Artigos / Rinaldo Segundo

05/04/2016 - 17:00

Mudando a Amazônia: o Social

“Mudança é arriscado, muda-se o palavreado/ Mas o indicado/ Isso ele não muda, não/ O indicado deve... [ter] um mofo do passado.” Gilberto Gil,Pode Waldir?

Qualquer proposta para a Amazônia deve considerar seus 23 milhões de habitantes. Se isso não autoriza o desmatamento ilegal, isso necessariamente obriga a criação de estratégias desenvolvimentistas sustentáveis para todos.

As estratégias desenvolvimentistas podem ser focadas em capital ou em pessoas. No primeiro caso, acumula-se capital em capitalistas escolhidos para implementar o desenvolvimento, enquanto no segundo caso, o desenvolvimento considera as pessoas, com capital ou não. Exemplificam o segundo caso: a inclusão de população excluída aos mercados e programas de habitação, educação e saúde.

Desafiando o costume desenvolvimentista de acumular capital na mão de poucas pessoas, uma estratégia baseada nas pessoas amplia o uso de mão de obra e, portanto, o acesso à prosperidade. Elas reduzem, também, o êxodo rural, a urbanização desordenada, a miséria e a fome. Desde que os 23 milhões de habitantes amazônicos são pessoas (e, portanto, tem necessidades e desejos), e desde que tais pessoas exercem pressão sobre o meio ambiente amazônico, as estratégias focadas nas pessoas são necessárias para o desenvolvimento sustentável amazônico.

Um exemplo disso poderia ter sido feito no passado e não foi. Com a exploração da borracha amazônica no final do século passado, a Amazônia viveu prosperidade ímpar. Todo o mercado da nascente borracha mundial (fartamente utilizada na indústria automobilística) era amazônico. Havia, de fato, um monopólio amazônico, porém, isso não se reverteu para a população amazônica. Faltou, à época, intervenção governamental para redefinir as relações de produção. Há 120 anos teria sido transformador um imposto educacional arrecadado a partir do estabelecimento de um preço mínimo de comercialização do látex amazônico, quando nenhum outro país o produzia, condicionando a venda do látex também à escolarização obrigatória de todos os filhos de seringueiros que estudariam em escolas financiadas pelo imposto educacional . Isso teria mudado a vida dos seringueiros, inclusive com a segurança que apenas a educação propicia. A educação de qualidade e integral é um exemplo de política inclusiva pautada nas pessoas. Mas, isso é um consenso nacional; claro, retoricamente.

Há outras políticas de desenvolvimento focadas nas pessoas menos óbvias, porém. Políticas que oportunizem a todos grupos sociais, excluídos ou não, a prosperidade econômica, seja tornando mais eficiente a produção, seja melhorando equipamentos sociais. Políticas que sirvam como anteparos à desejada, mas insuficiente industrialização. Esta produz prosperidade, mas seus benefícios não alcançam a todos. Eliminar a exclusão, que atinge trabalhadores informais e precários, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc..., deve pautar uma nova perspectiva desenvolvimentista, que garanta a busca da prosperidade a todos, conforme seus interesses, ambições e esforços.

Uma estratégia assim teria alto custo operacional, pois múltiplos são os beneficiários e a realidade dos diferentes grupos amazônicos. Igualmente, a falta de espirito capitalista de seus membros também pode encarecer tal estratégia. As vantagens seriam: a inclusão de grupos excluídos do desenvolvimento tradicional, o enfraquecimento do poder político tradicional (agrário) e a redução das desigualdades econômicas e sociais.

A democratização, a criação e a adaptação tecnológica acessível a tais grupos é uma forma de estimular a prosperidade de tais grupos. Projetos e financiamentos que estimulem posições protagonistas nas cadeias produtivas amazônicas é outra ideia.

A falta de tradição empreendedora não torna a estratégia focada em pessoas (grupos excluídos ou periféricos do desenvolvimento amazônico) pior que as estratégias focadas no capital, com riscos financeiros maiores ante aos altos valores financiados além de concentradoras de renda. Ou seja, é possível haver um equilíbrio maior entre capital e pessoas.

Mudar nem sempre é fácil, mas mudar o paradigma de desenvolvimento amazônico para democratizá-lo é necessário. Sem o mofo do passado,diferentes realidades econômicas e grupos sociais teriam diferentes estratégias desenvolvimentistas. Evita-se, assim, repetir clássicos modelos desenvolvimentistas, concentradores de oportunidades e renda.

*Artigo 11 da série de artigos Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.
Rinaldo Segundo

por Rinaldo Segundo

É promotor de justiça no MPE/MT e mestre em direito (Harvard Law School), é autor do livro “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia: menos desmatamento, desperdício e pobreza, mais preservação, alimentos e riqueza,” Juruá Editora.
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