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08/10/2021 - 15:06

Rio Paraguai na UTI

Em vários municípios falta água na casa das pessoas. Por mais que o Poder Público local venha trabalhando com suas forças ou por meio de concessão do serviço de saneamento básico, e por mais que a população seja obrigada a fazer racionamento de consumo de água, a situação atual é crítica.

As cidades nascem, geralmente, em volta de um rio, de lagos ou de estradas. Aquelas que tem natural potencial aquífero tenderia a ter menos problemas de abastecimento nos lares de seus munícipes, mas nem sempre é assim, porque o crescimento populacional sem o concomitante investimento em infraestrutura faz com que vivamos nessa eterna celeuma de tentar corrigir falhas e não de nos prepararmos previamente para os desafios, porque o correto seria haver pavimentação asfáltica, galerias pluviais, rede de abastecimento de água, de coleta, iluminação pública, etc. antes da edificação das residências. Porém, a regra nos municípios brasileiros tem sido outra: invasão, loteamento sem controle, ou construção de casas populares por empresas contratadas pelos governos sem a qualidade mínima necessária.

Assim, se os municípios com considerável facilidade para a obtenção e captação de água vivem essa grave situação, muito pior é o desafio daqueles em que não há uma fonte de água natural próximo ao perímetro urbano.

Sem dúvida, a seca pela qual vivemos nestes meses é a mais grave das últimas décadas. Mas isso também não é obra do acaso, pois reflete o desleixo para com a preservação da vida natural em Mato Grosso, no Brasil e no mundo. Tudo está interligado! Não vivemos apenas a globalização econômica ou pela facilidade de comunicação em tempo real, mas sim, vivemos num imenso lar chamado planeta Terra que está clamando atenção, cuidado, carinho, amor e menos ganância dos seus habitantes.

O grande jornalista cacerense, Elias Neto, que há quarenta anos está presente nos lares mato-grossense, trazendo informações e orientações, tem chamado a atenção das autoridades, dos empresários e da população como um todo quanto ao baixo volume d’água no principal rio do pantanal, o nosso Rio Paraguai, que chegou a ter 26 centímetros em região que deveria, mesmo no período da seca, estar com bem maior quantidade de água, força e vida.

E o sofrimento que o povo experimenta não é somente pela falta de água, bem vital para qualquer ser vivo, mas porque a agonia do Rio Paraguai traz dor para todos que dele dependem emocional, cultural, gastronômica sem peixe, econômica, socialmente. Não por outro motivo a cidade de Cáceres é conhecida como a Princesinha do Paraguai.

Temos ouvido estudiosos apontarem a monocultura, principalmente, na região das nascentes do aludido rio como sendo uma das grandes causas da morte dessas nascentes de água, pois o empobrecimento do solo por longos anos explorado e não preservado gera a impossibilidade do advento da água pelo seu processo natural.
Todavia, cientistas demonstram que o excesso de criação de pequenas e médias usinas hidrelétricas junto aos rios, as chamadas PCHs – pequena central hidrelétrica, represando, destruindo a mata ciliar e desviando a sua rota natural, causa o fim da fauna, da flora e diminui consideravelmente o potencial aquífero.

Ao longo do Rio Cuiabá, pretende-se criar 6 PCHs, rio este que é afluente do Rio Paraguai. No Rio Jauru, também afluente do Paraguaizão, já foram criadas 6 dessa usinas, fazendo com que em locais onde o rio tinha 1,80 de profundidade, passe a ter 25 ou 30 cm em determinadas fases do ano.

Existem 47 PCHs no médio-norte de Mato Grosso, nas proximidades de Diamantino, Barra do Bugres, Nortelândia, Arenápolis e região circunvizinha. Outras 140, aproximadamente, estão em processo burocrático de criação. Tudo isso em águas formadoras do Rio Paraguai, pois desaguam no pantanal.

Os peixes, dessa forma, não se desenvolvem naturalmente, mesmo deixando-se abertas as passagens para aquelas espécies que vivem na flor d’água, porquanto há outras que, como todo pescador amador sabe, vivem no fundo dos rios. A alteração da rota natural das águas faz com que os ovos e larvas não cheguem ao local adequado para a reprodução dos peixes. O impacto na vegetação aquática ou das margens dos leitos também é extremamente grave, danosa e inevitável.

