Artigos / Maria do Horto Salles Tiellet

12/03/2021 - 09:40

Surfar na onda política do momento é mais fácil, que investir no futuro

Já não basta, em Cáceres, uma escola pública militarizada, será que precisamos de mais? É fácil surfar em ondas da moda, principalmente, na onda política da vez, do que apresentar, quando não se tem capacidade de elaborar propostas a curto, médio e longo prazo para os diferentes problemas que a cidade enfrenta.

A onda política da vez aponta que a solução dos problemas da educação/ensino está na militarização das escolas públicas que, independentemente do modelo, exaltam valores, que são pontuados um a um, sempre que a militarização é mencionada. Pregam que a formação de bons cidadãos somente ocorrerá com os valores preconizados pelas escolas militarizadas: valores morais, patriotismo, disciplina, amizade, respeito à família e à pátria como se, até então, estes mesmos valores não fossem cultuados nem pelas escolas e nem pelos civis.

Ocorre que os valores, exaltados nos modelos de escolas públicas militarizadas, na sua maioria, são desprezados na prática pelas mais altas autoridades do país, incluindo os próprios militares. 

Como eles desprezam a disciplina e a civilidade? Quando não usam a máscara descumprindo ordens legítimas de autoridades, quando apoiam discursos de que a máscara e o distanciamento social não reduzem o risco do COVID, ou quando colocam acima do bem comum, uma visão de mundo negacionista/individualista incentivada por frases como – “Vocês não ficaram em casa. Não se acovardaram. Temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”  

Como eles abdicam da honra e do respeito? Quando desqualificam pessoas, adotando posições preconceituosas como frase do tipo: “deixar de ser um país de maricas”; “não estupro porque você não merece”; quando rotulam pessoas com adjetivos: vermelha, esquerdista, comunista; quando são incapazes de aceitar o contraditório – “comprar vacina na casa da tua mãe”.

Como eles ignoram a honra com a mentira? Quando defendem “a cloroquina como tratamento precoce” negando a ciência, porque tal remédio não ajuda a prevenir o COVID; quando afirmam que “a pandemia está no finzinho” enquanto o número de mortos salta a cada dia. Quando apoiam frases que desestimulam a vacina – “se você virar jacaré é problema seu”, “Eu não vou tomar” ou quando aplaudem anúncio de um spray milagroso sem comprovação científica. Enfim, um conjunto de atos, e de afirmações que contribuem para a morte de brasileiros. Isso, e muito mais, com o silencio e apoio de militares no governo.

Como eles desprezam o civismo e o patriotismo? Quando batem continência para a bandeira americana, sendo subserviente; ou deixando pessoas, em território nacional, morrerem sufocadas por inoperância, quando a autoridade é militar, especialista em estratégia, cuja missão é proteger compatriotas; ou quando militares silenciam sobre a possibilidade de armar a população com fuzis, revolveres, rifles que terão destino certo, as milícias, o crime organizado e consequentemente o aumento da violência no país.  

Nos parece que, se os valores enaltecidos pelas escolas públicas militarizadas, não se traduzirem pelo exemplo por parte de seus apoiadores, sejam eles civis ou militares, autoridades públicas ou não, então, não passam de retórica e de embuste.

Se falamos de valores, precisamos dar o exemplo. Então, chama a atenção o fato de alguns empresários e políticos preferirem surfar a onda da militarização de escolas públicas, do que terem atitudes cívicas. (valor que querem para as crianças e adolescentes).

Qual a atitude cívica que poderiam os empresários e políticos adotarem antes de surfarem na onda das escolas militarizadas?  Poderiam se comprometer com campanhas e projetos para financiar ou até mesmo adotarem uma escola municipal, com o objetivo de melhorar as condições de ensino e aprendizagem, já que passaram a ter (antes tarde, do que nunca) preocupação com a “excelência no ensino”. 

Deem a juventude exemplos concretos de patriotismo, civismo e honra adotem uma escola, financiem uma escola. Elas precisam de uma infraestrutura melhor para atender as necessidades didático-pedagógicas de um mundo cada vez mais conectado. Os estudantes das escolas municipais residem na periferia, onde o acesso à internet é precário ou inexistente, eles precisam de instrumentos como computador, tablet e celular, precisam dominar a tecnologia. Se querem civismo, patriotismo, honra, respeito, civilidade precisam adotá-los nas atitudes cotidianas.     

Empresários e políticos, a “excelência no ensino”, exige investimento, exige da sociedade comprometimento, exige pessoas qualificadas e capacitadas e não de policiais, cuja missão não é a educação e sim a segurança e a defesa. 

Para encerrar, deixo uma pergunta para juntos refletirmos: A implantação de qualquer um dos modelos de escola militarizada na cidade de Cáceres, na quantidade e rapidez que pretendem, a Instituição Militar precisa envolver um contingente de policiais para a nova missão, então, se a polícia estará nas escolas, quem fará a segurança da cidade? Seremos nós, os professores?
Maria do Horto Salles Tiellet

por Maria do Horto Salles Tiellet

é professora e doutora da Unemat 
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4 comentários

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  • por João Ivo Puhl, em 14.03.2021 às 11:39

    O fracasso das escolas militares na educação se pode medir pelos resultados. É só observar e analisar os discursos e as práticas deles no atual governo federal de militares. O que querem a domesticação de súditos não a formação de cidadãos. Aliás está mais do que na hora de começar a discutir o fim do exército e das polícias militares e criar defesas e polícias cidadãs. Parabéns Profa Maria do Horto

  • por Dinairan D. Souza, em 13.03.2021 às 07:47

    Ótima reflexão. Que nos ajude a sair desse lamaçal que atinge a educação em Cáceres.

  • por Iran, em 12.03.2021 às 13:24

    Excelente reflexão!!!

  • por Lúcia Helena Albuquerque Nunes Duarte da Silva, em 12.03.2021 às 13:14

    Parabéns professora é uma excelente reflexão! O governo precisa investir em uma educação de qualidade e não mais colaborar com a corrupção.

 
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