Artigos / José Antônio Lemos dos Santos

15/10/2014 - 07:20

Chocadeiras high-tech

Faz parte do folclore político local o “coronel” cuja fazenda tinha uma urna conhecida como “chocadeira” pela homogeneidade dos votos, sempre coincidentes com sua preferência eleitoral. Conta a lenda que ao votar, e era o tempo da cédula eleitoral de papel, o eleitor entregava a cédula ao “coronel”, que marcava o voto, dobrava a cédula e devolvia ao eleitor para depositar na urna sob seu olhar atento. Após votar o eleitor indagava em quem havia votado e o “coronel” respondia que não podia dizer, pois o voto era secreto. 

     Hoje, nos tempos dos computadores e da internet, é claro que nosso sistema eleitoral evoluiu em muitos aspectos. Mas não em todos, em especial, nas eleições proporcionais. Com todo respeito à Justiça Eleitoral, mas ao não divulgar as listas dos candidatos por partido ou coligação ela vem agindo como o “coronel” do nosso folclore. Ora, todos sabem que o voto nas eleições proporcionais não é um voto individual como nas eleições majoritárias. Nas proporcionais vota-se em candidatos que formam um time (partido ou coligação) que ganhará um número de cadeiras legislativas em proporção ao total de votos recebidos através de seus candidatos, cadeiras que serão ocupadas só pelos mais votados do time. Em suma, o eleitor dá a cadeira ao time sem saber quem do time sentará nela, podendo não ser aquele em quem votou. Aliás, o eleitor não fica sequer sabendo quem são os outros candidatos do time, pois a Justiça não divulga as escalações. Aí o problema: nestas eleições, por exemplo, para Deputado Federal 757.546 eleitores elegeram seus escolhidos, mas 577.546 não, votaram em um e elegeram outros, muitas vezes de sua repugnância política. Pura desinformação. Pior, ainda levam a culpa pela qualidade dos eleitos. 

     Analiso como exemplo o caso do candidato eleito com menor número de votos para Deputado Federal nestas eleições de 2014 em Mato Grosso, sem qualquer demérito ao candidato, pois, afinal, certo ou não, é assim que as eleições estão acontecendo.

O quociente eleitoral para a Câmara Federal este ano foi 181.826 votos, ou seja, este é o “preço” em votos de cada uma das cadeiras para Deputado Federal em Mato Grosso.

Ora, o candidato recebeu exatos 62.923 votos, isto é, cerca de um terço dos votos necessários para a conquista da cadeira que irá ocupar em Brasília. Para inteirar o “preço” precisou de 118.903 votos a mais, quase o dobro de sua votação nominal, votos que não foram dados a ele e sim a outros candidatos do partido ou coligação.

O mais votado também precisou inteirar o quociente fazendo uso de 54.077 votos dados a outros candidatos de sua coligação. Mas até aí tudo bem, pois assim são as eleições proporcionais.

O que questiono é se estes eleitores cujos votos foram usados para completar o quociente eleitoral sabiam que seu voto poderia ir para o candidato que foi eleito. Seria de seu gosto a eleição ou reeleição desse candidato?

Passadas as eleições, será que estes eleitores já sabem quem de fato elegeram. Algum dia saberão? Saber quem seu voto elegeu deveria ser um direito do eleitor, até para poder cobrar dos eleitos. Ou não é? 

     As eleições proporcionais são fundamentais à democracia, mas não como acontecem no Brasil. Aqui, ao invés de ferramentas democráticas, desconstroem quaisquer resquícios da representatividade popular buscada pelas eleições.

Favorece os maus candidatos que se escondem na desinformação da votação e só aparecem na apuração.

A cada eleição entendo menos o porquê da Justiça Eleitoral não divulgar massivamente as listas dos candidatos por partidos ou coligações, combinadas com explicações sobre o funcionamento das eleições proporcionais. Seria melhor para o eleitor e para as eleições. Por que não? 
José Antônio Lemos dos Santos

por José Antônio Lemos dos Santos

É arquiteto e urbanista, e professor universitário em Mato Grosso.
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