Artigos / Nestor Fidélis

04/05/2016 - 08:43

Um caso de diálogo-barulho conjugal

Eles vivem juntos, casados, há mais de cinco décadas. Passaram por inúmeras dificuldades de todas as ordens, venceram muitos desafios juntos, mas em outras tantas questões têm deixado de se empenhar tanto quanto poderiam se estivessem na mesma sintonia, em propósito de vida com foco em valores imorredouros.

Idosos e com idade bem avançada, já não mais partilham experiências sexuais. Muitas vezes, permitem que as pessoas pensem que eles não se amam, ou que, pelo menos, nem sempre sentem prazer em estarem no mesmo ambiente em que o outro está. 

Porém, isso é apenas aparência, conquanto ambos não queiram “dar o braço a torcer” no que diz respeito a uma aproximação sincera.

Como cada um tem seu quarto no ambiente doméstico e considerando que seus horários para acordar, se alimentar e realizar atividades são totalmente diversos, mas, sobretudo, levando-se em conta que mágoas de atitudes mútuas ainda repousam no coração de cada um, o diálogo deixou de existir, de modo que quando um quer falar com o outro, ou quer que alguma informação chegue ao cônjuge, as estratégias usadas para alcançar o resultado esperado são aquelas tão conhecidas pelas crianças: falar genericamente e para todos num tom de voz que faça a mensagem chegar aos ouvidos do outro; ou mandar recados velados.

Certa madrugada, o marido acordou preocupado, angustiado. Ele ouviu sua velha esposa aos gritos. Ela estaria passando mal, ou seria um pesadelo? Ocorre que o quarto dela ficava de frente para o dele, porta com porta. 

Aflito, mas sem querer falar diretamente com ela, ele se aproximou da porta do quarto dela e faz um barulho característico de quem limpa a garganta, mas de forma mais elevado: rarrãããm. Do lado de dentro do quarto, dela se fez silêncio. Passados alguns segundos ele voltou a fazer aquele barulho: rarrãããm. Ao que finalmente ela respondeu: rarrãããm.

Um interessado no bem estar do outro, mas com dificuldades para vencer o orgulho e o egoísmo que ainda traziam de forma evidente, sentimentos estes que ainda carecem, no caso, de transformação. 

Para tanto, se faz mister que haja interesse real em crescimento espiritual por meio do trabalho mais importante, que é o de se conhecer para, com autocontrole, pacientemente desenvolver virtudes e, com isso, se permitirem uma convivência mais saudável. Mais saudável não somente para com o outro, mas principalmente para consigo mesmo. 

Todavia, escolheram (porque têm o direito a escolher seu próprio caminho) viver longos anos daquela forma, afastados de si mesmos e um em relação ao outro.

Muitos vivem assim, não suportam mais estarem no mesmo ambiente em que vive seu marido ou sua mulher. Mal se falam sem brigar, ou sem criticar. Na verdade, não há casamento em tais situações, inobstante, para os olhos da sociedade falsa e hipócrita, o casal demonstre que vivem “numa boa”. 

Em verdade, em todos os casamentos há desafios no que pertine às questões comportamentais, uma vez que cada um é um ser com sua própria história de vida familiar, com experiências advindas e estudos e trabalhos diversos, com seus desejos, expectativas e muitas frustrações (sobretudo quando as expectativas não são atendidas por serem de responsabilidade de outrem). 

Isso nos leva a concluir que não existe o parceiro ou a parceira ideal, mas sim, aquela pessoa que, pelas leis da vida, inclusive a lei da atração, melhor se encaixa nas necessidades de evolução de cada um. 

Para quem desejamos despertar, o convite é nos dedicarmos por aprender a dialogar, a sermos transparentes, a termos intimidades reais e não meramente animalizadas, a fim de que possamos, entregues de corpo e alma na relação, expor nossas ideias, dizer do que gostamos e do que não gostamos, das ambições, sonharmos juntos, aprendermos a ouvir antes de tudo, sabendo separar o que é um desabafo do que possa ser um pedido de ajuda, pois o casal que dialoga de forma regular e respeitosa tende a lograr cumprir os objetivos primordiais da união conjugal, um colaborando para com o crescimento do outro, o que é possível quando ambos se esforçam por seguir as vozes da consciência e desenvolver o amor e todas as demais virtudes filhas do amor. 
Vale a pena ver o lado positivo do outro, vale a pena buscar mais compreender do que ser compreendido, vale a pena amar.

PS: registro minha gratidão a minha mulher, que me emprestou seu “notebook” para escrever estes pensamentos neste noite de terça, e tem me ajudado a me tornar uma pessoa melhor. Amor da minha vida daqui até a eternidade, nossos destinos foram traçados bem antes da maternidade.
Nestor Fidélis

por Nestor Fidélis

é advogado em Mato Grosso
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