Artigos / Fransérgio Piovesan

29/07/2020 - 08:57 | Atualizado em 29/07/2020 - 10:05

#DiretasJáProQuintoOABMT

Em meados de 1983, o então Deputado Federal por Mato Grosso, Dante de Oliveira, apresentou a PEC n. 5/1983, que posteriormente ficou conhecida como “Emenda Dante de Oliveira”, que objetivava, resumidamente, que o Presidente da República do Brasil passasse a ser escolhido por voto direto do povo brasileiro, e não mais de forma indireta, como era até então. Referida PEC ganhou corpo a partir de janeiro do ano seguinte, 1984, passando a ganhar as ruas, já com o apelido de “Diretas Já”, ou “Movimento das Diretas Já”.
 
Até o Movimento das Diretas Já ganhar as ruas, com grande apelo popular, no meio do caminho, um grande e decisivo momento ocorreu: o apoio incondicional da OAB ao Movimento, dada sua evidente feição democrática. Foi apenas após a “adoção” do movimento pela OAB, que liderou diversas entidades civis, que o movimento ganhou credibilidade popular, e passou a ter entre seus incentivadores grandes atores no cenário da sociedade civil organizada. Dali a ganhar o povo e as ruas foi um passo. Todos pleiteavam democracia representativa plena, por meio da escolha direta do representante maior da representação do país.
 
Se tal liderança civil não resultou numa vitória imediata, posto que a “Emenda Dante de Oliveira” foi rejeitada, resultou no reconhecimento de nossa instituição como a mais representativa da democracia brasileira, reconhecida expressamente na Carta Magna de 1988, quando foi conferida à OAB, por exemplo, a legitimidade ativa para promoção de ADIN perante o STF, num reflexo direto da atuação no movimento “Diretas Já”.
 
O sonho de Dante, assumido pela OAB, só se concretizaria em 1989, com o país indo às urnas na primeira eleição presidencial direta desde a ditadura militar.
 
Enfim a OAB venceu, e doravante teve seu nome ligado diretamente a todo e qualquer movimento democrático desde então. Participou do processo de impeachment de Fernando Collor (ironicamente, o primeiro presidente eleito diretamente); teve limitada atuação no movimento “Ficha Limpa”; participação no também impeachment de Dilma Roussef, entre tantos outros movimentos de menor relevância; e mais que tudo, é reconhecida como a entidade civil mais confiável do Brasil, segundo pesquisa “Datafolha” de 08 de julho de 2015.
 
Porém, se conquistou tanta credibilidade e confiabilidade de todo o país, sendo, aos olhos externos, um exemplo de instituição democrática, internamente ainda deixamos muitíssimo a desejar. Pasme você, leitor! Mas, dentre vários exemplos significativos do aludido, mesmo passados mais de 30 (trinta) anos da promulgação da CRFB/88, sequer podemos escolher nosso próprio Presidente Nacional de forma direta, e mesmo no caso da Seccional da OAB de Mato Grosso, ainda reservamos exclusivamente aos Conselheiros o “poder” e o direito de votar a formação da lista sêxtupla, que culmina na escolha do Desembargador oriundo da classe, ocupante do a seguir explicado Quinto Constitucional.
 
Dispõe o art. 94 da Constituição Federal (CRFB/88) que um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes. É que se convencionou denominar de Quinto Constitucional.
 
Na seara estadual, no que tange às vagas do Quinto destinadas aos advogados, cabe às seccionais da OAB escolher seis membros da advocacia para compor uma lista sêxtupla que é enviada ao Tribunal de Justiça do Estado. É o que estabelecem o art. 58, incs. I e XIV, da Lei Federal n° 8.906/94, e art. 1° do Provimento n° 102/2004 do Conselho Federal da OAB. Uma vez de posse da lista com os seis nomes, o Tribunal de Justiça vota e indica três nomes ao Poder Executivo (Governador), que é o responsável pela indicação final de quem ocupará a vaga e será o novel desembargador.
 
