Artigos / Wilson Fuá

16/06/2017 - 09:48

Jorge Bastos Moreno – Verdadeiramente cuiabano

 
           Nossa homenagem ao Jornalista Cuiabano, reconhecido nacionalmente entre os melhores jornalistas do país, e que nunca esqueceu a sua terra natal, e que poucas pessoas e até entre os Sites e Jornais de Mato Grosso pouco conheciam sobre a carreira do jornalista Jorge Bastos Moreno, e entre as suas obras sobre a sua querida Cuiabá, ficará para sempre este artigo publicado no Jornal - O Globo: 

                 DONA MORA - APAIXONADA POR CUIABÁ 
                  (Esposa de Ulisses Guimarães).
       
              Como bem definiu meu marido, mulher de político é viúva de marido vivo. Só somos chamadas para eventos chatos, tipo madrinha de batismo e de casamento de afilhados dos quais nunca ouvimos falar e, também, nunca veremos mais. Assim, partimos para Cuiabá, capital de Mato Grosso, para mais uma dessas missões reservadas às pobres mulheres de político. Margot, minha irmã, sempre cuidadosa comigo, botou na minha mala um cashmere azul que ganhei de Ulysses, que combinava bem com o vestido que a Henriqueta Gomes me trouxe da sua loja, a badalada, na época, Arte Nativa. Realmente, o vestido era muito lindo. Ao contemplá-lo, meu marido não resistiu:

— A arte da Henriqueta deve ser nativa, mas de Paris. E, depois, o Severo ainda reclama que o cobertor está curto — referindo-se à crise na empresa de cobertores Parahyba, da família do casal.

Para variar, o Severo Gomes não deixou de fazer suas pegadinhas:

— Mora, não se esqueça das luvas, fundamentais para as geadas cuiabanas.

Para encurtar história, reproduzo meu diálogo com a simpática aeromoça, no desembarque:

— Está muito frio lá fora?

— Minha senhora, costuma-se dizer aqui que cuiabano, quando vai para o inferno, leva cobertor para fugir do frio.

Cena de Casamento

             Perguntei a Ulysses de quem seríamos padrinhos: “Dante, um peemedebista muito jovem e atuante”

Fomos direto para a igreja. No caminho, lembrei a Ulysses:

— Até agora você não me disse o fundamental: quem é o noivo do qual seremos padrinhos?

E meu marido:

— Você não o conhece...

— Dispensável, a observação. Como ele se chama?

— Dante! Dante de Oliveira, um peemedebista muito jovem e já muito atuante. É um líder local.

           A minha má vontade logo se dissipou quando fui apresentada aos noivos, Dante e Thelma, e às suas famílias, especialmente o patriarca Sebastião Oliveira, mais conhecido como Doutor Paraná.

             Na nossa passagem meteórica pela cidade, Ulysses, mesmo assim, fez questão de me mostrar a Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho, uma réplica da catedral de Notre Dame de Paris. Contou-me tudo sobre ela, desde a construção, iniciada em 1918, quando Dom Aquino Correia era presidente do estado. Eu quis saber onde ele tinha aprendido tudo aquilo:

— Sobre a igreja, li na lista telefônica do hotel. E Dom Aquino é uma das personalidades que mais fascinam o meu professor Paulo Brossard.

Eu me encantei com o artesanato local, as redes e as violas de cocho. E os doces deliciosos de caju, goiaba e o tradicional furrundu --- uma iguaria feita de mamão verde ralado com rapadura, coco ralado, gengibre e cravo, tudo isso cozido em tachos de cobre.

E a peixada pantaneira? Aquilo é o manjar dos deuses: pacu assado recheado com farofa de couve, pintado cozido com mandioca, piraputanga na brasa e farofa de banana-da-terra. Ulysses aderiu logo ao hábito cuiabano de comer paçoca de carne-seca tendo de um lado, na mesa, lascas de rapadura de cana-de-açúcar, e, de outro, uma “bananinha”, como chamam os cuiabanos a todo tipo de banana que se come crua e que não é a da terra.

