Artigos / Marcelo Horn

03/11/2021 - 11:40

O que mudou na Lei de Improbidade Administrativa

O esforço de preservação da honestidade e lisura dos atos da Administração Pública sempre traz uma grande, senão enorme, quantidade de risco para o gestor público, a ponto de, em muitas situações cotidianas de tomada de decisão, hesitar diante dos problemas ou mesmo de omissão na pratica de atos que, por sua vez, podem inviabilizar políticas públicas importantes para um grupo social determinado, para a sociedade numa circunstância importante e para indivíduos titulares de direito líquido e certo.

Toda decisão (administrativa, empresarial, individual) comporta uma margem de risco. Nas administrativas os riscos variam desde a ilegalidade propriamente dita até a ilicitude em geral representada pela falta de lisura e correção estreita do ato praticado.

A grande pressão da sociedade pelo fim da impunidade representada pelas manchetes da mídia e comunicação em geral, de certo modo, emparedou a gestão pública, atando a Administração em profunda atividade de cálculo de risco, atrasando decisões importantes, a ponto de, por exemplo não atender um compromisso importante na capital porque o motorista da instituição estourou uma cota de diárias de deslocamento.

Essa condição exacerbada levou o legislador a modificar a LIA Lei de Improbidade Administrativa com todo um foco na redução de riscos na tomada de decisão dos gestores públicos como é o caso da exigência de dolo (a intenção do agente em ser desonesto ou de praticar desonestidade).

O presente ensaio abordará as alterações e inovações relacionadas com a medida cautelar da indisponibilidade de bens, especialmente aquelas previstas no art. 16 da Nova Lei, as quais se entende terem sido benéficas e necessárias ao sistema sancionador de atos ímprobos bem como de redução do cálculo de risco da atividade administrativa.

Chama a atenção o fato de o referido artigo contar com quatorze parágrafos, deixando nítida a intenção do legislador de dar contornos objetivos para o emprego da indisponibilidade de bens e, em última análise, contribuir com a segurança jurídica e maior agilidade na tomada de decisões da gestão pública.

Com apenas dois dispositivos na lei anterior (art. 7º, caput e parágrafo único), não é demais considerar que havia parca previsão para a decretação de indisponibilidade de bens, em nada – ou em muito pouco – regulamentada.

Coube à jurisprudência, ao longo dos quase 30 anos de vigência da lei, fixar os critérios para efetivação da indisponibilidade de bens, os quais, permita-se dizer, mais aproximam o instituto de uma antecipação de pena do que propriamente lhe confere caráter de cautelaridade.

Uma das construções jurisprudenciais mais representativas da desnaturação do instituto é aquela relacionada à preferência por bens de maior liquidez, aplicando-se, por analogia, muitas vezes, o art. 835 do CPC.

Isso porque o referido artigo dispõe sobre a ordem de preferência de penhora na fase de execução, quando, portanto, o título executivo já goza de certeza, liquidez e exigibilidade, situação absolutamente distinta da decretação de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa, que, na quase totalidade dos casos, ocorre em fase ainda incipiente do processo, antes mesmo da própria decisão de recebimento da petição inicial, e, muitas vezes, antes mesmo de qualquer oitiva do réu, especialmente sua defesa prévia.

Para além da evidente impropriedade jurídica, a aplicação do referido dispositivo causava, na prática, enorme prejuízo ao réu, uma vez que, em regra, as ações de improbidade administrativa envolvem expressivas cifras, sendo vultosos, por consequência, os valores bloqueados que ficavam à mercê da lentidão na tramitação de processos desta natureza, e, não raramente, perduram por mais de uma década.

Aliás, o prejuízo decorrente da preferência pelo dinheiro é potencializado pela possibilidade – novamente fruto de construção jurisprudencial – de inclusão do valor da multa civil no quantum bloqueado. A esse respeito, vale dizer que a Nova Lei, no §11, do art. 16, prevê ordem de preferência quando da efetivação da indisponibilidade de bens na qual o bloqueio de contas bancárias é a última alternativa, operando-se apenas se inexistentes “veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos”.
 
Além disso, o §6º, do mesmo art. 16, possibilita a substituição de bloqueio de bens por “caução idônea, por fiança bancária ou por seguro-garantia”, a qualquer tempo e segundo o interesse do réu, homenageando-se, com isso, o princípio da menor onerosidade, de inafastável observância em sede de medida cautelar.
 
No que tange à multa civil, o §10, do art. 16 é ainda mais incisivo, na medida em que expressamente proíbe que ela integre o quantum bloqueado, devendo a indisponibilidade recair sobre “bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário.
 
Outro critério criado pela jurisprudência para fins de decretação de indisponibilidade de bens é a presunção do periculum in mora. A crítica, a este respeito, tem viés mais lógico do que propriamente jurídico, uma vez que não há razoabilidade na dispensa da comprovação do perigo da demora se o objetivo da medida é, justamente, “garantir o resultado útil do processo”.

A Nova Lei, por sua vez, no seu art. 16, §3º, torna necessária a “demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo”, dispondo, inclusive, sobre a prévia oitiva do réu. E o novo texto legal foi restritivo e categórico ao afirmar que apenas nestas condições a liminar de indisponibilidade deverá ser deferida.

Como último ponto a ser destacado, pode-se afirmar que a Nova Lei altera o permissivo jurisprudencial de solidariedade entre réus em sede de cautelar de indisponibilidade de bens.

Anteriormente, a justificativa para que o suposto dano pudesse ser integralmente suportado por quaisquer dos réus na fase preliminar de indisponibilidade de bens, independentemente de sua efetiva cota de participação no ato ímprobo, era a de que a individualização das responsabilidades somente seria possível após a conclusão da instrução probatória. Dito de outro modo, privilegia-se a garantia do resultado útil do processo vis-à-vis o direito de responder pela exata medida do dano causado.

A previsão do art. 17, §6º, inciso I da Lei 14.230/2021, no entanto, interfere diretamente nessa lógica, especialmente porque determina que a individualização da conduta dos réus deve ser realizada já na petição inicial. Portanto, para fins da cautelar de indisponibilidade de bens, a petição inicial deve, obrigatoriamente, estabelecer e indicar o percentual de participação de cada réu no dano, sob pena de indeferimento do pedido.

Várias das novas normas têm caráter de normas processuais, de vigência imediata e aplicáveis, inclusive, às ações em curso e às indisponibilidades anteriormente deferidas. Quer dizer, especialmente pelo caráter precário e cautelar das liminares de indisponibilidade, que as decisões anteriormente tomadas devem ser reavaliadas, sob a égide da Nova Lei.

Considerado este contexto, a Nova Lei de Improbidade significa grandioso avanço quanto aos critérios para a aplicação da medida de indisponibilidade de bens, a um só tempo esvaziando o caráter de antecipação de pena e harmonizando-o com sua natureza de medida cautelar, resgatando, com isso, os mais relevantes princípios de aplicação de uma lei sancionadora.
Marcelo Horn

por Marcelo Horn

Advogado e professor universitário (UNEMAT), Especialista em Direito Público, Mestre em Direito, Doutorando em Linguística.
 

 
 
 
 
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