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05/05/2020 - 09:43

Procuram-se amigos

Procuram-se amigos, para hoje, mas pode ser, para amanhã e para depois. Talvez, este seja um “anúncio estratégico” para pendurarmos em nossas portas ou janelas, ou melhor, para fazermos uma campanha, uma #tag, ou um post sobre o tema, nas redes sociais.

Procurar amigos, penso que seja uma boa pedida para estes tempos um tanto desafiadores de pandemia; uma boa sugestão para, a um só tempo, somarmos afetos, reforçando ou criando novos laços, e renovarmos nossos votos na construção de nossas cidadanias, a fim de tentarmos, dentro do possível, consolidarmos um caminho de justiça social para o porvir. Fico pensando nas histórias mirabolantes e divertidas que podem ser trocadas, na chance de dividir, uma vez ou outra, ou, quando for necessário – afinal, estamos a procura de amigos, e não de figurantes – as preocupações e as tensões, que vão pipocando, aqui e acolá, em tempos de isolamento social, e, igualmente, fico pensando nas possibilidades de uma mobilização solidária e cooperativa da comunidade para apoiar, de imediato, aos mais vulneráveis. Fico pensando, também, nas “novas demandas” que, conjuntamente, podem ser refletidas, nos futuros projetos a serem desenvolvidos em parceria, bem como, de um modo mais amplo, fico pensando nas experiências, práticas e teóricas, que podemos socializar para a preservação do pleno funcionamento do regime democrático de governo e para o respeito às garantias constitucionais e aos direitos fundamentais [civis, políticos e sociais]. Acredito – e não é de hoje que venho me manifestando desta forma – que é de mãos dadas, com sensibilidade, sim, muita sensibilidade, que conseguiremos vislumbrar um outro horizonte, com mais cores, sabores, cheiros, saberes e conhecimentos. É com a “aproximação”, que novos amanheceres nascerão, com um novo brilho, com uma nova luz a dissipar a escuridão e a revigorar nossas forças. Por fim, é com diálogo, sim, um diálogo aberto, reflexivo e, sobretudo, propositivo, com ideias e pautas concretas sendo colocadas sobre a mesa, para uma apreciação conjunta, plural e crítica, que superaremos o “senso comum”, os preconceitos enraizados, os achismos e as soberbas de goela, a desinformação, os fanatismos, os extremismos e a ignorância, que não é, nem nunca foi, boa conselheira, ainda que, insistentemente, tente tomar para si esse papel e, infelizmente, às vezes, consiga obter êxito nesse intento.
Procurar amigos, então, é considerar que precisamos do outro, daqueles que estão para além de nós, daqueles que vivem, trabalham, estudam, pesquisam, ensinam, brincam, namoram e riem, para além de nosso campo de visão, ou para além de um certo utilitarismo, com o qual tendemos a olhar para tudo que está ao nosso redor, avaliando o que é útil ou não para mim ou para o meu bolso. Precisamos, porque parte, ou boa parte da solução, para muito do que nos aflige, em nossa histórica [e heroica] tentativa de construção de nossas cidadanias no Brasil, perpassa a compreensão do outro, da diferença.

Para transformarmos [para melhor] a nossa realidade, como tanto desejamos, ou como parte das pessoas deseja – segundo uma visão que, sem delírios e desvios, busque concretizar a dignidade humana do povo, em seus mais variados aspectos e manifestações, levando em conta, para tanto, por um lado, a escuta de suas lutas, esforços e sacrifícios coletivos, e, por outro, a necessidade de se alcançar patamares civilizatórios de oportunidades que sejam iguais e justos para todos – precisamos do outro, do diferente, da diversidade, da outra voz, do outro olhar, pois, sem o outro, continuaremos a chover no molhado, a apostar no mesmo, no mesmo diagnóstico e no mesmo tratamento, que não abarcam a complexidade dos problemas que temos para enfrentar.

