Artigos / Jeison Almeida

18/07/2020 - 08:38

L'état N'est Pas Toi: Ainda Sobre a Proibição da Venda de Bebidas Alcoólicas

De tédio não se morre um constitucionalista nos dias de hoje. A pandemia nos trouxe um cenário tão inusitado, principalmente para a Administração Pública, que vários cenários não foram previstos pelo constituinte, muito menos pelo legislador.
 
Já tratamos em artigo de opinião do dia 14/07/2020 (conferir aqui: http://www.jornaloeste.com.br/artigos/exibir.asp?id=1527&artigo=insinceridade_regulamentar_e_a_proibicao_de_vendas_de_bebidas_alcoolicas), que a expedição de Decreto pelo Prefeito Municipal de Cáceres proibindo a comercialização de bebidas alcoólicas, após a rejeição do Projeto de Lei n. 047, com conteúdo idêntico, desrespeita a Câmara Municipal e o povo cacerense.
 
Ontem (dia 16/07/2020) a mesma Câmara Municipal votou por maioria e aprovou o Decreto Legislativo n. 05, que, sob suas palavras, sustou o Art. 7º, do Decreto n. 370 de 10/07/2020, ou seja, o parlamento municipal decidiu que a proibição de venda de bebidas alcoólicas era inconstitucional, e, portanto, em controle de constitucionalidade, extirpou a norma do ordenamento jurídico.
 
Após a tomada de decisão pela Câmara Municipal, ventilou-se a proposição de ação judicial pelo Poder Executivo para cassar a decisão legislativa.  Opção justa, pois em caso de conflito de interesses entre os poderes, deve-se buscar um terceiro imparcial: no caso do Poder Judiciário.
 
No entanto, para surpresa dos munícipes e deste professor, na data de hoje foi publicado novo decreto pelo Prefeito Municipal, sob o n. 385, em que o mesmo estabelece a proibição da venda de bebidas alcoólicas, inclusive com a imposição de multa. De pronto, pensei: o conflito de interesses agora virou um jogo de truco? Um Poder agora vai se sobrepor a vontade de outro Poder, assim, sucessivamente?
 
Não, não é assim que funciona o jogo democrático. Mesmo um Poder não gostando da atuação de outro, deve-se buscar os meios legítimos para a sua anulação. A expedição deste novo decreto tem por efeito cassar/anular do Decreto Legislativo n. 05, e o Poder Executivo não possui essa competência. Mesmo que não se concorde com a decisão legislativa, repito: que se busque os meios legítimos de revisão do ato.
 
Frisamos, o Prefeito Municipal não possui competência para cassar o Decreto Legislativo e foi isso, na prática, sob o manto de um decreto novo, que o Prefeito fez. O que a Câmara sustou, foi a proibição da venda de bebidas alcoólicas e não o art. 7º do Decreto n. 370.
 
Por mais convincentes que sejam os considerandos do novo decreto, essas razões não servem para criar competência que o Prefeito não tem. Servem, entretanto, caso queira, para argumentar perante o Poder Judiciário. Não se trata de um jogo de quem pode mais, mas de quem pode o quê. É quem nos diz isso são as Constituições (Federal e Estadual) e a Lei Orgânica Municipal.
 
A alusão, por exemplo, que o STF no julgamento da ADI, deu competência aos demais entres federados (Estados e Municípios), só reforça a impossibilidade da expedição do decreto, pois a competência é do Município, que engloba o Poder Executivo e o Poder Legislativo. E nesse caso específico, o legislativo entendeu pela inconstitucionalidade da proibição.
 
Nesse sentido, me faltam adjetivos para qualificar o Decreto. Qualificá-lo de ilegal e inconstitucional é dizer um pleonasmo e descrever o óbvio. É como dizer: subir para cima e descer para baixo.
 
Por fim devo dizer, que quando há atores políticos que sabem respeitar a democracia na sua essência e integralidade, o que aconteceu hoje nunca se passaria. “Passar por cima” de uma decisão soberana de um Poder, sem a devida competência, não é democrático. E quando não há democracia, há autoritarismo.

Volto ao título para dizer: O Estado não é o presidente, governador (a) ou prefeito (a), mas sim o povo com sua vontade concretizada no texto constitucional.
Jeison Almeida

por Jeison Almeida

Doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca, Professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT e Advogado.
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1 comentário

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  • por luan, em 18.07.2020 às 09:13

    Penso professor que dos maiores problemas desse executivo seria não tem um Procurador Geral e seus Assessores com competência para ajudar esse senhor a fazer/desenvolver os trabalhos que envolvam questões relacionadas aos serviços juridicos, realmente pe triste ver essas situações acontecerem e os ditos advogados públicos não conseguirem segurar a ignorância desse senhor, digo isso aos cargos comissionados, pois os concursados acho que nem são ouvidos, mesmo assim, nessas funções em que haja assuntos relacionados ao direitos garantidos constitucionalmente, a democracia, os advogados devem explicar e impor esses fatos de forma coerente para que não corram essas aberrações, é importante estes artigos que trazem esclarecimentos objetivos a cerca dessas atitudes autoritarias que muitas autoridades passageiras querem impor a ferro e fogo, exemplo claro disso é o país com esse desgoverno, que acha que a vontade de um ignorante deve prevalecer a todo custo, parabéns pela escrita e informação, um dos artigs que se lê e absolve conhecimento...

 
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