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27/07/2021 - 09:16

Vacina no braço é um direito, e não uma caridade!

A vacina no braço é um direito, uma demanda de saúde pública, que deve alcançar a todos, universalmente, e não um presente. Ainda que alguns, com muita frequência, espalhem, oportunisticamente, e, infelizmente, com a ajuda de um certo número de fiéis, contos e narrativas para nos ludibriar, precisamos juntos amadurecer a ideia de que os nossos representantes políticos não nos presenteiam com direitos. Os direitos são frutos de lutas históricas, de muita energia dispendida, de divisões, disputas e conflitos, e não da vontade ou da benevolência de um salvador, ou de um justiceiro. Sei que tratei e requentei este tema em outros textos e oportunidades, porém, o “contexto atual” pede que continuemos a bater nesta tecla.
 
Atrelar experiências em dignidade a um representante político, às suas supostas qualidades e capacidades [quase sobrenaturais] de prever, infalivelmente, problemas futuros, e, assim, antecipar-se de modo a evitá-los, é extremamente perigoso:
 
Primeiro, porque silencia as reivindicações e as pautas sociais, os protestos e as manifestações populares, enfraquecendo sobremaneira as vozes da população, como se a iniciativa para a elaboração de um projeto de lei, ou para a implementação de uma política pública, fosse tão somente de responsabilidade do previdente representante político, que, por tudo saber, fará, segundo a sua avaliação [pessoal], o que é “melhor” para aqueles que estiverem sob seus cuidados, independentemente da participação ou da intervenção destes últimos.
 
Segundo, porque alimenta a falsa percepção de que para avançarmos em uma agenda emancipatória, muito mais do que contar com o fortalecimento da comunidade e converter a solidariedade e a cooperação como guias de nossas relações, é necessário recorrermos, passivamente, a uma figura que, de algum modo, é santificada, entronizada no cargo que ocupa, e que, portanto, deve ser blindada e protegida contra críticas e dúvidas.
 
Terceiro, porque terceiriza nossas cidadanias, concentrando nas mãos de uma única pessoa [no caso, um representante político], direta ou indiretamente, nossos destinos e potencialidades, não nos atentando para o fato de que, mais dia ou menos dia, por mais autossuficientes que nos julguemos ser, necessitaremos de algum serviço público, de algum serviço cuja prestação não seja da competência, e nem poderia ser, do privado; necessitaremos de algum serviço público que deverá ser realizado de forma imediata, certeira e capilarizada, sem distorções ou “picaretagens”.
 
A despeito da “cama de gato” que temos que desatar – tendo em vista que os direitos, sua afirmação e efetividade, seguem ainda muito associados à imagem daqueles que estão no poder – é sempre bom reforçar que, após conquistados, ou mesmo após figurarem, ocasionalmente, em algum dispositivo de lei, os direitos não passam a andar coladinhos conosco para todo sempre, sua vinculação ao nosso cotidiano e a sua continuidade dependem do nosso engajamento, de nossas mobilizações, do nosso comprometimento com o coletivo, de nossos enfrentamentos e da capacidade de se indignar em face das injustiças.
 
Os nossos representantes políticos, no exercício de suas funções e de acordo com as suas competências, têm o dever de AGIR. Agir para todos e a favor de todos, sem distinções, barganhas, ameaças ou constrangimentos: quer garantindo possibilidades e chances para que a dignidade humana do povo brasileiro floresça, em suas mais diversas e sensíveis pluralidades, e que seu aroma se difunda de norte a sul, de leste a oeste, por todas as localidades e paragens; quer tendo como pontos de partida, para essa empreitada, a Constituição Federal e os Tratados internacionais sobre Direitos Humanos que o Estado brasileiro é signatário; quer apostando em políticas públicas que estimulem uma cidadania pujante, vigilante e sensível, em seus mais diversos e complexos aspectos.
 
Partir daquele pressuposto – o do dever de agir de nossos representantes políticos – é se posicionar contra toda conversa “fiada” que pretenda colocar de escanteio a construção de nossas cidadanias, desestimulando essa empreitada, relegando-a a um lugar somente de espera e de expectativas; é se posicionar contra todo palavreado embusteiro que pretenda “mistificar” a coisa pública, seus serviços e a sua estrutura, como se o que fosse feito, ou, especialmente, o que pudesse ser feito, decorresse da boa vontade, da clemência ou de uma suposta genialidade natural, que pulsa nas veias deste ou daquele governante, deste ou daquele parlamentar.
 