Ainda nos termos do Provimento n° 102/2004 do Conselho Federal da OAB, compete aos Conselhos Seccionais a elaboração da lista sêxtupla, sendo que, segundo o art. 10 do Provimento n° 139/2010, os referidos Conselhos Seccionais, mediante resoluções próprias, poderão disciplinar a consulta direta aos advogados neles inscritos, à composição da lista sêxtupla que será submetida à sua respectiva homologação, devendo aqueles advogados interessados comprovar o atendimento às exigências previstas no art. 6º do último Provimento para inscreverem-se na disputa ao pleito. Isto significa que o modo como são definidas as listas sêxtuplas varia de um Estado a outro, com eleições diretas, semidiretas ou indiretas entre a classe à sua constituição.
 
No caso da Seccional do Estado de Mato Grosso, a definição dos nomes e a consequente formação da lista sêxtupla cabe única e exclusivamente ao Conselho Seccional (Conselho Pleno), de acordo com o que está inserto no art. 22, inc. XII, do Regimento Interno da OAB/MT. Assim, temos que são os conselheiros que examinam os currículos apresentados à concorrência, analisam as condições dos concorrentes, sabatinam os candidatos e votam quais serão os seis indicados à formação da lista sêxtupla enviada ao Tribunal de Justiça. A este modo de escolha, dá-se o nome de eleições indiretas ao Quinto, já que os candidatos da lista são escolhidos somente pelo colegiado seccional, sem a efetiva participação (direito a voto) de todos os advogados inscritos perante o Estado, o que também ocorre com outros Conselhos Seccionais como os do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
 
Mas em nem todos os Estados a formação da lista se dá na modalidade de eleições indiretas. Em Estados como Bahia, Rio Grande do Norte e Paraíba, a lista sêxtupla tem quinhão totalmente democrático, e se constitui por votação direta. Ou seja, todos os advogados vinculados à seccional votam e os seis inscritos mais bem cotados pela classe formam a lista que será enviada ao Tribunal respectivo.
 
Finalmente, há aqueles Estados em que o procedimento de formação da lista sêxtupla tem duas fases. Na primeira fase, a eleição é aberta à classe que escolhe um total doze candidatos. Esses doze nomes são, depois, remetidos ao Conselho Seccional, que faz a seleção de seis indicados, formando-se assim a lista sêxtupla. Os Estados do Ceará, Pará e Piauí são exemplos da modalidade semidireta de formação da lista sêxtupla.
 
Pois bem. Conquanto o Provimento do Conselho Federal da OAB dê margem de discricionariedade para que os Conselhos Seccionais, mediante resoluções próprias, disciplinem, segundo o que lhes melhor cabe, a modalidade de constituição da lista sêxtupla do Quinto Constitucional, se direta, semidireta ou indireta, a nós nos parece, diante das finalidades e missão institucional da OAB, que não há margem para qualquer discussão ou dúvida sobre qual deve ser obrigatoriamente forma adotada a tal escolha pela classe, já que vocação da Ordem é a defesa da democracia, como medida de igualdade participativa, de sorte que, como conclusão lógica, revela-se um tanto paradoxal defender o princípio democrático estatutária e externamente, deixando-o à ilharga da prática em seus mesmos recintos procedimentais, principalmente naqueles que tenham cunho eletivo.
 
É missão da Ordem, positivada no art. 44 da Lei n. 8.906/1994, defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Para realizar referenciada missão, nos parece que a advocacia, de uma forma geral, começando de dentro para fora, deve cada vez mais organizar-se e, repensando os recursos estruturais disponíveis, fomentar meios que garantam justiça política aos conceitos de democracia e igualdade, primando por sua prática institucional, ampliando ao máximo a participação de todos os inscritos nos quadros da OAB nos processos decisórios que caibam à instituição.
 
