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21/12/2020 - 07:36 | Atualizado em 21/12/2020 - 08:45

Escola pública militarizada: o que se deve saber

No dia 16 de dezembro do corrente ano tomei conhecimento de uma reunião para consulta pública sobre a militarização da Escola Estadual Natalino Ferreira Mendes.

O primeiro destaque na dita consulta pública foi a negativa à participação dos que não concordam com a proposta, impedindo que famílias pudessem decidir conscientemente sobre a formação e o destino de seus filhos.

E, assim, deliberadamente não informar à população os modelos de escola militarizada existentes, visto que existem três propostas que se assemelham na forma de financiamento e na gestão, mas se diferenciam nas justificativas para a implantação. A saber os modelos EEM; EMMT e ECIM.

As Escolas Estaduais Militares (EEM) em funcionamento situam-se em diferentes localidades como Juara, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Confresa, Rondonópolis, Nova Mutum e Alta Floresta, e constituem réplicas da Escola Estadual da Policia Militar Tiradentes de Cuiabá. 

São escolas que, a princípio, parecem fazer parte do sistema de ensino da polícia e do corpo de bombeiros militares, por integrarem a estrutura organizada da Policia Militar do Estado de Mato Grosso (Lei Complementar 386/2010; Lei Complementar 408/2010; Lei Complementar 555/2014).  

As escolas Tiradentes e Dom Pedro II integram, por lei, a estrutura organizacional das PMs e destinam-se prioritariamente a filhos de militares e civis que desejarem direcionar a formação de seus filhos para a carreira militar.  Desse modo, fica claro que não há razão para se opor, a não ser por um detalhe que poderemos expor mais adiante.          

O modelo de escola militarizada EMMT é resultante do Programa de Gestão Compartilhada Cívico-Militar que se apresenta o inverso ao modelo anterior.

Nesse modelo criam-se ou transformam-se unidades específicas da rede pública de ensino fundamental e médio do Estado de Mato Grosso em Escolas Militares – EMMT. Tal modelo se sustenta na Lei 10.922/2019.

E o terceiro modelo de escola militarizada e Escola Cívico-Militar - ECIM adota modelo de gestão escolar baseado nos colégios militares do exército.   

A pergunta é: qual dos modelos está sendo proposto para implantação na Escola Estadual Natalino? Vamos às semelhanças e dissemelhanças entre os três modelos. Eles se propõem atender, preferencialmente, às escolas públicas regulares, se utilizando das estruturas existentes e dos recursos financeiros da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) ou do Ministério da Educação (MEC). A questão que fica é por que o governo estadual e federal não aposta recursos e políticas de incentivo na melhoria da qualidade do ensino na escola pública?

Por que suas estruturas e parcos recursos das escolas públicas devem ser divididos com o Ministério da Defesa ou com a Secretaria de Segurança, quando estas duas instituições não destinam recursos de suas pastas para as escolas propostas?

Nos três modelos a gestão administrativa, financeira e pedagógica, necessariamente, deve ser da polícia militar ou do exército. Pergunta-se: Por que o governo estadual ou federal investe em escolas militarizadas e não nas escolas da rede civil pública?

A educação deve dividir os parcos recursos, financiando as escolas militarizadas?

É pretensão dos governos estaduais e federais constituir subsistemas de ensino na rede pública, sendo que “um servirá a uma elite que quer uma escola pública segura, com disciplina e qualidade de ensino” representada pelas escolas militarizadas bem equipadas, e um outro sistema que adotará, como clientela, “o segmento mais pobre da população, incluindo as crianças e os adolescentes que forem excluídos das escolas militarizadas por não se adaptarem às normas de conduta e disciplina”?

Ou a ideia é, conforme justificativa dos modelos, implantar escolas militarizadas para atendimento preferencial a estabelecimentos públicos em situação de vulnerabilidade social; contribuir para a redução dos índices de violência nas escolas públicas regulares e contribuir para a redução da evasão, da repetência e do abandono escolar, escondendo a intenção da polícia e do exército no controle  dos jovens, enquanto os filhos das classes subalternas pardos, negros e pobres que, na sua totalidade, frequentam as escolas públicas?

E mais, o que precisa ser desvendado nesses modelos que implodem o sistema público de ensino laico, gratuito e para todos?

Compreendo que os militares da PM e do exército nada entendem de educação, em tese são especialistas em segurança e guerra. Porque a população deveria confiar a educação de seus filhos à PM e ao exército?

