Artigos / Maria do Horto Salles Tiellet

25/08/2021 - 08:42 | Atualizado em 25/08/2021 - 08:45

A boiada continua passando e perguntas permanecem sem respostas: Escola Estadual Mario Motta

As investidas do pessoal de farda (Polícia Militar ou Forças Armadas) continuam no intuito de tomar para si as escolas públicas, sem que perguntas sejam respondidas tanto aos grupos que apoiam como aos que não apoiam a ingerência de militares nas escolas públicas.

A primeira pergunta que não quer calar: qual é o interesse dos que usam farda em abrirem mão de suas funções e se dedicarem à educação (diga-se de passagem, não é sua função constitucional)? Seria interesse financeiro? Se for, o envolvimento de militares na escola é um “bico” que não se estende ao “baixo clero” das corporações, mesmo que, no grupo dos praças, tenham muitos militares que concluíram o nível superior e, até mesmo, a pós-graduação.

Nas categorias mais baixas da corporação, um contingente menor de trabalhadores continua exercendo a função que lhes cabe constitucionalmente, indo às ruas no intento de enfrentar o crime organizado, expondo-se, chegando inclusive à exaustão física e mental para, no final do mês, receber um salário de miséria — condição igual à dos professores e da maioria dos trabalhadores que ainda têm emprego.

Enquanto isso, um pequeno grupo, composto por oficiais, protege-se entre as quatro paredes de uma instituição de ensino, controlando crianças e adolescentes que não exercem perigo algum.  E a população, que apoia ou não a militarização das escolas públicas, continua refém do crime e de bandidos, alguns deles membros respeitáveis de uma “elite” que prioriza, sem pestanejar, por meio de golpes, o melhor para seus interesses e não para o interesse de todos os brasileiros, embora alardeiam, aos quatro cantos, serem patriotas.

A segunda pergunta que não quer calar: se esses patriotas querem uma alternativa para as famílias conservadoras, por que precisam se utilizar do espaço da escola pública para colocar em prática o programa de educação militarizada no qual acreditam? Não seria mais fácil criar, pelos rincões afora deste estado ou, até mesmo, do país, escolas particulares militarizadas com o nome do coronel tal ou do general fulano?

Talvez isso ocorra porque eles têm a certeza de que não haveria público suficiente para sustentar escolas particulares militarizadas por um longo tempo, então, tomam de assalto um bem que é de todos para colocar um programa particular de educação, que tem por objetivo expulsar do espaço escolar a população pobre desesperançada, dando lugar a uma elite carcomida, que perdeu o poder aquisitivo e espera ter o projeto de educação de seus sonhos, sustentado e subsidiado com recurso público.

É dessa e de outras maneiras que pretendem alimentar o Programa de Educação do governo Bolsonaro, cujo princípio, por descuido, saltou do pensamento do ministro Milton Ribeiro, que se manifestou na expressão “Universidade deveria ser para poucos”. Os poucos são os que estão nas escolas públicas militarizadas, e os outros, o resto. Pensamento esse que também foi revelado em vídeo, como lema de uma escola pública militarizada no Rio de Janeiro.

Mal sabem as famílias que defendem a escola pública militarizada que seus filhos podem não entrar na “Universidade para poucos” se o programa educacional bolsonarista prosperar, pois, na política em curso, os interesses particulares estão acima do coletivo; as normas que regulam e norteiam a justiça e os direitos humanos são ignoradas e a Constituição, que rege os ritos do estado democrático e de direito, é negligenciada, tudo isso com o apoio golpista, inclusive, de políticos que foram democraticamente eleitos para defender os interesses coletivos. 

É claro que existem muitas outras perguntas sobre a política de militarização das escolas públicas que ansiamos por respostas. Acredito que as duas já são suficientes para boas reflexões. Finalizo dizendo que estou perplexa com a ausência de ação da população cacerense em defesa da escola pública e dos seus profissionais, quando muitos são oriundos dos bancos da Unemat. Estou, ao mesmo tempo, incrédula com a capacidade das pessoas — que se dizem movidas por valores patriotas e cristãos — de serem desrespeitosas com os profissionais da educação, além de defenderem e colaborarem com os ritos antidemocráticos e golpistas para conseguirem seus intentos.

Se enganam os que acham que o esquecimento coletivo apagará o que fizeram no verão passado ou o que farão no verão futuro. Na contemporaneidade, o mundo das tecnologias de comunicação e de informação conserva, para sempre, a verdade sobre ações, atos, gestos e palavras, tal qual o mundo inteligível de Platão guardava a verdade. A verdade não pode ser apagada. De modo que não é possível dizer que houve engano, mentira, que estava sob efeito de remédio ou que se é gagá.

