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28/12/2018 - 09:51

Educação: prioridade ou apenas “força de expressão”?

Não é de hoje que escutamos que a educação é o caminho para as transformações sociais que tanto desejamos. Em períodos de eleições então, como este que acabamos de vivenciar, aquela declaração vira doce na boca dos candidatos. Nada muito incomum, não é mesmo? Nada que, de certa forma, já não estejamos acostumados.

Bom, de todo modo, pensando nesse assunto e considerando o pleito eleitoral que terminou recentemente, gostaria de compartilhar algumas provocações sobre o tema que há um tempinho me acompanham. Afinal, que projeto de educação nós queremos? Será que as posições que assumimos [ou que assumem por nós], nesse campo, de fato, conseguirão nos levar aos elevados “patamares civilizatórios” que desejamos? Ah! E outra coisa, as propostas descritas nos planos de governo, guardam algum tipo de correspondência com a realidade das escolas públicas no Brasil? E dessas propostas, o que é crível e o que é apenas distração?

Paro, reflito e dialogo com os amigos e com os colegas de profissão, e percebo que a educação, lamentavelmente, continua a correr as ruas como uma palavra de efeito, dessas ditas para ganhar audiência ou simpatia diante de uma plateia. Retórica pura, sabe? Cacoete de oportunista. E não só!

Percebo que a educação, mesmo sendo propagandeada como uma prioridade, continua a ser pensada como sinônimo de instrução – como um treinamento mesmo –, que se limita a produzir e a reproduzir um saber técnico; um saber que se preocupa, exclusivamente, não com deslocamentos, mudanças de rumos ou com um desenvolvimento intelectual plural e aberto, mas com a decodificação de letras, números e sinais, como se os estudantes fossem máquinas.

Percebo, por fim, que o que se espalha sobre o assunto contribui pouco para a construção de espaços de possibilidades emancipatórios, de reconhecimento e de valorização da pessoa humana em sua diversidade e inteireza, em suas relações interpessoais e comunitárias. Até porque, vamos pensar juntos, é mais fácil ou mais difícil darmos vida a ideias e práticas “inovadoras”, que rompam com as contradições de nosso “estado de coisas”, quando só o que temos é uma terra devastada, cujos cuidados sempre foram esquecidos?

Parece-me que a vibe é a de apostar no caos; de apostar em práticas que nos manterão nos “continuísmos” que tanto reclamamos. Parece-me que o lance, não sei se por desespero, descrença, ingenuidade ou outros motivos a se ponderar, é a de não enxergar que o que se dissemina como proposta para a educação, seja por uma fala aqui ou acolá de um candidato, um tanto mal assessorado, seja por uma conversa aqui ou acolá de um dito especialista, financiado, é claro, por algum grupo econômico, seja por uma afirmação aqui ou acolá de algum moralista de plantão, não passa de mais do mesmo – não passa de noções vazias e distorcidas das “pendengas" que, no cotidiano, a rede pública de educação básica enfrenta.

Assim, cabe a nós nos perguntarmos, não uma, não duas, não três, mas constantemente: “que educação nós queremos?”; “quem participará dessa empreitada?”; “quem estará disposto a levantar essa bandeira?”; e quais são seus objetivos?”; “uma educação para transformar ou para manter?”; “uma educação que provoque e estimule ou uma educação que naturalize e acomode?”; uma “educação [da], [na] e [para a] comunidade ou uma educação voltada unicamente aos interesses particulares?”

Com os olhos lá na ponta – onde tudo acontece – para fora dos gabinetes, portanto, posso dizer que os nossos desafios educacionais não se resumem a uma questão de gestão, de gerenciamento, ou de administração de pessoal, como se tudo pudesse se resolver num estalar de dedos, num passe de mágica, sobretudo, como querem nos fazer crer, a partir da mobilização das leis e estratégias empresariais, volta e meia vendidas como uma salvação. Tampouco se resumem a uma questão de metodologia, de práticas pedagógicas, de conteúdo curricular, enfim, do que deve ou não deve ser trabalhado nas salas de aula.

Não. Os nossos desafios são de ordem estrutural, cujas soluções demandam políticas públicas conjuntas, interdependentes, que congregam medidas de naturezas diversas, na saúde, na habitação, no trabalho, na cultura, na segurança e na redistribuição de renda – “a educação não se sustenta por si só”.

Se a educação é prioridade, pois então que a tratemos como tal. E para isso, deixando de lado o casuísmo, o senso comum e a boataria – é, isso mesmo, a boataria, principalmente aquela de grupo de WhatsApp, que anda muito na moda ultimamente – está mais do que na hora de gastarmos nossas energias para a compreensão do funcionamento do orçamento público, dos repasses e financiamentos destinados ao setor: como o orçamento é repartido? Como é aplicado? Por que – quando comparada com outras áreas – a educação, no cômputo geral, continua a não receber uma “fatia maior do bolo”?

Convenhamos, não se faz educação sem investimento qualificado, sem recursos para, por exemplo, criar onde não tem e ampliar onde já tem bolsas de iniciação científica, bolsas monitoria, laboratórios, salas de leitura, bibliotecas, ginásios poliesportivos, auditórios, anfiteatros, um quadro docente permanente, uma equipe multidisciplinar de acolhimento (nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, dentistas e enfermeiros), programas de qualificação e planos de carreira.

Se a educação é prioridade, está mais do que na hora de arregaçarmos as mangas no intuito de apoiarmos os professores e os profissionais técnicos em suas reivindicações. Até porque, as reivindicações deles não são apenas deles, mas de todos nós, uma vez que suas pautas repercutem na formação das crianças, jovens e adultos.

A educação liberta. É, acredito nisso. Acredito também que a educação transforma. Mas entendo que não podemos nos esquecer de sempre nos questionarmos sobre que tipo de libertação e de transformação são essas. Se são profundas ou superficiais? Para que a educação liberte ou transforme, com vistas à concretização de justiça social, ela mesma, antes de tudo, ainda que soe redundante, precisa libertar e transformar a si mesma.

Por uma educação que não seja apenas “força de expressão”.
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