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28/03/2020 - 08:10

O Direito em quarentena – COVID-19 e os impactos da MP 927/2020 no Direito do Trabalho

O direito é um fato social, logo, se há alterações nas relações sociais, por consequência, haverá modificações e efeitos em todo o ordenamento jurídico a fim de adaptar a norma à realidade, de atualizar o direito à evolução da sociedade.

Somos seres inconstantes vivendo em um mundo instável, as previsões não passam de hipóteses, o futuro pertence ao campo do “se”. Projeções podem até ser feitas, mas, o mundo volta e meia demonstra que a única certeza que temos é que o amanhã é incerto, é um mistério.

Há alguns meses tínhamos expectativas e projeções quanto à economia brasileira, não pela política governamental aplicada de forma macro, mas, pelas próprias possibilidades do país gigante em que vivemos, gigantesco em potencial econômico e caminhando a passos largos para a política do laissez-faire (Estado não intervencionista/liberal), porém, o mundo, novamente, demonstrou que as previsões não passam de hipóteses e, comprovando a sua instabilidade, encobriu-as com uma grande onda viral, a pandemia decorrente do CORONA-VÍRUS (covid-19). Assim, diante das alterações nas relações sociais, o direito também teve que se alterar para se adequar ao atual cenário de crise que o país se encontra.

Nesse sentido, o presente artigo, dentre as diversas medidas e alterações promovidas desde o primeiro caso testado positivo no Brasil, traz objeto de análise a Medida Provisória 927 de 22 de março de 2020, momento em que serão apresentadas e esclarecidas as principais alterações e a sua aplicabilidade à sociedade brasileira.

Entre as modificações trazidas pela MP 927, em razão do estado de calamidade pública em que o Brasil se encontra, cita-se o teletrabalho, modalidade bem difundida na atual medida provisória. Em síntese, o Teletrabalho (Home Office) é aquele labor desenvolvido remotamente ou à distância, preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, podendo este, por razão do art. 4º da MP 927/2020, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensando o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, exigindo-se, apenas, o aviso antecipado de 48 (quarenta e oito) horas aos empregados, estagiários e aprendizes sobre a alteração no regime de emprego.

 Assim, diante do presente estado de calamidade, para instituir o trabalho remoto, não haverá necessidade de cumprir com o art. 75 – C, §1º da CLT, vez que o registro prévio da modalidade na CTPS é dispensado, exigindo-se, apenas, o prévio aviso.

Outra alteração promovida foi quanto à antecipação de férias individuais, momento em que o empregador poderá conceder férias antecipadas ao empregado com o pagamento do abono pecuniário de 1/3 que poderá se dar após a concessão das férias até o vencimento da gratificação natalina, que ocorre em 20/12/2020.

Em havendo antecipação de férias individuais, o pagamento da remuneração das férias concedidas poderá ocorrer até o 5º dia útil do mês subsequente ao do início das férias, as quais poderão ser concedidas, independente de ter completado o período aquisitivo, sendo vedada a concessão de férias com um mínimo de 5 (cinco) dias corridos.

Vale salientar que nessa modalidade não se aplicará o aviso de 30 (trinta) dias estabelecido pelo art. 135 da CLT, podendo o empregado ser comunicado, por escrito ou meio eletrônico, com uma antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, vez que o artigo 8º da CLT consagra a prevalência do interesse público, tendo prioridade na concessão os empregados que pertençam ao grupo de risco de contágio do Covid-19.

Agora, caso a concessão das férias se dê de forma coletiva deverá o empregador notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, não se aplicando o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na art. 139, §1º da CLT.

Quanto ao Banco de Horas, fica autorizada a implementação de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, devendo a compensação se dar no prazo de 18 (dezoito) meses, após a data do encerramento do estado de calamidade pública. Ademais, a compensação de horas poderá se dar mediante a prorrogação da jornada de trabalho diária do empregado, desde que não exceda a duas horas, não podendo a jornada se estender para além das 10 (dez) horas diárias.

Outra grande alteração promovida é quanto ao diferimento do recolhimento do FGTS. Conforme expõe o art. 19 da MP 927/2020, fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS das competências março, abril e maio de 2020, com vencimentos, respectivamente, em abril, maio e junho de 2020. Permitindo-se o parcelamento em até 6 (seis) vezes sem a incidência de juros, multa e atualização monetária, do valor decorrente da soma dos débitos de FGTS suspensos, devendo a primeira parcela ser quitada em 07/07/2020.

Por fim, cumpre mencionar que na redação original da MP 927/2020, em seu artigo 18, havia a previsão de suspensão do contrato de trabalho, por um prazo de até 04 (quatro) meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação não presencial oferecido pelo empregador, sem a necessidade de acordo ou convenção coletiva, sendo que, durante o período de suspensão, o empregador poderia conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, com valor definido livremente entre o empregado e empregador, via negociação individual.

Ou seja, se fosse acionada a respectiva medida pelo Empregador, este poderia suspender o contrato de trabalho de empregado por até 4 (quatro) meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação, sendo que a ajuda de custo pelo empregador seria voluntária, ou seja, à sua discricionariedade, sendo que, em optando pela ajuda compensatória, essa não ostentaria natureza salarial.

Contudo, o respectivo artigo foi massivamente criticado pela sociedade e por todos os juristas brasileiros, vez que não estava em conformidade com a Constituição Federal, indo de encontro ao art. 7º, VI, da CF/88 que proíbe a irredutibilidade do salário, a não ser, excepcionalmente, na hipótese de haver negociação coletiva, o que não foi o caso da MP.

Assim, diante da reação negativa ao artigo 18 da MP 927/2020, o Chefe do Poder Executivo mais uma vez recuou e, com a Medida Provisória n. 928/2020, revogou o art. 18 que ele mesmo criou, ou seja, não há mais a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho do empregado por até 04 (quatro) meses, vez que a sua disposição foi revogada.

Desse modo, diante da análise à MP 927/2020, percebe-se que o direito, novamente, teve que se adaptar à instabilidade mundial decorrente da pandemia do COVID-19 para se adequar à realidade social. Deve ser observado que em situações de calamidade pública mundial, políticas públicas devem ser desenvolvidas e o ordenamento jurídico deve ser adaptado.

De fato, estamos vivendo um momento ímpar na história da humanidade e, todos, temos mesmo que minimamente, o conhecimento da dimensão da pandemia e os seus efeitos negativos sobre todo esse mundo globalizado. Assim, não há alternativa a não ser a da adaptação, utilizando das flexibilizações legislativas a fim de impedir prejuízos tanto ao trabalhador, quanto, também, aos Empregadores, mas, sempre com observação ao princípio maior de nossa Constituição Federal, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
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