A história da humanidade nos lembra sempre que os atos ilícitos, antidemocráticos ou tiranos, que causam o mal, não permanecem para sempre nem impunes. E, na democracia que dizemos viver, as instituições civis deveriam controlar e dar o tom aos militares, e não o contrário. Somente nas ditaduras a inversão é possível.
Maria do Horto Salles Tiellet

por Maria do Horto Salles Tiellet

é professora e doutora da Unemat 
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9 comentários

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  • por Pantaneiro Gado, em 30.08.2021 às 18:08

    Discurso doentio da esquerda podre que quer continuar com este modelo escolar que forma analfabetos.

  • por Demerval Ferreira Vanini, em 26.08.2021 às 10:09

    Esses esquerdistas são muitos bons de discurso e péssimos em resultados, nossa educação está sucateada e quando aparece uma oportunidade de mudança, surgem esses demagogos que estão aí a anos sem fazer nada relevante para a educação em nosso País, com esses discurso cheio de ideologia política que na verdade não tem nada haver com a realidade da população menos favorecida, que realmente precisa de uma educação de qualidade.

  • por Ana, em 26.08.2021 às 09:23

    A escola Natalino Ferreira Mendes é um ótimo exemplo do que pode acontecer na outra escola.

  • por Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira, em 25.08.2021 às 14:06

    Ana Paula com base em que você diz que a UNEMAT está uma bagunça? como você pode dizer que professores não estão trabalhando? O texto tão bem escrito pela professora Doutora Maria do Horto aponta para o papel que cumprimos na sociedade que é o de permitir a reflexão. Já pensou se a boiada estoura e a gente passa a ter só esse tipo de pensamento? em caixinhas em capacidade de questionar a realidade? Por que os militares de patentes (altos salários que você está defendendo não estão na rua?).

  • por Elisângela, em 25.08.2021 às 10:46

    Que reflexão maravilhosa! Excelente texto, professora. Triste do cidadão que em mais de 01 ano de pandemia ainda tem o discurso de que professores estão em casa recebendo de graça seus salários. O analfabeto político é o mesmo que não acompanhou a vida escolar de seu filho ou filha durante o desenvolvimento das aulas online e enche a boca pra chamar o professor ou a professora de preguiçosos e outros adjetivos. Eis uma das razões do déficit educacional que temos. Tristes tempos.

  • por Edilaine, em 25.08.2021 às 10:15

    Quanta desinformação!

  • por LOURDES APARECIDA DE SOUZA, em 25.08.2021 às 10:03

    Excelentes questões professora. De fato são muitos questionamentos que eles não respondem. Ao contrário correm ou tripudiam aqueles que ousam questionar. Se a pergunta não é a favor, nos humilham, ignoram e muitas vezes gritam nos desrespeitando. Não seguem nem mesmo os rituais descritos por eles mesmo. Quando não aceitamos dizem que estamos politizando o assunto. Contudo, sabemos que é no âmbito político, nos gabinetes da Câmara dos Deputados, no senado, nas Câmaras dos vereadores e por decretos do governo que eles vão decidindo o rumo da educação dos nossos filhos. Mas o debate não é político, é o que então?

  • por Maria Aparecida da Silva, em 25.08.2021 às 09:56

    Já começou o ataque à IES pública, por aqueles/as que não conseguiram romper a bolha da ignorância, sobretudo por aqueles/as que nunca conseguiram passar num vestibular da Unemat. Esse é o mesmo ataque que por aqui fazem à ciência. Em nenhum lugar do mundo, uma pessoa, por mais sábia que seja, nunca inaginou que no século XXI estaríamos expressando com todas as nossas forças QUE SOMOS A FAVOR DA CIÊNCIA e que DEFENDEMOS A CIÊNCIA. Esse é o Brasil real!

  • por Ana Paula Gotardo, em 25.08.2021 às 09:01

    só podia ser pessoas ligado a UNEMAT! Olha, a FAPAN não prejudicou nenhum curso em 2020, e a UNEMAT? Professores ganhando bons salários pra ficar em casa ou viajando? A UNEMAT consomem quase MEIO MILHÃO por ano e olha como esta sucateada! Nada de melhorias, só sabem falar em aumento de salários! Olha o tipo de formação que vcs estão produzindo! As universidades estão uma bagunça, drogas, maconhas e sexo! Que tal se preocupar com as universidade e cobrar melhor aplicações do dinheiro público?

 
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