Não seria desvio de função desses militares? Eles vão agora se entrincheirar nas escolas, fugindo de suas missões?

Pergunto, admitiriam os senhores da segurança e da guerra serem comandados em seus quarteis por um professor civil? Por que deveríamos admitir que militares substituam professores e desrespeitem o profissional da educação?

Por que querem os senhores da guerra e da segurança pública controlarem a gestão administrativa, financeira e pedagógica? É possível que os militares de alta patente tenham embarcado na onda da militarização das escolas encontrando um espaço para se alocarem confortavelmente, entrincheirando-se nas escolas, tirando do professor o seu espaço de atuação e formação?

Por acaso, deixou de ser função da polícia militar atender a segurança dos cidadãos?

Os militares deixaram de se preocupar com a segurança pública e passaram a se preocupar em criar escolas para si, para exercitarem o regime militar (hierarquia e disciplina), apreendido nos quarteis, comandando os corpos e mentes de nossas crianças e adolescentes?  

É isso que os pais querem, entregar a militares despreparados, além da escola também seus filhos para serem controlados através do medo?

Não sou contra escolas militares com o objetivo claro da carreira militar. Agora, usar, como subterfúgios, a qualidade do ensino como se somente pudesse ser alcançada através da suposta excelência das escolas militarizadas, usar a vulnerabilidade social da escola pública e o índice de violência como critério para justificarem a implantação da militarização da escola pública, significa que através da SEDUC e do MEC será imposto as escolas públicas comportamento e ideologia militarizada, consentindo-se que a instituição militar invada a escola pública civil.

As escolas do modelo EEM Tiradentes enfatizam o regime militar como oferta a população. Esse modelo tem como objetivo proporcionar uma educação de qualidade, garantir e reduzir os índices de violência e criminalidade no ambiente escolar, enquanto o modelo ECIM busca atender as escolas públicas em situação de vulnerabilidade social; contribuir para a redução dos índices de violência nas escolas e contribuir para a redução da evasão, da repetência e do abandono escolar.  

Não me parece que o índice de violência deva ser um critério para a implantação de qualquer um dos modelos de escolas militarizadas. Por acaso, para os senhores da segurança e da guerra é a escola que produz violência?

Nos três modelos de escolas militarizadas são os militares que assumem a gestão da escola. É a PM e o exército que devem dizer como as escolas administrativamente e pedagogicamente devem resolver as questões relacionadas ao ensino?

Por acaso, os professores estariam didática e pedagogicamente subordinados aos senhores da segurança e da guerra?

As escolas militarizadas estariam gerindo talvez um montante financeiro que nunca chegou às escolas públicas, em tempo algum, para resolver as questões que cada um dos modelos aponta como justificativa para sua implantação.

Através dessas justificativas para a implantação, o governo federal e estadual quer jogar nas escolas e no colo dos professores a culpa de décadas de descaso com a educação.

Agora, a população deve ter clareza, se o fato de os militares estarem na direção das escolas públicas, sem ser essa a função precípua dos senhores da guerra e da segurança, dá a eles a possibilidade de um plus a seus soldos?

Por que tanto empenho de os militares assumirem a educação?

Deixo a todos esses questionamentos que devem ser respondidos pelos gestores públicos, políticos e, em alguns casos, pelo Conselho Estadual de Educação e Ministério Público e por professores da rede pública.

Por fim, entendo que as escolas militarizadas representam ameaça às escolas do sistema público de ensino.

Ameaça à questão financeira à medida que os parcos recursos terão que ser divididos com esse modelo de escola; ameaça à  gestão democrática cuja luta proporcionou um avanço na educação; ameaça à qualidade do ensino que estará reservada a um modelo de escola destinada a uma elite, contrapondo-se  ao direito de todos à  educação de qualidade e, deste modo,  burla  um dos princípios da democracia que é o princípio da igualdade ao ameaçar as políticas de inclusão, pois alguns terão acesso e os que não se adaptarem ao modelo serão excluídos, o que parece ser uma forma de controle e segregação.

Audiência pública tem um rito que precisa ser respeitado para que as decisões sejam fruto de intenso debate e participação democrática dos diferentes segmentos. Antes de uma comunidade decidir sobre o destino da escola é preciso responder a questões que impactam a formação de nossas crianças e adolescentes como também o destino das escolas públicas do país. As escolas públicas não podem ser quartéis.
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