Artigos / Marcelo Horn

07/05/2022 - 07:25

NÃO PERDOARÁS CRIME NENHUM. OU PERDOARÁS?

O noticiário político ficou movimentado com a concessão de indulto individual, também conhecido como graça, ao deputado Daniel Silveira pelo presidente Jair Bolsonaro um dia após a sessão de julgamento do STF que condenou o parlamentar a 8 anos e 9 meses de prisão por dispositivos da lei penal e da Lei de Segurança Nacional.

O tempo de execução da manobra presidencial chocou o cenário institucional.

A decisão do pleno da Corte Constitucional sequer havia transitado em julgado existindo a possibilidade de interposição de recurso antes de se tornar definitiva.

O tempo em que as coisas se sucedem imprime noções de velocidade e impacto.

O tempo em que as coisas realmente sucedem pode trazer impressões e consequências diferentes.

No primeiro momento uma sensação de ofensa à instituição, uma quebra da ordem, na qual o lugar do intérprete da Constituição havia sido usurpado, o indulto individual concedido por Jair Bolsonaro a Daniel Silveira estabelecendo o limite do direito de liberdade de expressão, papel esse que pertence à própria Corte Constitucional, última guardiã e última intérprete do texto de nossa Carta Política.

Cinco partidos de oposição ao governo imediatamente deduziram arguições de descumprimento de preceito fundamental inquinando o indulto individual do Presidente da República ao parlamentar aliado de inconstitucionalidade.

As ações foram distribuídas para a ministra Rosa Weber que pediu informações e não concedeu liminarmente ao pedido de anulação do decreto presidencial. A Corte Constitucional também não tem um prazo determinado para o julgamento do mérito dos pedidos.
Se há, como as há, duas prerrogativas fortes da Corte Constitucional são elas: a de decidir o que será levado a julgamento, a de proferir sempre a última palavra sobre a controvérsia apresentada.

Nada indica que o julgamento das arguições apresentadas pelos partidos será breve.

A pauta de julgamentos do primeiro semestre do colegiado pleno do Tribunal já está fechada. Os julgamentos nas sessões do pleno para o segundo semestre do ano ainda não foram divulgados.

O perdão do crime.

A lei estabelece três espécies próprias de perdão do crime: a anistia, o indulto coletivo ou individual (graça) e o perdão judicial, além de algumas espécies impróprias como o instituto da abolição do crime (descriminalização), o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia nos crimes fiscais e o mais polêmico perdão da vítima em delitos contra a liberdade sexual, muito criticado pela doutrina dada a possibilidade de que se configure como uma perpetuação da violência e do abuso puníveis.

Anistia. De longe, dos perdões próprios, o perdão do crime mais amplo é o da anistia, cujo poder de concessão, prerrogativa, ficou a cargo do Congresso Nacional. Somente pode ser estabelecido por lei e por rito legislativo.

A anistia, justamente por causa do rito legislativo, não precisa esperar a ocorrência de coisa julgada para sua edição.

Pode ocorrer em qualquer fase do processo em que se encontre o beneficiário.

A anistia exclui a culpabilidade e faz com o crime deixe de existir por ausência de elemento normativo do tipo penal.

Indulto coletivo ou individual (graça). No meio termo vem o indulto coletivo ou individual (graça) que foi concedido pelo Presidente ao parlamentar aliado pois é uma prerrogativa do Chefe do Poder Executivo.

Ele é mais limitado que a anistia.

Ao invés de excluir a culpabilidade ele extingue a punibilidade, isto é, extingue a pretensão de execução da pena aplicada ao beneficiário.

Como se trata de extinção da punibilidade alguém pode se perguntar se os indultos exigem o trânsito em julgado definitivo da condenação.

A resposta, em princípio, é que, sim, os indultos exigem o trânsito em julgado.

Na verdade, o que ocorre nos indultos coletivos é que os juízes da execução penal, para beneficiar o maior número possível de pessoas, estão autorizados pela Lei de Execuções Penais a fazer um cálculo exacerbado da pena definitiva daqueles que ainda pende recurso que pode modificar a pena definitiva, concedendo o indulto coletivo a todos que se enquadrarem nas regras mesmo que não haja sido imposta a condenação definitiva.

É de se perguntar se a mesma coisa vale para o indulto individual e a resposta será em princípio não, porque a lei, no caso específico do indulto individual menciona que o beneficiário será pessoa condenada por crime comum ou contravenção penal.

Diferente do individual, o indulto coletivo não pode ser concedido para qualquer crime comum, somente aos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, limitado, ainda, ao tamanho da pena aplicada ao agente do delito.

A graça (indulto individual), espécie concedida pelo Presidente ao parlamentar aliado em tese poderia ser concedida mesmo em caso de condenação por crime violento, exceto pela limitação da Lei de Crimes Hediondos, que proíbe qualquer forma de perdão (exceto a anistia) para os crimes considerados hediondos ou a eles equiparados pela Constituição.

