Artigos / Odair José

23/06/2015 - 12:06

A Mercantilização das Almas (1ª Parte)

          Este artigo tem como finalidade problematizar uma questão que muito tem me atormentado nos últimos tempos. Procuro apenas deixar fluir minhas ideias com relação ao tema no objetivo de compartilhar com os leitores uma angústia na alma pelo que vemos no mundo atual. Me refiro ao que denomino “Mercantilização das Almas”, ou seja, essa forma exacerbada que virou o comércio religioso no mundo capitalista em que estamos inseridos. Na verdade, o que tenho comigo é uma revolta sobre todo o processo que envolve as almas e como as pessoas fazem comércio da fé, principalmente da fé cristã.

            Não me atenho as outras religiões, mas exclusivamente a religião cristã, isto é, o cristianismo. O que percebo, e coloco em discussão, não é a fé em si, ou se o cristianismo é a religião verdadeira ou não, o que coloco em questão é a forma que se utiliza a fé cristã para ganhar dinheiro ao longo dos tempos. O comércio que gera bilhões em cifras aos cofres das igrejas e utiliza a fé dos incautos para a propagação de ideologias que deturpam o verdadeiro evangelho.

            Neste sentido, propus-me a debruçar sobre o assunto e, na medida do possível, estar levantando questões, ao meu ver, bastante pertinentes para entendermos a atual conjuntura do mundo religioso que nos cerca. De antemão, confesso que não é possível deixarmos nossas crenças de lado, por isso, não sou demagogo em dizer que serei imparcial. Acho que isso é praticamente impossível. Mas, procuro ser ético no desdobramento de minhas idéias e esclarecer o porque penso dessa forma e não de outra.

            Neste artigo procuro dialogar sobre alguns assuntos como os usos e costumes, doutrinas de homens e doutrinas de demônios, negar-se a si mesmo, teologia da prosperidade, riquezas materiais, proliferação de novas denominações, pastores milionarios, entre outros temas que se fizer pertinentes.

 
(Dinheiro e fé)
 
            Já afirmava Voltaire que em questões de dinheiro temos todos a mesma religião. Esse é um pensamento que me veio a mente quando, distraidamente sai de um culto na igreja onde sou membro e me desloquei para outra região da cidade para ver um culto que acontecia em outra igreja da mesma denominação da minha. No caminho, passei por duas avenidas movimentadas e atentei-me para o fato de quantas igrejas estavam com suas portas abertas naquela noite. Em uma das avenidas  contei mais de cinco igrejas e na outra avenida outras cinco ou mais igrejas abertas. Algumas bem próxima das outras. Fiquei pensando o porque de tamanha proliferação de igrejas. Comecei a pensar na questão dos interesses. Alguns com o interesse da salvação de suas almas e perdão dos pecados, outros com o interesse de ganhar dinheiro e lucrar com a fé dos outros. Como distinguir um grupo do outro?

            O que passou pela minha mente foi problematizar um tema que estabeleço aqui como a mercantilização das almas. Segundo o dicionário, mercantilização é [s.f. Ação ou efeito de mercantilizar. Fazer com que seja comercializado; transformar (alguma coisa) em mercadoria: mercantilização da segurança pública.]. Por outro lado, alma é [s.f. Princípio espiritual do homem, por oposição ao corpo. Qualidades morais, boas ou más: alma nobre, abjeta. Consciência, caráter, sentimento: grandeza de alma.]. Neste sentido, mercantilização das almas significa mercantilizar a alma do indivíduo. Logicamente que se voltarmos um pouco no tempo vamos entender que Martinho Lutero provocou a Reforma Protestante justamente porque não concordava com a exploração da Igreja Católica e suas indulgências. Naquela época vendia-se tudo, inclusive a salvação. No entanto, hoje não está muito diferente. O que vemos é uma grande parcela dos “cristãos” servindo a Deus em troco de prosperidade. “Deus é o dono do ouro e da prata”, “Não nascemos para ser cauda e sim cabeça”, “exercite a sua fé” são jargões que mais se ouvem dizer nas reuniões evangélicas.

            Outro dia estudando sobre o Livro de Atos, observei a postura de Pedro e João quando se depara com aquele coxo que pedia esmola na porta do Templo. “Não temos ouro e nem prata” disseram eles para o coxo, mas o que temos isto te damos “em nome de Jesus Cristo, levanta e anda”. Hoje, a maioria das igrejas já não podem dizer que não tem ouro e nem prata, mas também não pode dizer “em nome de Jesus Cristo” porque o Jesus que eles pregam não tem nada haver com o Jesus dos Evangelhos.

            Não quero generalizar e nem julgar qualquer que seja a ideologia cristã. Mas, fato é que ser evangélico hoje em dia, principalmente no Brasil, virou sinônimo de status. Todos querem ser evangélicos, mas querem um evangelho que se adapte a eles. Negar a si mesmo, nem pensar. O ter é superior ao ser. Buscar o reino de Deus em primeiro lugar, de jeito nenhum, devemos usufruir as riquezas aqui na terra. Essa é uma das causas de tantas igrejas. Todos os dias se abrem novos pontos de cultos e uma nova denominação. Tem mais “pastores” que membros. Uma enxurrada de falsos ensinos e uma teologia doente prolifera pelos mais diferentes segmentos religiosos. Para onde caminha a humanidade? É fato que isso é um dos sinais dos fim dos tempos. Falsos profetas e falsos ensinos. Mas o que levam, cada vez mais, um enorme contigente de pessoas a seguirem essas ideologias?

