a reforma das 5 unidades socioeducativas de internação já existentes, cada uma com problemas sérios e específicos, como a de Sinop, que foi construída com o escopo de funcionar como unidade de internação provisória; ou a de Cáceres, que funciona numa antiga cadeia, ao passo que a socioeducação não tem nada a ver com o sistema penitenciário, conquanto muitos queiram fazer o contrário, falando em diminuição da maioridade penal, como se não conhecessem a realidade nacional.

O aludido Plano Decenal diz algo que pode alarmar ainda mais aos que não se dedicaram a estudar profundamente a questão: não há necessidade de construção de novas unidades, mas sim de ações corresponsáveis e compartilhadas para a aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto.

Além disso, os 5 polos passam por carências mais que do que urgentes. Em Cuiabá se faz necessário ampla reforma, mas faltava recurso financeiro para isso.

Em Cáceres a situação é a mesma, carecendo da construção de uma unidade maior para substituir aquela existente.

A mesma situação encontramos em Sinop e Barra do Garças, conquanto tenham ocorrido reformas em todas essas nestas unidades em 2014.

Em Várzea Grande a tentativa de construção de uma unidade em convênio com a União foi frustrada pelo abandono da empresa, não sendo possível a continuidade por nenhuma das demais participantes do certame, necessitando, assim, do aproveitamento do que já foi edificado e, também, da construção de uma unidade para, pelo menos, 20 vagas.

Vale considerar, ainda, que, segundo as leis (ECA e lei do Sinase), com 20 milhões não se constroem 15 unidades de internação, mas apenas três, ou nem isso. Sim, é caríssimo! Todavia, diminuindo-se as estruturas exigidas por lei, será possível, no máximo, construir 5 unidades para acolhimento de 30 adolescentes, de modo que o valor devolvido pelo Judiciáiro deve ser aplicado em conformidade com o que o Plano Decenal, construído pelo Judiciário e Executivo, iniciando-se pela recuperação das unidades existentes, e construindo-se novas unidades nestes municípios polos.

É bem verdade que, na condição de ex-servidor da pasta do Poder Executivo que lida com a presente questão, pode soar como tentativa de interferência ou de dar pitaco extemporâneo, entretanto, com a consciência tranquila de ter feito o possível, sem recurso financeiro nenhum, e com o dever cívico da não-omissão, cumpre louvar a iniciativa do Judiciário, opinar com lucidez técnica e torcer para que os recursos devolvidos sejam aplicados à luz do Plano Decenal.

Por fim, mesmo contra o entendimento da maioria dos colegas advogados, vale considerar que a violência na juventude ocorre, também, pela falta de efetividade no cumprimento das medidas; que os adolescentes e suas famílias também são “clientes”; e que se não dispendermos recursos financeiros para, ao menos, mitigar seus desajustes emocionais, certamente eles se tornarão clientes em decorrência da prática de crimes já na idade adulta, fazendo com que o Estado gaste ainda mais com o sistema prisional, isto é, quando a reeducação se torna muito mais trabalhosa e menos exitosa. Imprimir