Artigos / Diogo Botelho

29/05/2020 - 09:24

Saber ler, saber escrever, já!

Já não se sabe de hoje, nem de ontem, mas, de anteontem, que uma nação somente será civilizada, desenvolvida e próspera, se tiver como pauta principal da sua ação governamental o compromisso inadiável com a educação, a ciência e a tecnologia. Há de se estabelecer um compromisso entre cidadãos, governantes e sociedade civil com o ensino básico e o professor para a promoção do desenvolvimento.
 
E é da Coreia do Sul que temos a experiência mais recente, em termos de progresso civilizatório, de nação que decidiu, politicamente, concentrar suas ações no campo da educação, e, de forma especial, na formação, valorização, prestígio e reverência ao professor.
 
De país arrasado por uma guerra fratricida, cujas consequências impuseram àquele povo uma existência miserável numa ambiência rural e carente de potencialidades naturais a disposição para superar tais adversidades, para um país que, atualmente, é um dos principais exportadores de tecnologia de ponta e, pasmem, exporta cultura de massa aos quatro cantos do mundo, conquistando jovens corações, além de um vasto mercado consumidor com a expansão do estilo musical k-pop.
 
 O Japão, a Finlândia e a Alemanha também são exemplos de países que, recentemente, promoveram a emancipação cívica de seu povo, saindo de um cenário catastrófico, em todos os aspectos, para um patamar civilizatório invejável!
 
O segredo nada secreto levado a efeito por esses países reside na fórmula política em dispensar e concentrar atenção especial do Estado à rede básica de ensino, à formação da criança e do futuro cidadão. Isso porque, os dirigentes desses países compreenderam que o processo pedagógico mais sensível e, portanto, mais árduo, é o primeiro ciclo educacional, pois é nesta fase de alfabetização que a criança aprenderá a ler e a escrever.   
 
Ler e escrever não apenas para saber assinar o seu nome ou tirar sua carteira de habilitação, não! Saber ler e escrever para ter a capacidade de interpretar a si, a família, a escola, o bairro, a cidade, o país e o mundo a que pertence. Saber ler e escrever para expandir o horizonte intelectual e, com isso, ter aptidão para entender o significado da alteridade e o respeito ao próximo, moldando-se, dessa forma, seu espírito cívico para viver em comunidade.  Em suma, saber ler e escrever para não se tornar um analfabeto funcional, um ignorante “letrado”.   
Se é na sala de aula que se constrói uma Nação, como denominador comum dessa fórmula educacional de sucesso, de forma singular, os governantes destes países dispensaram a carreira do professorado atenção estratégica. Em todos os países civilizados, o professor tem prestígio social, porquanto é alçado pelo Estado à categoria de profissional mais importante, inclusive, em termos de remuneração, afinal, quão é difícil ensinar uma criança a ler e a escrever!  
 
Citando novamente a Coréia do Sul, por exemplo, o vestibular para o magistério, para ser pedagogo, é um dos mais concorridos e cobiçados. Consequentemente, os salários são os mais atrativos dentre as carreiras de Estado, e, ainda, há uma cultura da valorização e reverência ao professor, cujos destaques ganham alguns milhões de dólares contando com o apoio dos setores midiáticos para a promoção dessa profissão. Ser professor é ter as portas abertas para o reconhecimento, de modo tal que, neste lado do mundo, o professor é o case de sucesso e o modelo de inspiração para os jovens.
 
Por sua vez, volvendo os olhos a nossa realidade social, infelizmente, parcela significativa da população é constituída de analfabetos funcionais, ou seja, de cidadãos que não têm condições e aptidão cognitiva de ler e interpretar um texto e a realidade a sua volta.   Três em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos no País - cerca de 38 milhões de pessoas - são considerados analfabetos funcionais, conforme pesquisa liderada Ibope Inteligência, ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro.

Essa nefasta realidade explica as mazelas que a sociedade brasileira amarga desde a sua fundação. Explica, em termos práticos, a exata dimensão dos grilhões que aprisionam o nosso povo na ignorância, mantendo-o num baixo índice civilizatório e, portanto, tornando-o incapaz de ser livre e cidadão de fato.
 
Darcy Ribeiro, antropólogo e estudioso das causas do Brasil, denunciava que o descaso educacional não era uma crise, mas, sim, um projeto! Um projeto vil de manutenção de consciências humanas nas masmorras silenciosas da não escrita, da não leitura, da não compreensão, da não cultura, cujo carcereiro implacável é a submissão da carreira do professor a marginalidade salarial do funcionalismo público.
 
Assiste razão, Darcy, afinal, diante das inúmeras experiências exitosas em países que decidiram ao seu povo o direito de saber ler e escrever por meio da valorização e reverência ao professor desnuda-se o agir doloso de nossa classe política, em não priorizar a educação básica da Nação, e que, malgrado, conta com a omissão deslavada dos meios que pautam a opinião pública que não agendam no debate nacional a decisão política fundamental de ensinar o povo a ler e a escrever.  
 
 Consequentemente, essa marginalidade do professor, a sua miséria salarial, sobretudo dos professores do ensino básico explica a miséria moral e intelectual de nosso povo, que, uma vez cativo e ignorante, conforma-se passivamente com o círculo de abomináveis práticas cívicas, provocadoras de efeitos deletérios que agravam cada vez mais o quadro de enfermidade social que nos encontramos, em todos os sentidos.
 
Assim, se pretendemos curar as chagas sociais que tanto nos afligem e sermos uma nação civilizada, desenvolvida e próspera, devemos dar passos largos à decisão política fundamental de, urgentemente, priorizar a carreira do professor, valorizando-a, dispensando-a o mais digno tratamento reverencial e salarial.
 
É, em suma, transformar o professor em autoridade moral, resgatando-o da pocilga salarial que, de há muito, encontra-se essa honrada classe de profissionais. Fora dessa fórmula, é tratar nosso quadro de infecção social generalizada com analgésico e não com o preciso antibiótico.
 
Portanto, o único caminho é ensinar o povo a ler e escrever, reverenciando o professor, já! 
Diogo Botelho

por Diogo Botelho

É advogado em Cuiabá
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