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11/01/2019 - 09:06

Democracia: um constante “vigiar e agir”

O que cabe a nós – cidadãos e cidadãs – passado o período eleitoral? Tocar a vida como se nada tivesse acontecido? Apenas ser otimista e desejar que tudo corra bem? Pensar que o novo grupo eleito, independentemente de quem seja, pode, com liberdade irrestrita, decidir como quiser o nosso futuro? Ou cruzar os braços?

Vestir a camisa, fazer uma intensa campanha nas ruas e nas redes sociais, empunhar faixas e bandeiras partidárias, são ações que não abarcam por si só a grandeza de um Estado que pretende ser democrático, de um Estado que tenha a democracia como um de seus pilares.

A democracia, enquanto regime de governo, e de conquista – como eu e tantos outros acreditamos que seja –, sustenta-se no compartilhamento do poder político com o povo, e para que esse compartilhamento aconteça, é necessário que arregacemos as mangas, coloquemos a mão na massa, tendo em vista que conformismos, ilusões, distorções e apatias não combinam muito com o seu fortalecimento.

Compartilhar o poder político, como me referi – mesmo que a nossa experiência democrática seja a representativa, aquela em que elegemos pessoas que se candidatam, segundo os critérios estabelecidos na legislação eleitoral, para ocuparem determinados cargos, como o de prefeito, o de vereador e o de governador – não significa dar um cheque em branco a quem for eleito por nós, tampouco significa aceitar [calado] qualquer medida idealizada pelo novo governo, sem fazer sequer um mínimo de reflexão a respeito.

 Compartilhar o poder político – em uma democracia –  é, a um só tempo, participar ativamente para a construção de um projeto de país que se fundamente na dignidade humana e nas garantias para a sua concretização, bem como, criar meios com vistas à participação do povo encontre canais realistas, possíveis, para que aconteça. E assim, unindo essas duas frentes, apostar no que nos é tão caro: a soberania popular.

E apostar na soberania popular, aproveitando a oportunidade para mais algumas explicações, já que enveredamos por este campo – é acreditar que juntos, socializando conhecimentos, saberes e vivências, conseguimos fazer barulho, o que é bom, mas, mais do que isso, é acreditar que nós, de forma articulada e estratégica, conseguimos: num primeiro momento, desfazer as “amarras” e as “armadilhas” que nos afastam dos espaços de poder; e, num segundo momento,  construir mecanismos que nos aproximam da tomada de decisões. E complemento, tendo sempre algo em mente: não há outro lugar melhor que não esse, o público, para estarmos e, especialmente, para resolvermos os nossos desafios comunitários.

Feitas essas considerações, gostaria de voltar aos questionamentos iniciais, a fim de tentar respondê-los e, dentro do possível, costurar mais alguns pontos.

Para mim, não há dúvidas, a democracia se alia e se constitui [reciprocamente] com a construção de nossa cidadania, pois uma não avança sem a outra, ambas são forjadas na luta, a partir de posicionamentos corajosos e audaciosos diante de uma realidade que, por vezes, por motivos dos mais variados, tenta nos retroceder. E as correspondências entre uma e outra não param por aí.   

Democracia e cidadania não são um presente ou uma dádiva, tampouco servem para formar ou justificar – como está na moda – unanimidades, são, na verdade, pressupostos de nossas existências individuais e coletivas, no intuito de prevenir eventuais violações dos direitos e garantias fundamentais já conquistados, e, igualmente, são instrumentos e recursos de combate, no intuito de avançar rumo a outras conquistas, a outros patamares de justiça social, humanizando pelo caminho o que anda um tanto desumanizado, ainda que soe contraditório dizer isso.

Assim, passado o período eleitoral, cabe a nós – cidadãos e cidadãs – não agir como se nada tivesse acontecido, não cruzarmos os braços [...].

Cabe a nós um intenso acompanhamento do que se quer ou não promover nas esferas da Administração Pública, perguntando, discutindo, debatendo, analisando e compreendendo as razões e os efeitos de cada ato administrativo assinado, de cada política pública sugerida e rascunhada, de cada declaração de nossos representantes políticos veiculada na mídia e em seus perfis oficiais nas redes sociais. Afinal, não estamos brincando, não se trata de um jogo, de um campeonato, de uma revanche, política é coisa séria – e como é –, trata-se do destino de milhões de brasileiros.

Cabe a nós fiscalizarmos, exigirmos explicações detalhadas, cobrarmos transparência, lermos, estudarmos e pesquisarmos sobre a complexidade das relações sociais que nos formam, ouvindo sempre [e batendo o pé, se for preciso, para assegurarmos] o contraditório – até porque, não há uma única versão dos fatos, por mais que tentem nos convencer do contrário.

Por fim, cabe a nós discordarmos, resistirmos e nos opormos ao que se mostra, minimamente, inviável e fantasioso; ao que apresenta indícios de que prejudicará o meio ambiente, os povos tradicionais, os quilombolas, os ribeirinhos e o nosso patrimônio histórico-cultural; ao que, de forma desrespeitosa e inescrupulosa, muito em função da ausência de argumentos comprováveis, defende a negação e o revisionismo de tudo.

 E ó, um registro muito importante, para que não me confundam inclusive, quanto a discordarmos, a resistirmos e a nos opormos, como mencionado acima, que fique bem esclarecido,  não por birra, não por torcer contra ou por ser adepto da lógica do “quanto pior melhor”, não porque “o meu” ou “o seu” candidato preferido foi ou não eleito, mas porque, repito, a democracia não combina com conformismos, ilusões, distorções e apatias.

A democracia carece de intensa mobilização, um constante vigiar e agir, dá muito trabalho, viu!? Mas, para ser sincero, espero que continue assim, dando muito trabalho, sinal de que, de algum modo, ela ainda respira.

Sigamos.

José Ricardo Menacho,
Professor do Curso de Direito da UNEMAT/Cáceres-MT
Autor dos livros de crônicas e ensaios
“O Plural do Diverso” (2015) e “Sarau" (2018)
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