Artigos / José Antônio Lemos dos Santos

20/04/2016 - 13:32

Tiradentes, um herói necessário

     Não tivesse existido, seria necessário inventá-lo, Tiradentes um herói absolutamente necessário nos dias de hoje. No mesmo mês em que é homenageado, encerra-se também o prazo para os brasileiros entregarem suas declarações do Imposto de Rende e recolherem aos cofres públicos o saldo ainda devedor eventualmente apurado. Pode ser que esta coincidência seja apenas mais uma daquelas finas ironias com que a história vez por outra desafia nosso poder de reflexão. Aproveitemos.

     Tiradentes morreu porque conspirou contra o Quinto cobrado pela Coroa Portuguesa e que significava 20% do que ouro produzido! Por essa causa rebelou-se contra a Coroa, propôs a independência do Brasil, e foi traído, enforcado, com seu corpo esquartejado. Seus restos foram exibidos em diversos pontos bem visíveis pelo povo, e sua cabeça exposta na praça pública de Vila Rica. Em 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o brasileiro arcou com uma carga tributária média de 41,37%. Trocando em miúdos isso significa que de tudo o que produzimos, entregamos, em média, mais de 41% para os governos, isto é, para os governos federal, estaduais e municipais somente para manter uma máquina político-administrativa perdulária, improdutiva e que se mostra cada vez mais voraz e cada vez mais corrupta. Traduzindo em dias trabalhados, o brasileiro teve que trabalhar 151 dias em 2015, até o dia 31 de maio, o mesmo que em 2014 exclusivamente para alimentar a sanha dos governos, inclusos Executivo, Legislativo e Judiciário. Em média! Tem gente que paga muito mais. Durante cinco meses tivemos o povo, patrões, empregados e autônomos “carregando pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais”, como já cantou um dia o Chico Buarque dos bons tempos.

     Não se trata de atacar este ou aquele governo. A voracidade fiscal vem de muito tempo. Em 1947, quando tínhamos o cuiabano Eurico Gaspar Dutra como Presidente, a mordida do governo ficava em 13,8% do PIB e em 1962 era 15,8%, tendo chegado aos “insuportáveis” 18,7% em 1957, quando da construção de Brasília. Em 1992 já girava em torno dos 26% e de lá para cá disparou, chegando em 1994 aos 29,8%, 35,84% em 2002 e para mais de 41% no ano passado. Quanto será este ano? Governar assim é fácil, principalmente quando não se tem a menor preocupação em oferecer a infraestrutura e os serviços públicos de qualidade em troca de tão generosa contribuição. Só que agora a situação é pior. Não bastasse a expropriação voraz do produto do trabalho brasileiro hoje ela vem com as confissões cínicas de roubos por parte de bandidos, elevados à condição de “heróis da pátria” que somos obrigados, impotentes e envergonhados, a engolir cotidianamente em nossas salas diante de nossos filhos e netos. Até onde vamos?

     Tiradentes virou herói nacional com a República. Mas sua imagem também foi sendo pouco a pouco adaptada aos interesses do poder. Virou o herói da Liberdade, da Independência e da Democracia, sem referência à sua principal luta, contra a opressão fiscal a que era submetido o povo brasileiro pelo governo da época. Transformaram-no em um herói aceitável, cooptado com suas marquetadas barbas longas como as de um profeta e sua túnica angelicalmente alva como se fosse um daqueles doces e meigos santinhos de papel.

     Tiradentes, patrono dos nossos valorosos policiais militares é um herói atualíssimo que precisa ser resgatado na essência de sua mais importante luta. Quem dera sua figura inspirasse um pouco de bravura aos seus conterrâneos, impelindo-os a exigir que a coisa pública seja um dia tratada, não como um butim apropriado por uma minoria, mas com o devido respeito republicano, em favor de todo o povo brasileiro.  
José Antônio Lemos dos Santos

por José Antônio Lemos dos Santos

É arquiteto e urbanista, e professor universitário em Mato Grosso.
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