Artigos / Pablo Pizzatto

18/09/2018 - 11:33 | Atualizado em 18/09/2018 - 11:44

O edital é a lei do concurso ?

Muita gente sonha com uma carreira pública. É inegável que além dos gerais salários agradáveis, a sonhada estabilidade é um atrativo extremamente persuasivo àqueles que se aventuram em concursos públicos pelo Brasil, na busca por um cargo (aqui lato sensu). Mas se engana o candidato que pensa que só existem a crescente concorrência e o consequente nível apurado de seleção e preparo, como desafios a serem encarados no processo de conquista ao tão sonhado cargo público.

Além das conhecidas dificuldades enfrentadas pelos concorrentes, deslizes comuns das Bancas examinadoras, muitas vezes fundados na máxima de que “o edital é a lei do concurso”, não raro repercutem em prejuízos e, pior, no próprio alijamento (desclassificação) de candidatos do certame.

Na maioria esmagadora das vezes os candidatos nem sabem que foram ou estão sendo prejudicados pelas Bancas, e que poderiam tomar as providências apropriadas para salvaguardar seus direitos.

Em termos gerais, a situação piora em razão de duas circunstâncias: o pouco conhecimento dos concorrentes, enquanto candidatos do processo de seleção, sobre seus direitos/garantias frente ao certame; e a ausência de uma lei geral de concursos, que regule com maior grau de clareza o processo de seleção e a padronização dos respectivos atos e suas fases, inibindo eventuais abusos, falhas e prejuízos aos candidatos.

Sobre a ausência de uma lei geral de concursos, é preciso dizer que já existe proposta de regulamentação em trâmite.

Trata-se do Projeto de Lei nº 252/2003, que estrutura e regulamenta o princípio constitucional do concurso público.

Contudo, sem prazo para avançar, o Projeto de Lei está parado na Câmara dos Deputados desde abril de 2014.

A proposta, que tramita em regime prioritário, está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aguardando o parecer do relator do Projeto, o Deputado Federal Paes Landim (PTB-PI).

Nesse passo, o vazio jurídico causado pela inexistência de uma lei de concursos, com o passar do tempo, acabou sendo preenchido pela jurisprudência nacional, notadamente franqueada por julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de outros entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF).

E é com base na jurisprudência construída a partir desta temática, e com o intuito de trazer informação, que merecem ser destacados alguns dos principais e mais sensíveis focos de problemas apresentados em concursos públicos pelo país, e no Estado de Mato Grosso, com o potencial de causar enorme transtorno aos candidatos.

O ano de 2019 se aproxima e, segundo informações do site Estratégia Concursos, a previsão no cenário nacional é de, pelo menos, 40 mil vagas em concursos para o ano que vem.

Então vale ficar atento para não correr riscos e evitar maiores transtornos e meio ao próprio processo de seleção.

Dos focos mencionados de problemas, inicia-se pelo mais corriqueiro. O famoso exame psicotécnico ou psicológico, que é uma cobrança relativamente comum nas fases derradeiras de vários concursos pelo país – e, inclusive, no Estado de Mato Grosso – e geralmente com caráter eliminatório, no que redunda na desclassificação de uma série de pessoas, causando a frustração traumatizante de gente que estava a um passo de atingir o objetivo a agarrar a sonhada vaga.

Um dos equívocos mais frequentes e usuais se qualifica pela exigência de teste psicotécnico, que averigua as condições psicológicas do candidato, sem que exista previsão legal para tanto.

É preciso ficar alerta, já que, com fundo na mais abalizada jurisprudência, não basta que a Banca tenha simplesmente instituído esta etapa no edital, é preciso ter legislação que ampare a referida exigência.

Apenas lei pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público, nos termos da Súmula 686 do Supremo Tribunal Federal.

Assim, se não houver lei que exija a sujeição do candidato ao exame, não é o edital, por si só, instrumento idôneo para fazê-lo.

Outra situação bastante comum relacionada ao teste psicotécnico é a falta de estabelecimento, pela Banca, de critérios científicos objetivos na avaliação do candidato.

Bancas que se limitam a eliminar os candidatos nesta fase, negando acesso aos critérios objetivos utilizados pelo avaliador para fundamentar a eliminação, cometem um tremendo deslize no ato passível de anulação, e que hoje é objeto de muitas e muitas contestações na Justiça.

É entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça de que, ocorrendo vícios no exame psicotécnico realizado, deve o candidato ser submetido a novo exame de caráter objetivo, assegurada a revisão do resultado final e a publicidade dos critérios utilizados como avaliação.