Perdão judicial O mais limitado dos perdões do crime é o perdão judicial, que é uma prerrogativa dos juízes criminais, do Poder Judiciário.

Ele precisa vir expresso na legislação criminal. Ele exclui a culpabilidade ou extingue a punibilidade conforme a previsão da lei, no caso do pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia ou, no caso do perdão judicial do homicídio culposo cometido por ascendente contra descendente.

Essa última é a única hipótese de perdão de um homicídio, o perdão judicial mesmo sendo a mais fraca espécie de perdão do crime alcança até mesmo o homicídio culposo de ascendente contra descendente.

O perdão do Presidente ao parlamentar aliado.

Os leitores já conhecem provavelmente todas as teses que impugnam ou defendem o indulto concedido por Jair Bolsonaro a Daniel Silveira. Desde o parecer da OAB pela inconstitucionalidade da graça concedida, aos argumentos desfiados nas cinco arguições de descumprimento de preceito fundamental opostas pelos partidos de oposição ao governo no STF, à nota dos juristas que se puseram ao lado da constitucionalidade do decreto.

Com efeito, os argumentos por ora não importam.

O Supremo terá que decidir no futuro qual o argumento vencedor.

Muitos têm compartilhado um vídeo de julgamento ocorrido no Supremo, sobre o indulto coletivo (natalino) concedido pelo então presidente Michel Temer, onde o relator do atual caso, ministro Alexandre de Morais aparece dizendo que o indulto é uma prerrogativa do Chefe do Poder Executivo, que isso não se discute.

Mas, o curioso é que no julgamento apresentado no vídeo, recortado da versão integral, ministro Alexandre de Morais defende exatamente a tese de que, apesar de ser uma prerrogativa presidencial, o ato do chefe do executivo está sujeito, sim, ao controle e revisão judicial.

Então, como se viu naquele julgamento, o decreto de indulto não é autoaplicável.

É necessário que se requeira ao juiz da Vara de Execuções Penais, na hipótese de a condenação haver transitado em julgado, a declaração de extinção da punibilidade.

Nas hipóteses em que não houver o trânsito em julgado o mesmo pedido deve ser feito ao relator do processo ou juiz natural do caso.

Nem o juiz das execuções e tampouco o juiz natural do caso possuem poderes ou legitimidade para anular ou fazer o controle e revisão judicial do decreto, é uma prerrogativa presidencial.

Diante do requerimento de extinção da punibilidade devem aplicar o decreto de indulto e conceder.

O controle e revisão judicial ficam noutra esfera, ainda que sejam no mesmo STF. Extinção da punibilidade consequências penais secundárias e extrapenais.

A extinção da punibilidade não alcança as consequências penais secundárias e extrapenais da condenação.

No caso do parlamentar aliado do Presidente a cassação do mandato é uma consequência penal secundária e a inelegibilidade é uma consequência extrapenal.

A questão já é definitivamente regulada por direito sumular.

Nem o juiz de execuções e tampouco o juiz natural e relator do caso podem aplicar as consequências penais secundárias porque o réu é um parlamentar.

Nesse caso, manifesta-se o Congresso Nacional para a aplicação da perda de mandato.

No campo das consequências extrapenais, no caso a inelegibilidade, o relator do caso terá a última palavra.

O Senado e a Câmara dos Deputados já indicam que o final do mês de setembro ou início do mês de outubro são datas possíveis para a apreciação da consequência penal secundária da perda de mandato do parlamentar.

Sobre a consequência extrapenal de inelegibilidade o relator deve se manifestar já na oportunidade do trânsito em julgado da condenação.

Direito & Política. Direito e política são campos que se influenciam mutuamente e muito.

Mas não podem ser confundidos.

No fim das contas as ferramentas de cada um dos campos têm embocaduras diferentes, os relógios de um e de outro não funcionam no mesmo ritmo.

A decisão final sobre o decreto presidencial, sobre sua validade ou anulação, somente deverá ocorrer perto do final do ano, considerando o número máximo de sessões de julgamento do pleno do STF.

Até a final manifestação da Corte Constitucional o decreto de indulto individual do Presidente para o parlamentar seu aliado deve ser presumidamente legítimo e válido.

A prescrição da pena da condenação do parlamentar – na ausência de recurso – só irá ocorrer daqui a dezesseis anos e começará a contar depois da decisão final dos juízes nas arguições de descumprimento de preceito fundamental opostas pelos partidos de oposição ao indulto presidencial.
Marcelo Horn

por Marcelo Horn

Advogado e professor universitário (UNEMAT), Especialista em Direito Público, Mestre em Direito, Doutorando em Linguística.
 

 
 
 
 
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