Sem o outro, continuaremos a enxergar a realidade de forma míope, embaçada, pela superfície, pelo que se deixa ver, ou pelo que é permitido ver, desprezando, assim, suas potencialidades e suas resistências, que pulsam por vias alternativas, não tão convencionais e, por vezes, não tão divulgadas.

Olá, como você está? Por aqui, seguimos! Espero que você e a sua família estejam bem e que dias melhores venham o quanto antes para todos nós. Tenho começado, mais ou menos assim, as gravações de áudio que encaminho, via WhatsApp, aos amigos que venho encontrando em minha agenda, e aos amigos que me encontram em minhas ligeiras e limitadíssimas idas [para o necessário] ao mercado. Além dos cumprimentos e das saudações [virtuais], aproveito a oportunidade de contato, para embarcarmos, a depender da disponibilidade e de como o papo flui, em uma proveitosa e, quem sabe, quase “reveladora” terapia coletiva, rs. É certo, que essa “terapia” não substitui àquela a ser realizada em condições e em circunstâncias específicas com o auxílio de um profissional da área, diga-se de passagem. A nossa, é mais informal, mais cotidiana, muito provavelmente, mais “viajada” [na maionese], também. Porém, sei lá, passa uma sensação de que todos estamos no mesmo barco, remando [ou tentando remar] juntos contra a maré. Falamos sobre muitas coisas, os temas são variados, desde dicas para cabelos cacheados, assunto que ando curtindo bastante, às notícias e aos fatos do momento. Um combo cheio de possibilidades para falarmos de nós mesmos, de nossas rotinas, nossas dúvidas, inseguranças, medos e incertezas, bem como dos acontecimentos sociais e políticos que determinam, reciprocamente, nossa caminhada individual e em sociedade. Venho notando que é muito bom falar, ouvir, ponderar e, especialmente, ouvir a si mesmo.

Ah! Gostaria de socializar, também, que, às vezes, antes ou depois de uma terapia coletiva – de um momento mais cult, rs, digamos – gasto alguns segundos a mais das gravações, ou, muitos minutos a mais, e não apenas segundos, para contar alguns episódios inusitados, noias, paranoias e desventuras que eu e minha família andamos experimentando. A “bola da vez”, e que me rendeu muitas gravações – porque contei a mesma história em todos os áudios que gravei na semana em que tudo aconteceu – foi o caso batizado por nós de: “O contra-ataque do mal", um momento eletrizante, de muita ação e adrenalina que vivenciamos, um dia desses, em casa. Com um ar dramático, quase emocionado, como se estivesse interpretando uma daquelas histórias melodramáticas que apareciam no Programa da Márcia, na TV aberta, no início dos anos 2000 – um clássico das tardes brasileiras – eu narrava o ocorrido: Naquela noite [por que sempre à noite, não é mesmo?], toda a família estava reunida na cozinha, quando, de repente, uma horda de ratos, literalmente, caindo de paraquedas, começou a invadir o recinto e a dominar a área. A batalha não foi fácil, durou dias, mas, no final, sobrevivemos, felizmente. Não descobrimos as razões da invasão, apenas suspeitamos que a operação, talvez, tenha sido uma represália contra as medidas de dedetização adotadas há algumas semanas. Alguns amigos acreditaram em meu relato, outros não; talvez, eu tenha romanceado um pouco, aumentado, mas que aconteceu, aconteceu.

É, acho que não faltam histórias para lançarmos em uma roda de conversas; não faltam temas para problematizarmos e gastarmos um pouquinho de nossas inteligências; não faltam pautas e causas para refletirmos a respeito, de modo a ladrilharmos outros caminhos: caminhos em dignidades para todos, onde possamos simplesmente ser e existir, não como ilhas isoladas e esquecidas, mas com o outro, em comunhão.

E você, como anda a sua procura de amigos? Caminhando? Se puder, encaminhe uma mensagem ou um áudio de apoio a alguém. Dias melhores virão, e nós seguiremos, construindo nossas redes comunitárias de afetos, parcerias e auxílios.
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