Mas não é só o teste psicotécnico que exige critérios objetivos, que permitam o controle, pelo candidato, sobre o ato de avaliação.

A prova discursiva (escrita), de comum cobrança em vários concursos, também tem lá suas particularidades quanto a esse aspecto. E aqui entramos em outra das questões sensíveis.

No fito de afastar indesejáveis subjetivismos do avaliador, é fundamental que também a prova discursiva tenha critérios objetivos, previamente definidos no edital do concurso, à correção.

Os critérios objetivos que serão avaliados pela Banca impendem correções e pontuações diferentes para respostas iguais de candidatos, bem como eventuais descontos de nota sem justificação. Lembre-se: tudo em concurso deve ser devidamente justificado.

E mais. Por ocasião da divulgação dos resultados desse tipo de avaliação discursiva, deve restar demonstrado, de forma clara e transparente, que os critérios de avaliação previstos no edital foram devidamente considerados, com as respectivas pontuações e pesos, se houver.

Nas palavras do próprio Superior Tribunal de Justiça: “(...) a clareza e transparência na utilização dos critérios previstos no edital estão presentes quando a Banca examinadora adota conduta consistente na divulgação, a tempo e modo, para fins de publicidade e eventual interposição de recurso pela parte interessada, de cada critério considerado, devidamente acompanhado, no mínimo, do respectivo valor da pontuação ou nota obtida pelo candidato; bem como das razões ou padrões de respostas que as justifiquem” (STJ - RMS: 49896 RS 2015/0307428-0 DJe 02/05/2017).

Assim, a presença dos critérios objetivos na correção, com sua divulgação detalhada e transparente, tem o fim de viabilizar e permitir a própria interposição de recursos administrativos por aqueles que se entendam prejudicados com a nota da avaliação.

Sem respeito ao princípio da transparência/publicidade e ao postulado da motivação, o ato administrativo é passível, em regra, de anulação.

Por fim, para além de outras questões a serem consideradas em outra oportunidade, destaca-se aquele que talvez seja um dos maiores problemas.

A falta de fundamentação/motivação das decisões que indeferem os recursos administrativos interpostos pelos candidatos no decorrer do concurso.

Não há outra margem ou horizonte possível.

A Banca examinadora deve sempre motivar/fundamentar – ainda que sucintamente (sintética) – e divulgar o resultado do indeferimento de recurso administrativo para atender os preceitos constitucionais e possibilitar a análise da legalidade do ato administrativo pelo candidato.

Tem se tornado comum, mesmo em editais que circulam dentro do Estado de Mato Grosso, a previsão de que a Banca só estaria obrigada a divulgar a informação de “indeferimento” ou de “deferimento” dos recursos administrativos interpostos, desincumbindo-se (pretensamente) de publicar a motivação/fundamentação explícita em acompanho da decisão.

Não funciona assim.

E tal previsão reducionista em editais certamente não satisfaz (em suficiência) as exigências da Constituição Federal.

É evidente que não se está falando de uma decisão com fundamentação/motivação extensa e exaustiva da Banca, até impraticável em razão da celeridade e instrumentalidade que são próprias das fases de recurso administrativo em meio ao processo de seleção com inúmeros candidatos.

Mas cabe referenciar que decisão sem motivação/fundamentação não é decisão.

Ainda que sucinta, a motivação/fundamentação do indeferimento do recurso administrativo deve ser explícita, clara e congruente, de modo a satisfazer a exigências constitucionais e legais de transparência, legalidade, impessoalidade e eficiência.

Para concluir, vai a dica mais útil para qualquer candidato: a leitura sempre atenta do edital do concurso almejado.

É certo que alguns editais de concursos públicos não preveem os critérios de avaliação ou, às vezes, embora os prevejam, não os estabelecem de forma objetiva para algumas etapas ou a possibilidade de divulgação dos padrões de respostas para outras, ou mesmo tendem a transformar a valiosa etapa dos recursos em uma mera formalidade.

Neste contexto, a máxima de que “edital é a lei do Concurso” deve ser encarada com boas reservas pelos candidatos interessados, já que os editais de concursos públicos não estão acima da Constituição Federal ou das leis que preconizam os princípios da impessoalidade, do devido processo administrativo, da motivação, da razoabilidade e proporcionalidade.

Do contrário, estaríamos diante verdadeira subversão da ordem jurídica (STJ - RMS: 49896 RS 2015/0307428-0 DJe 02/05/2017).
Pablo Pizzatto

por Pablo Pizzatto

Advogado com atuação em direito público Sócio do Escritório Curvo e Pizzatto Advogados em Cáceres/MT
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