Confesso que saí de Cuiabá já com saudades daquela família maravilhosa e, ao mesmo tempo, triste, por saber, como eu disse no início aqui da nossa conversa, que, talvez, eu nunca mais a visse, principalmente o meu novo afilhado.

          Ledo engano. A partir desse evento, Cuiabá, que já fazia parte da rota política de meu marido, virou, para ele, caminho da roça. E a culinária cuiabana entrou definitivamente no nosso cardápio. Que me perdoe a Mariana e outras amigas nordestinas, mas, das comidas regionais, para mim não existe nada melhor do que a cozinha pantaneira.

E o meu afilhado? O que foi feito daquele jovem rapaz, a quem meu marido apelidara de “Mosquito Elétrico”?

No primeiro dia da instalação da legislatura 83/86, meu marido chega a casa:

— Mora, você se lembra do nosso afilhado Dante de Oliveira?

— Como esquecê-lo?! Ele não se elegeu deputado?

— Sim, é disso que quero falar. Hoje, na abertura dos trabalhos do Congresso, ele saiu pelo plenário e pelos restaurantes da Câmara pedindo assinatura para uma emenda propondo eleições diretas já!

— Taí, gostei! Jovem ousado! Vai que ele consegue?! Será que convidaria o padrinho para a festa?

— Conseguiria se não estivesse pedindo assinaturas até de jornalistas. Ele cometeu a gafe de pedir a assinatura do jornalista Flamarion Morssi, achando que ele era deputado.

Jamais poderíamos imaginar que aquele rapaz, de cuja intempestividade zombávamos, iria mudar o rumo do país e da nossa vida, em particular.

A emenda que levava o nome do nosso afilhado promoveu a maior mobilização popular de todos os tempos na História deste país — do Vale do Anhangabaú, em São Paulo, à Candelária, no Rio de Janeiro.

— O povo está nas ruas não pelos partidos nem por salários. Mas em defesa de uma figura do direito público. É a coisa mais linda da democracia — proclamava meu marido em entrevistas.

O mundo se voltava para o Brasil. No célebre comício da Candelária, Osmar Santos anunciou a presença do meu marido como “Ulysses Senhor Diretas Guimarães”. “Senhor Diretas” foi o primeiro de uma série de títulos recebidos pelo meu marido, que culminou com o “Senhor Impeachment”.

Caminho sem volta

Na volta do comício de Cuiabá, Ulysses disse a Lula: “Botamos o povo na rua. Quem vai tirá-lo de lá?”

A emenda Dante de Oliveira me levou, pela primeira vez, para a frente dos palanques, ao lado do Senhor Diretas. Nenhuma outra mulher de político apareceu mais nas capas dos jornais e revistas, de mãos dadas com os principais políticos do país, do que eu. Todos queriam saber quem era aquela senhora ali, sempre de braços erguidos, gritando “Diretas, já!”. Era eu, a madrinha do autor da emenda.

Lamentei muito não ter ido ao comício de Cuiabá. Foi, segundo meu marido, um dos espetáculos cívicos mais lindos de que já participou. Não pelo número dos presentes, mas pelos emocionantes discursos de Doutel de Andrade, que representava Brizola, de Lula, do Dante e, principalmente, de Mário Juruna, que resolveu falar na língua de seu povo, a nação Xavante.

A voz firme e forte do índio ecoou pela Praça da República, no centro de Cuiabá. Lembrou-se, Ulysses, do silêncio respeitoso que acompanhou todo o pronunciamento de Juruna e do aplauso final, uma apoteose que uniu as raças ali representadas, ao único som do Hino Nacional — a voz de Tetê Espíndola.

Já de madrugada, no voo da extinta Transbrasil que os trouxe de volta para casa, sentados lado a lado, Ulysses e Lula estampavam, paradoxalmente, um ar de cansaço e tristeza. Tristeza, no meio da alegria, por saber que a festa não era suficiente para mudar os votos do Congresso. Foi aí que meu marido, pela primeira vez, emitiu os primeiros sinais de desânimo:

— Lula, nós botamos o povo nas ruas. 

Quem vai tirá-lo de lá?
 
Wilson Fuá

por Wilson Fuá

É Especialista em Recursos Humanos e Relações Políticas e Sociais
wilsonfua@gmail.com
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