            Voltando a idéia do filósofo acima citado, em termos de dinheiro temos todos a mesma religião. Isso significa dizer que, no mundo capitalista, o que move a grande massa é o capital. Por isso vemos algumas aberrações nos meios evangélicos. Um evangelho medíocre que é pregado e que só fala em dinheiro. Pessoas que solapam a fé de indivíduos simplórios e sugam-lhes, além do seu dinheiro, sua esperança. Megas igrejas que são construídas com o suor e dinheiro de pobres pessoas que acreditam estar contribuindo para a expansão do Reino de Deus. Como escapar dessas ciladas armadas por lobos devoradores. Bispos que desfilam em carros luxuosos adquiridos com dinheiro de pobres pessoas que não tem nem onde morar e que se gabam de serem embaixadores de Cristo na terra. Apóstolos que mostram a suntuosidade de seus bens adquiridos com a exploração da fé de pessoas simples.

            Em épocas remotas proibiam a leitura e o conhecimento para se ter domínio sobre as mentes, hoje, distorcem as doutrinas e mantém o povo que, na sua grande maioria não têm o hábito da leitura. E, por não ter o hábito da leitura, são facilmente enganados por falsas doutrinas e ensinos distorcidos das escrituras sagradas. O camarada pega um trecho de um versículo, as vezes parte de um versículo para sustentar uma idéia. E a pessoa, em vez de ver o seu contexto para certificar se realmente é daquela forma têm preguiça de ler e acaba sendo engabelados pelos larápios de mentes da modernidade. Usam o nome de Jesus para ganhar dinheiro.
           
Compartilho com a idéia de que a pregação religiosa, capitalista e consumista usa a fé para atrair as massas e manipulá-las pelos seus lideres religiosos. Fazendo as pessoas de marionetes, dominadas por uma pregação barata sem Deus, pregação manipuladora e sugestiva. Quando eles não conseguem dominar as pessoas com o que dizem, dizendo que é a orientação de Deus para a vida delas, eles apelam para o diabo, dizendo que ele e o culpado dos problemas e da falta de fé. Com isso conseguem os seus intentos e seus “cofres” cheios.
           
Não quero entrar no mérito do dinheiro e a forma como ele foi inserido e/ou deixado de ser inserido no meio religioso, mas quero problematizar o quanto ele é o “deus” principal em muitas das igrejas de hoje em dia. Vi um fato que me chamou a atenção algum tempo atrás. Fui convidado a ir numa dessas igrejas de “ponta de rua”, dessas que o camarada não se conformou com a doutrina de onde estava e resolveu criar seus próprios dogmas e “apascentar” suas próprias ovelhas. Pois bem, fui convidado porque lá estaria “pregando” a palavra um grande “avivalista”, um homem “usado” por Deus. O que aconteceu de curioso na história é que me atrasei um pouco porque me perdi na localização, coisa que não gosto. Sou sempre pontual e gosto de chegar na igreja cedo, antes de começar o culto. Mas, naquele dia me atrasei devido as circunstâncias e notei um fato. Um jovem anotava algumas placas das motos que estavam estacionadas próximo à igreja. Não me atentei na hora para o que estava acontecendo, mas logo eu ia me dar conta. Procurei um lugar para me sentar e fiquei prestando atenção no que acontecia. Logicamente que a liturgia do culto não me atraía nem um pouco. No meu ponto de vista era muito barulho para pouca ou nenhuma unção. Mas tudo bem. Era só uma visita. Quando o “pregador” começou a anunciar a “palavra” já notei que não seria nada fácil ouvir aquela ladainha de “receba, receba”. Nem vou entrar no mérito de que o que aquele camarada falou não tinha um pingo de fundamentação bíblica, era tudo falácias fraudulentas e as pessoas dondo “glórias a Deus”. Santa ingenuidade! No auge da sua mensagem, o dito “pregador” começou a “profetizar” bênçãos nas vidas de alguns que exercitasse sua fé naquela noite. Foi então que percebi o que tinha acontecido. No púlpito estava a folhinha que o jovem anotava as placas lá no estacionamento. O “profeta” agora profetizava que alguém ali naquela noite que tinha uma moto com a placa tal iria receber, se exercitasse sua fé, uma bênção de Deus e logo trocaria a moto por um carro. Eu pensava que já tinha visto de tudo neste mundo, mas não vi mesmo. Este incidente me fez pensar sobre essas questões. Como as pessoas se deixam manipular desse jeito ainda? Como as pessoas tem coragem de agir de forma tão inescrupulosa?
 
            Obs. Esse texto continua...
Odair José

por Odair José

Poeta e Escritor Cacerense, professor de História, especialista em Gestão Ambiental e Técnico Administrativo daUnemat.
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2 comentários

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  • por Erffeson, em 06.05.2019 às 06:56

    Muito bom.

  • por jean, em 05.07.2015 às 17:12

    que texto magnífico.

 
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