Artigos / Ricardo Vanini

06/12/2014 - 15:02

40 anos

A madrugada se aproximava em Concepción, 500 km de Santiago, Chile. Já passava de 4 horas de intenso tiroteio. Reforços foram solicitados, pois, os perigosos guerrilheiros respondiam à altura os disparos dos Carabineiros da Dina, tropa de elite do ditador Pinochet.
 
Na frente, um largo, mais ao fundo a Cordilheira dos Andes, ou seria  Sierra Maestra? A população acuada, a tudo assistia, inerte, sem esboçar reação. As presas estavam ali, os militares se posicionavam procurando um melhor ângulo para abatê-las, afinal, dentro daquele sobradinho de madeira, revolucionários treinados em Cuba por CHÊ, que ofereciam sério risco à soberania chilena, manipulavam habilmente seus fuzis AK-47.
 
Nesse mesmo dia, 06 de dezembro de 1974, por volta das doze (12) horas, Pepe havia sido preso e levado aos porões, para sob intensa tortura dizer onde estava sua companheira, feroz militante do Movimento de Izquierda Revolucionária - MIR, conhecida como “Gabriela”. Após a tomada do Palácio de La Moneda, uma das mais perseguidas pelo regime autoritário comandado pelo General carrasco.
 
Há vinte e nove (29) anos, vinha ao mundo na histórica cidade de Cáceres, Estado de Mato Grosso, no lar do casal José Vanini Filho e Antonia Maciel Vanini, uma menina batizada de Jane. Desde muito jovem, de forte personalidade, porém filha respeitosa e amorosa, irmã querida e tia carinhosa, não entendia o porquê das desigualdades entre os seres humanos. Uns tinham em abundância e acumulavam, enquanto outros mal conseguiam se alimentar, morar, vestir, tratar dos dentes ... etc.
 
Na década de sessenta (60), o Brasil, como alguns países da América Latina, também sofria influência da Guerra Fria, disputada entre os impérios comunista e capitalista. Jane, então, moça formosa com fisionomia expressiva, de rosto largo e olhos pretos, emoldurado por cabelos longos e negros, escrevia artigos e poesias no jornal do Grêmio “Onze de Março”, onde atuava fortemente. Logo, este rincão tornava-se pequeno para seus ideais de coragem e valentia na busca incessante para transformar a realidade dos irmãos latino-americanos.
 
Aos dezenove (19) anos chega a São Paulo, incorpora-se à Aliança Libertadora Nacional – ALN, de Carlos Marighela. Aos vinte e cinco (25) anos, como “Adélia”, escapa espetacularmente, com a ajuda de amigos, da Operação Bandeirantes- OBAN e segue para Cuba, passando pelo Uruguai, Buenos Aires, Roma e Praga. Faz curso de guerrilha e rádio e por um tempo trabalha como locutora da Rádio Havana, onde transmite um programa em português para o Brasil. Integra o Movimento de Libertação Nacional – MOLIPO e, aos vinte e seis (26) anos volta ao Brasil, se estabelecendo na Região do Araguaia, de onde parte no mesmo ano, em busca de apoio, após o extermínio de vários camaradas. Fracassa o movimento de guerrilha no campo.
 
Vive intensamente o governo socialista de Salvador Allende, como se em um “laboratório social”, e, já, então no Movimiento de Izquierda Revolucionário – MIR, “Ana” segue na luta pela efetiva implantação do socialismo chileno, atuando nos grupos voluntários, em creches, escolas, ruas, armazéns, evitando as sabotagens na vigília das fábricas e instituições públicas, tendo ainda que trabalhar para assegurar sua sobrevivência pessoal. Incorporava simultaneamente a militante, a companheira, a voluntária, a trabalhadora e a mulher que cozinhava, costurava e fotografava-se, não abrindo mão de sua sensualidade, doçura e feminilidade.
 
Quão imensa era a sua dor, no frio de Santiago, ao lembrar-se da família, dos pais, dos irmãos  (em especial da Madrinha Dulce), dos sobrinhos, do sítio no Cabaçal às margens do rio de mesmo nome, enfim, de sua terra natal, no extremo oeste de Mato Grosso, fronteira brasileira com a Bolívia. Identificava-se com o idioma “castellano”, as “rancheras” mexicanas, o rasqueado, a polca paraguaia, as “galletas malteadas” e “chuchules”.   Tudo lhe era familiar. Suas cartas eram verdadeiras declaração de amor aos entes queridos.
 
Não eram perigosos guerrilheiros que ali estavam.  Era, Adélia, Ana, Carmem, Gabriela, Tereza.... que lutaram até a última bala oferecendo seu sangue ao movimento revolucionário. Esgotada e ferida, aos poucos vai sucumbindo ante o poderio de contingente e bélico dos algozes. Lembra-se de CHÊ: “em qualquer que me surpreenda a morte bem vinda seja desde que uma nova mão se estenda para empunhar nosso fuzil e que os cantos lutuosos sejam substituídos pelo repicar da metralhadora e novos gritos de guerra e de vitória”.
 
 Quem ali estava era uma heroína na libertação do povo chileno e latino-americano. Era JANE VANINI. 
Ricardo Vanini

por Ricardo Vanini

é bacharelando em Turismo pela Unemat. 
E-mail: vaniniricardo@hotmail.com 
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