Artigos / Dirceu Cardoso Gonçalves

29/06/2016 - 13:18

Os desvios e a finalidade da Lei Rouanet

               Na sucessão de escândalos que têm chegado ao conhecimento e aumentado o desencanto do povo em relação aos políticos e a seus protegidos, surge agora a revelação da Operação Boca Livre, sobre desvio do dinheiro de renúncia fiscal legalmente destinado à produção cultural. Esses recursos, sabemos agora, têm ido para a realização de eventos corporativos e – pasmem – até o custeio de uma grande festa de casamento. É, mais uma vez, o uso de brechas legais e da deficiência de fiscalização para desvirtuar empreendimentos que, bem aplicados e administrados, poderiam até render bons frutos. A corrupção parece ter se transformado em instituição nacional e prática até daqueles tidos como acima de qualquer suspeita.

                A Lei Rouanet, de 1991, criada para incentivar a produção cultural, carece de urgente remodelação que a retire do alcance dos abutres que desviam os seus dinheiros da finalidade legalmente constituída para o atendimento a interesses pessoais. É absurdo que festa de casamento de um atravessador e eventos de empresas, até de uma multinacional do setor automotivo, tenham sido pagos com esses incentivos fiscais. Felizmente, o Ministério Público, a Polícia e a Justiça já estão cuidando disso e, com certeza, puxarão o fio da meada em busca de mais desmandos da mesma natureza. Importante verificar o envolvimento de servidores públicos, inclusive os das áreas estadual e municipal que possam ter contribuído com as irregularidades.

                Mas, além de combater os desvios, a nova Lei Rouanet tem de passar por correções que fechem a torneira para outros escândalos que se verificam no seu bojo. Esse dinheiro, resultante do desconto de impostos que as empresas deixam de pagar e transferem para os artistas, jamais deveriam ser destinados para nomes consagrados e, para espetáculos que mesmo com o incentivo ainda cobram ingressos ou para a edição de biografias e outras obras destinadas ao culto pessoal desse ou daquele. Também não deveria se permitir o arrastão dos montadores de projetos, que acabam drenando parte dos recursos e muitas vezes inibem o benefício ao pequeno artista, este realmente necessitado de ajuda.

                Descobertas as falcatruas, surge a oportunidade e até a motivação para uma verdadeira reforma na lei de incentivo. Pode ser legal, mas soa muito mal quando sua ajuda vai para artistas que já têm seu lugar ao sol e, como tal, deveriam viver autonomamente. O incentivo só se justifica para os iniciantes e, mesmo assim, durante um tempo de maturação. Afinal, quem se dispõe a viver da arte, não pode ser sustentado indefinidamente por programas oficiais. Se precisar disso, é melhor desistir, e procurar outra coisa para fazer...
Dirceu Cardoso Gonçalves

por Dirceu Cardoso Gonçalves

Tenente – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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