Ora, e não fosse só a vocação da Ordem, que, a nosso ver, confunde-se com a própria democracia, a essência mesma do que o Quinto representa como conquista social no exercício da jurisdição, na magistratura, não permite uma visão sectária, elitista e segregadora a respeito de quem poderia votar, nas Seccionais, a constituição da lista sêxtupla. A proposta do Quinto, inaugurada da lucidez do Deputado Baiano João Mangabeira, membro da subcomissão do anteprojeto de constituição de 1933, que mais tarde talhou-se no §6º do art. 104 da Carta de 1934, em conquista repetida com pequenas modificações desde então até hoje nas Cartas Políticas do Brasil, é um direito institucional outorgado pelo povo A TODA ADVOCACIA, de modo que não se concebe seja exercido em alguns Estados, ainda, só por uma parte – neste ponto privilegiada – desta, principalmente em tempos modernos, nos quais a tecnologia, com a rede mundial de computadores e aplicativos de celular, permite cada vez mais a diminuição das distâncias e limitações pessoais, estruturais e burocráticas que, costumeiramente, são utilizadas na defesa de formas indiretas de representação.
 
Bem se sabe que o objetivo do Quinto, o intuito do constituinte, como afirmou Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “é injetar nos Tribunais o fruto da experiência haurida em situações outras que a do Juiz”. Por assim dizer, uma vez que transformados em magistrados, os advogados (e também membros do MP) democratizam e oxigenam o Poder Judiciário, fazendo com que profissionais que atuem em outras atividades contribuam com suas experiências, proselitismo e visão para difícil missão de julgar, tornando mais aerada a própria jurisprudência. A promoção dessa escolha, através de eleição direta nas Seccionais com a participação integral dos inscritos, sem dúvida alguma, torna a formação da lista extremamente democrática e com um suporte de escolha bem mais positivo, a demarcar-se, sempre, que o Quinto é conquista constitucional social e nunca uma reminiscência monárquica para premiar eventuais “amigos do rei”, como se espalham alegações por aí, daqueles contrários a tal marco constitucional de primeira grandeza.
 
A “falha” democrática que possuímos na formação da lista sêxtupla pode e deve ser sanada, e logo. Passou da hora de iniciarmos, internamente, um movimento transparente, justo, ético e democrático, para a escolha de nossos próprios representantes. Ninguém melhor que os próprios advogados, todos eles, como a atores legítimos que são, à promoção da escolha daqueles que os representarão, nos organismos de classe, ou na indicação ao “Quinto”.
 
Não nos cansaríamos de elencar os motivos para que a OAB olhasse para dentro, e praticasse internamente a democracia que tanto defendeu e defende externamente.
 
De outro lado, não existe um único argumento para que tal procedimento, verdadeiramente democrático de escolha, não seja aplicado, sendo que eventuais alegações de custos sucumbem aos atuais métodos tecnológicos – com a rede mundial de computadores – de escolha, insignificantes diante da grandiosidade do avanço.
 
Aliás, talvez sequer se trate de um avanço, mas sim de um resgate histórico que a instituição OAB deve promover em suas próprias entranhas, para legitimar sua postura de principal pilar democrático das instituições civis brasileiras. Ninguém, hoje, é maior que a OAB no quesito democracia. Honremos tal reconhecimento; façamos jus à imagem que possuímos.
 
Sem mais nos alongarmos, por tudo aquilo que foi aqui escrito, em favor de tudo aquilo que foi lembrado por esse texto, e por tudo aquilo que cada advogado representa e sempre sonhou, suplicamos ao E. Conselho Seccional da OAB/MT que ouça a voz das entranhas da instituição, e regulamente, JÁ, a eleição direta e democrática para escolha de nosso representante ao cargo de Desembargador junto ao TJMT, já que de tudo, fincada em terras “dantescas”, é um verdadeiro paradoxo (inexplicável) que a Seccional de MT ainda não honre e resista em levantar a bandeira das Diretas Já!

Texto escrito em conjunto com o advogado Pablo Pizzato.*
Fransérgio Piovesan

por Fransérgio Piovesan

é advogado em MT.
+ artigos

Comentários

inserir comentário
2 comentários

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Jornal Oeste. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site Jornal Oeste poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

  • por lucas, em 30.07.2020 às 07:42

    Poderia ter dividido em 5 textos né, haja vista tratar-se de um assunto que interessa apenas a categoria...

  • por Fransergio Rojas Piovesan, em 29.07.2020 às 09:56

    obrigado pelo espaço, gostaria de dizer que o texto foi em parceria com o Dr. Pablo Pizzato

 
Sitevip Internet