De forma alguma, quero propagar a falácia – que circula por aí, engrossando as fileiras do bloquinho do retrocesso – de que nada que venha do “campo político” tem serventia. Há, sim, e é possível identificar, boas práticas e políticas de Estado, com vistas à promoção de justiça social, que podem e devem ser reconhecidas, parabenizadas e constantemente avaliadas, à luz de critérios fixados pela própria comunidade, e não enviados do “Além”. Há, sim, ótimos quadros na política brasileira. Há, sim, agentes políticos que estão comprometidos com a transformação do que aí está, do que ainda aflige e preocupa os brasileiros, na base, na estrutura, e não somente na superfície. Contudo, o que fazem ou deixam de fazer, no exercício do poder – e que nós, independentemente de nossas preferências e paixões, com criticidade, temos a obrigação de fiscalizar – não advém de sua divina providência, de uma revelação sobrenatural, mas das responsabilidades inerentes ao seu cargo, à sua condição.
 
Responsabilidades, aproveitando o gancho, que colocam os agentes políticos na vitrine, expostos, sujeitos a discordâncias, a contrapontos, ao contraditório. Seja quem for e seja qual for o cargo, da Presidência da República à vereança, aquele que desejar se eleger, e for eleito, deverá prestar contas, deverá ser submetido, com frequência, a argumentos e fundamentos que se inscrevem em formações políticas diferentes das suas, a outras ideias e conceitos. Afinal, ao ser eleito, o então candidato não recebe em suas mãos um cheque em branco, tampouco ganha a prerrogativa, a licença, para criar estratégias, sutis ou não, de desarticulação da diferença, em sua gestão, como se quisesse governar [exclusivamente] para si e para o seu grupo de apoiadores, sendo o outro, o de fora, o discordante, o inimigo a ser eliminado.
 
Voltando à vacina no braço dos brasileiros como um direito, e não como uma providência divina.
 
Quando, então, em meio a esta caótica e desesperadora pandemia, mesclada com uma crise política profunda, de colocar no chinelo qualquer filme de ficção-científica, defendemos a aproximação e a companhia da ciência para com ela caminhar, lado a lado; o acolhimento, a verificação e o estudo das melhores práticas; o diálogo com profissionais competentes, comprometidos com uma causa maior – no caso, a saúde coletiva dos brasileiros; o repúdio ao negacionismo e às promessas [milagrosas] de cura, sem qualquer comprovação; e, por fim, o combate enérgico à banalização da mentira, como um meio apto de defesa [do indefensável]:
 
É porque acreditamos, antes de tudo, que, a vida da população não pode estar à mercê de uma loteria perversa e macabra, promovida e fomentada pela ausência de uma política sanitária nacional, que deveria ter sido adotada, em parceria com os estados e os municípios, desde a confirmação dos primeiros casos de infecção pelo vírus Sars-CoV-2, no território brasileiro.
 
É porque acreditamos, “lá vamos nós novamente”, que a concretização dos nossos direitos, em um Estado que se diz republicano e democrático, não ocorre por caridade ou como obra do acaso, mas da soma, por um lado, do dever de AÇÃO dos que, transitoriamente, estão pelos centros de poder, e, por outro lado, de nosso olhar atento aos encaminhamentos, às iniciativas e às proposições, vindas desses centros, que afetam diretamente a sociedade, contrapondo-nos, sempre que preciso, aos discursos delirantes, às manifestações antidemocráticas e ao espetáculo da mediocridade.
 
Prólogo:
 
Considerando os tempos obscuros em que estamos vivendo, que, dentre outros trabalhos extras, exigem de nós, no próprio cotidiano, uma proatividade constante e incansável para afirmar e reafirmar a sensatez, a razão e a ciência, antes de me despedir, então, pensando ainda no tema da vacinação e tentando avançar para além do que já disse acima, eu gostaria de acrescentar, mui humildemente, que as vacinas, de modo geral, não são muito dadas a expedientes egoístas ou solitários, seus efeitos [imunizantes] são potencializados quando alcançam multidões e multidões, buscar, portanto, neste momento crucial, os postos de saúde para receber as doses [a primeira e a segunda, não custa lembrar], é um ato de respeito, de responsabilidade cidadã e de amor ao próximo, até porque, não é de hoje que conhecemos a sábia lição de que “uma andorinha só não faz [nem nunca fará] verão”.
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