Artigos / Mireni de Oliveira Costa Silva

30/10/2021 - 07:49

A Economia de Francisco e Clara: um convite para repensar uma economia mais humana, fraterna e sustentável

O Cardeal Jorge Mario Bergoglio, assumiu o Pontificado em 2013, após a renúncia do Papa Bento XVI, dando início ao 266º Pontificado da história da Igreja Católica. Ao iniciar seu Pontificado, escolheu o nome de Francisco, em alusão ao que a figura de São Francisco de Assis representa para a Igreja Católica e também à sua identificação com os mais pobres. Toda a sua trajetória na Igreja sempre esteve ligada às causas do povo pobre, em suas necessidades espirituais, mas também materiais.

Em 2015, o Papa Francisco escreve a Encíclica Laudato Sí – Sobre o cuidado da Casa Comum, um documento onde reafirma a posição da Igreja e de seu Pontificado sobre questões relacionadas não só com a vida humana, mas com todas as formas de vida, ecologia integral, sustentabilidade, tecnologia a serviço do bem comum e possibilidade de uma economia inclusiva e sustentável, dentre outros temas. Essa Encíclica serviu de fundamento para que, em maio de 2019, o Papa Francisco emitisse uma Carta a jovens economistas, empresárias e empresários do mundo inteiro para o evento intitulado de “Economy of Francesco”, que contaria com a participação dos maiores e mais respeitados economistas de vários países, muitos deles laureados com o Prêmio Nobel em Economia e da Paz, a exemplo de Joseph E. Stiglitz, Amartya Sem e Muhammad Yunus, dentre outros. Esse convite não foi feito somente ao povo católico, mas a todas as pessoas de boa vontade. Em razão da pandemia de Covid-19, o evento aconteceu no modo online, em novembro de 2020.

O objetivo era discutir a possibilidade de outra economia. O Papa propôs: “estudar e [...] pôr em prática uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta. Um acontecimento que nos ajude a estar unidos, a conhecer-nos uns aos outros, e que nos leve a estabelecer um ‘pacto’ para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia de amanhã.” FRANCISCO. Carta do Papa Francisco. para o evento "Economy of Francesco"). 
 
No Brasil, a Economia de Francisco ficou conhecida como Economia de Francisco e Clara, em referência a Santa Clara de Assis, que, assim como São Francisco de Assis, abandonou a riqueza para dedicar-se às causas do povo mais pobre, e também em razão do importante papel feminino na economia.

A Economia de Francisco e Clara sugere uma economia baseada na fraternidade e na equidade. Esses requisitos buscam efetivamente colocar o homem no centro de todas as políticas públicas, como forma de garantir sua existência no planeta, que o Papa Francisco chama de Casa Comum.

Na Economia de Francisco e Clara, ressalta-se a importância de garantir a sustentabilidade da vida e do planeta, porque ambos estão interligados. Para o desenvolvimento, deve-se levar em consideração o direito das futuras gerações, o direito intergeracional. Por esse motivo, deve acontecer respeitando o meio ambiente e a ecologia integral, discutindo-se as condições de vida do povo e da sociedade. Nesse sentido, a Economia de Francisco e Clara defende que é necessário que seja feita a correção dos modelos de crescimento que não são capazes de garantir o respeito ao meio ambiente, a vida, o cuidado com a família e, sobretudo, a equidade social e a dignidade dos trabalhadores. O Papa Francisco afirma que “infelizmente, ainda não foi ouvido o apelo a tomar consciência acerca da gravidade dos problemas e sobretudo a pôr em prática um modelo económico novo, fruto de uma cultura da comunhão, baseado na fraternidade e na equidade” (FRANCISCO. Carta do Papa Francisco. para o evento "Economy of Francesco"). 

A equidade, abordada na Carta convocatória, revela um senso de justiça, tendo em vista o respeito às diferenças individuais e às características específicas de cada pessoa, o que se coaduna com o pensamento de Boaventura de Souza Santos (1997, p. 39): “temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades” (SANTOS, 1997).

