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30/11/2020 - 08:39 | Atualizado em 30/11/2020 - 10:03

Escola pública estatal e com gestão democrática: Patrimônio do povo Mato-grossense

'Democracia é um modo de vida do qual não podemos abrir mão'

Ninguém escapa da educação, como diz Brandão (1989), posto que ela permeia a vida em sociedade, tanto nos espaços escolares, quanto não escolares. E é pela educação que nos constituímos como seres humanos com intencionalidades e capacidade de tomar decisões, que podem ser críticas e autônomas ou acríticas e reprodutivas, dependendo da concepção educativa que se desenvolva. A educação contribui para internalizar valores e modos de agir; uma educação crítica e emancipadora possibilita a construção de uma sociedade justa e solidária, em detrimento de uma sociedade assentada no individualismo e na competição entre as pessoas, onde só os ditos ‘melhores’ serão considerados os ‘vencedores’. Então, podemos dizer que a educação é um projeto em disputa: embora, de uma maneira geral ela seja vista como um bem público - conforme disposto na Constituição Federal, há quem a conceba como mercadoria, refém do capital financeiro.

Escola pública estatal, laica, gratuita, de qualidade socialmente referenciada, com gestão democrática, como direito de todos e todas e de responsabilidade do Estado (União, estados, Distrito Federal e municípios), foi, na década de 1980, uma bandeira de luta assumida pela sociedade brasileira, em especial, pelas entidades acadêmicas, científicas e sindicais dos professores e demais profissionais da educação, bem como pelos movimentos sociais populares. Essa luta resultou em conquistas fundamentais em atenção ao direito à educação, “cravadas” na letra da lei, ou seja, na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 9.394/96, e em legislações complementares, como a Lei 49/1998, que institui o Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso e a Lei Nº 7.040/1998, que institui a gestão democrática em estabelecimentos oficiais, um princípio constitucional. A Constituição Federal de 1988 assegura amplo direito à participação, tanto direta (plebiscitos, referendos e iniciativa popular), quanto indireta (eleições, voto, etc), por meio de representação no Executivo e legislativo e em instâncias colegiadas, comitês, conselhos, fóruns, assembleias, sindicatos e associações de classe, dentre outras. 

No entanto, estas formas de participação vêm sendo extintas ou esvaziadas de conteúdo frente aos avanços de medidas autoritárias por agentes governamentais das três esferas, incluindo-se o estado de Mato Grosso, que têm demonstrado falta de apreço pela democracia liberal, tomando decisões sem estabelecer qualquer tipo de diálogo com os integrantes da comunidade escolar.

As ações do atual governo do estado de Mato Grosso, tornadas mais visíveis nos últimos dias, assustam pelo nível do desmonte da educação e da escola pública: fechamento de Centros de Educação de Jovens e Adultos (CEJAS) –  uma conquista histórica de MT, que marca o reconhecimento das especificidades dos sujeitos da EJA, e visa oferecer formas diferenciadas de atendimento, em diferentes tempos e espaços formativos, que compreendam a educação ao longo da vida; anúncio de fechamento de um grande número de escolas da rede pública estadual de ensino - do campo e urbanas; a chamada “reorganização” de Centros de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação (CEFAPROS), constituído por profissionais qualificados e da própria rede pública de ensino, que têm realizado a formação continuada dos educadores nas escolas públicas estaduais, desde 1997; em substituição a estes profissionais, o Governo acena com a contratação de serviços do setor privado, alheios à realidade das escolas públicas e que oneram os cofres públicos. Cabe, aqui reafirmar a relevância dos CEFAPROS como “instância pública constituída como instrumento de mediação da formação permanente de professores, articulada ao contexto da práxis educativa” (CARVALHO, 2017, p.39).

Como se não bastasse tudo isso, prevê-se a suspensão da eleição de diretores e coordenadores pedagógicos das escolas públicas, cuja conquista data de 1987, e a indicação de profissionais para os referidos cargos, entendido por esta gestão governamental como cargos de sua confiança. Tal decisão constitui-se, por um lado, ataque histórico à gestão democrática e, por outro, um ato de usurpação de direitos: da comunidade escolar eleger diretores, e dos docentes escolherem, entre seus pares, o/a coordenador/a pedagógico/a.

Esse conjunto de ataques orquestrados, e amparados por um falacioso discurso de eficiência e produtividade, parece não ter outro objetivo, senão, o desmonte da educação pública! O horizonte próximo aponta para um espaço público usado para negócios privados, e a educação reduzida a ensino de competências (bem ao gosto do mercado), esvaziada de conteúdos humanísticos e científicos, necessários à formação de sujeitos autônomos, críticos e criativos, e a um desenvolvimento social justo e equilibrado.  Frente a este contexto cabe questionar:

1. O que pensam sobre isso, a sociedade civil e suas organizações populares que tanto lutaram por essas conquistas, hoje atacadas? E, o que estão se propondo a fazer diante dessa situação?

2. Como se dará a formação continuada dos professores e demais profissionais da educação frente ao desmantelamento dos CEFAPROS, e que interesses escondem os que propõem essas medidas?

3. Por que a comunidade escolar está perdendo o direito de eleger diretor de escola e coordenador/a pedagógico/a na instituição pública onde estudam os filhos da classe trabalhadora, e que interesses existem para que a gestão democrática seja alvo de tantos ataques?

4. Por qual motivo o atual governo do estado de Mato Grosso fecha escolas que atendem a populações do campo e da cidade, em suas diversidades econômica, cultural, social, composta por crianças e jovens com desenvolvimentos afetivos e cognitivos tão distintos e que jamais poderiam pagar uma escola privada, por mais precária que fosse? Como justificar tais medidas, ainda mais, se consideramos que estamos em um penoso momento de pandemia de COVID19, que exige dos agentes públicos responsáveis, protocolos sanitários e de biossegurança, rigorosos, o que implica, inclusive, na ampliação de espaços e redução de circulação de pessoas, de modo a receber os estudantes e os professores sem colocar em risco sua saúde?   

5. Por que, em um momento em que a sociedade mais fala em coletividade, solidariedade e inclusão, o Governo estadual, aponta para a exclusão e desagregação social?

6. Que tipo de eficiência e qualidade é essa que o Governo diz estar buscando? Isso aplica-se também, ao aprimoramento dos mecanismos da arrecadação estadual e à taxação daqueles que podem pagar mais? Uma educação de qualidade não se faz apenas com prédios, computadores, etc, mas também, com uma formação profissional crítica e consistente, um currículo apropriado à realidade de cada escola, e, essencialmente, com o respeito e a valorização dos profissionais da educação e dos alunos, como seres humanos, como cidadãos.

Outras questões podem somar-se a estas, no entanto, deixamos para cada cidadão, contribuinte de tributos, e amparado no amplo direito à participação nas tomadas de decisões e no controle social sobre atos governamentais e do poder público, em geral, formulá-las e buscar respostas. E, que essas respostas possam assumir uma dimensão coletiva de enfrentamento estratégico a esses ataques que solapam a democracia e a educação pública!
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