O reflexo negativo vai do desrespeito à vida animal com a diminuição de peixe em todo o Pantanal até a polinização em plantios e produção de mel. Isso quem diz é a ciência.

Ora, se alardeamos nos últimos meses que deveríamos ouvir e respeitar a ciência no trato com o vírus que tem matado ou sequelado tantas pessoas, por que desprezarmos a ciência com falácias e achismos no que diz respeito ao excesso de PCHs criadas ou a serem criadas?

Francisco Arruda Machado, mestre e doutor pela Unicamp, professor da UFMT, assessor especial do Ministério Público de Mato Grosso assevera que existe “estudo feito pela Agência Nacional da Água (ANA) com a participação de 253 pessoas, sendo 70 pesquisadores, com dois anos de construção e quatro em campo, que concluiu que há áreas de Mato Grosso onde não há prejuízo em construir PCHs, enquanto há outras onde não deveriam ser construídas de forma alguma. Uma dessas áreas ‘proibidas’ é o Rio Cuiabá, onde acontece quase 50% do processo reprodutivo das mais importantes espécies da bacia do Pantanal, como pacu, pintado, cachara, piraputanga, dourado, dentre outros. E é neste local que há o planejamento para a implantação de não uma, mas seis PCHs” (PCHs NO RIO CUIABÁ VÃO ACABAR COM PEIXES DO PANTANAL, PRODUÇÃO DE MEL, PLANTIOS E ATINGIR CULTURA).

O mesmo Dr. Francisco Machado é claro ao dizer que inclusive aqueles que trabalham com a agricultura são e serão ainda mais prejudicados pela criação sem controle das PCHs: “O rio não tem declividade, não tem cachoeira, que justifique você fazer uma usina, mesmo que seja a fio d’água. Vai ter que fazer um barramento, estocar água para gerar usina. O que vai acontecer? Os nutrientes, que é o que dão vida ao rio, a todos os seres vivos da cadeia que começam com as microalgas, com microcrustáceos e aí afora, esses nutrientes vão sedimentar porque não tem jeito. E ele que é um rio bem caudaloso, vai ficar um rio remansoso. Isso vai afetar inclusive os insetos, já que a maioria tem o estágio larval na água. E aí você vai ter vários problemas, como produção de mel, um efetivo significativo da floresta vai inundar, os próprios plantios, seja qual forem, já que muitos são polinizados por insetos, que não vai ter neste local. E o que fica para uma visão economicista da questão? Quem vai construir seis usinas vai ter um lucro fenomenal”.

Nenhum interesse pessoal ou de pequeno grupo de investidores é mais importante que a vida!

Não se pode tratar com desleixo questão tão séria, pois a vida é o que existe de mais importante para todos. Não se pode, em nome da criação de potencial energético nas mãos de alguns, lesar a vida, a cultura, a fauna e a flora como se nada de mais estivesse acontecendo!

Em Mato Grosso, o Rio São Francisco que depois passa a se chamar Rio Santana e atravessa a cidade de Nortelândia já está prejudicado pelos motivos aqui delineados, mas pode vir a sofrer ainda mais. Para evitar esse caos, o prefeito de Nortelândia encaminhou para a Câmara Municipal e esta aprovou uma lei que veda a criação de novas PCHs no território daquele município. Em Cuiabá tramita no Parlamento Municipal um projeto de lei similar, que deve ser tratado com respeito e urgência.

Os municípios da região oeste de Mato Grosso, organizados pelo Consórcio Intermunicipal “Nascentes do Pantanal” trabalham no sentido de contratar um estudo por especialista de Santa Catarina para analisar a possibilidade de se levar água do Rio Jauru para outros municípios da região que a cada ano agonizam mais e mais.

Lideranças dos municípios da região médio-norte tem intensificado a comunicação entre si e a realização de audiências públicas nas quais convidam a população a exercer a cidadania.

O momento clama por união de forças em cada localidade, forças intermunicipais, porque o tema é grave e tem repercussão internacional, sobretudo quando não se faz o dever de casa para se buscar o progresso, mas com respeito à preservação, porque o Rio Paraguai agoniza na UTI e a ciência aponta os caminhos para resolver essa dor coletiva.
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