Pode-se dizer que o modelo econômico vigente, motivado por um processo de expansão mercantilista, que progrediu com a globalização e o neoliberalismo para a financeirização do capital, agravando crises em vários países do mundo, não deu conta de atender às demandas sociais por trabalho, renda, proteção ao meio ambiente. Enfim, trata-se de um modelo que não promoveu um desenvolvimento sustentável, e sim um crescimento econômico que privilegiou o grande capital e promoveu acúmulo de riqueza e exacerbação da pobreza.

Segundo apontou o Relatório da Oxfam, organização não governamental internacional com sede em Nairobi, no Quênia, “o 1% mais rico do mundo tem mais do que o dobro da riqueza de 6,9 bilhões de pessoas da população global, enquanto 735 milhões de pessoas ainda vivem em extrema pobreza; 22 homens mais ricos do mundo têm mais riqueza do que todas as mulheres da África. Um mundo mais justo é possível. No entanto, a desigualdade não é inevitável, é uma escolha política” (OXFAM International. “5 Shocking Facts about Extreme Global Inequality and How to Even It Up”. Nairobi).

Se é uma escolha política, somos todos responsáveis por ela, na medida em que somos nós que escolhemos, pela via democrática, os representantes políticos. É fundamental que os governantes do mundo inteiro se empenhem em construir uma economia mais humana, que valorize e priorize a vida, o trabalho, o cuidado, e não o lucro de uma minúscula parcela da sociedade. É preciso pensar em uma economia que funcione para todos, que possibilite acesso à educação e propicie a passagem de um modelo de capital rentista, “estocado” em bolsas de valores pelo mundo, para um modelo de capital que gere postos de trabalho e renda para as pessoas, de maneira que possam viver com dignidade.

Imaginemos hoje, após quase dois anos de uma crise sanitária e econômica global causada pela pandemia de Covid-19, como estarão vivendo essas 735 milhões de pessoas. Estamos vivenciando, em pleno século XXI, a economia da indiferença.

A proposta do Papa Francisco para um novo modelo de economia, em suma, visa a um repensar, dentre outras coisas, das bases do modelo econômico vigente. Ele propõe um modelo que passe a fomentar as mudanças estruturais necessárias para uma economia inclusiva, fraterna, humana, sustentável e solidária, evitando a promoção do descarte, principalmente do ser humano.

Hoje, a Economia de Francisco e Clara está sendo discutida em mais de 140 países do mundo. Na Itália, foi criada a Escola da Economia de Francisco, onde se discutem os temas mais sensíveis à economia global que afetam diretamente a vida de milhões de pessoas. No Brasil, a Economia de Francisco e Clara está sendo discutida em vários estados, seja em universidades, como as Pontifícias Universidades Católicas, seja em seminários de formação.

Nos próximos dias 19 e 20 de novembro de 2021, acontecerá o II Encontro Nacional da Economia de Francisco e Clara: território, coletividade e práticas econômicas alternativas. Venham conhecer e debater uma proposta de economia mais humana e inclusiva.
 
Referências
FRANCISCO. Carta Encíclica. Laudato Si’ do Santo Padre Francisco. Sobre o Cuidado da Casa Comum. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html. Acesso em: 27 out. 2021.
FRANCISCO. Carta do Papa Francisco. para o evento "Economy of Francesco". [Assis, 26-28 de março de 2020]. Disponível em:   http://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html. Acesso em: 27 out. 2021.
OXFAM International. “5 Shocking Facts about Extreme Global Inequality and How to Even It Up”. Nairobi, [S.D]. Disponível em: https://www-oxfam-org.translate.goog/en/5-shocking-facts-about-extreme-global-inequality-and-how-even-it?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=nui,sc. Acesso em 27 out. 2021
SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova: Revista de Cultura de Política, São Paulo, n.39, p.105-124, 1997
 
Mireni de Oliveira Costa Silva

por Mireni de Oliveira Costa Silva

Oficiala de Justiça, Mestre e Doutorando em Direito pela UNIMAR  - Universidade de Marília - SP
 
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