Artigos / José Ricardo Menacho

01/08/2017 - 07:58

Ser político pra quê?

A missão agora, mais do que nunca, é ser político – ainda que também precisemos refletir numa próxima etapa sobre qual política queremos para nós.

A preocupação em ser ou não ser político consiste na necessidade de, antes de tudo, diante de tantas consciências e inteligências afastadas da coisa pública, seja por discursos distorcidos, propagados como verdades, seja pela confusão que se cria, às vezes até propositadamente, entre política e o que fazem dela, trazer, novamente, à tona, se é que algum dia já esteve fazendo morada entre nós, o espírito participativo, ativo, dialógico, colaborativo e pensante do povo brasileiro, para a definição de nossas prioridades, de um projeto que enfrente nossas contradições, nossas incompreensões e absurdos. Pois, mesmo que tentem negar, é pela política que aproximações são conquistadas, que a diversidade se interage, que a miséria se dissipa, que estratégias comunitárias são desenhadas e que a democracia, enquanto regime de governo desejado, se consolida. Ser político, portanto, é um estado de espírito! Um estado de espírito para o qual carecemos nos despertar.

Mas como nos prepararmos para esse desafio: ser político? A fim de que não fiquemos apenas no campo das conjecturas e elucubrações, é preciso também nos afligirmos com esse questionamento, de modo a começarmos a ladrilhar os caminhos que tanto almejamos percorrer.

Assim, listo abaixo algumas provocações, que talvez nos auxiliem a levantar a poeira que paira sobre a temática:
 
  1. Ser político não é uma dádiva recebida no nascimento, não se nasce político, mas se torna político, e digo mais, se torna político não por filiação partidária, não por convenções, coligações ou oportunismos, não por ascendência, mas pela simples (mas importante) ideia de que todos nós estamos no mesmo barco, governados ou desgovernados, no rumo ou à deriva, não interessa, mas estamos num lugar comum, de que dependemos um do outro, de que juntos compomos uma sociedade, e de que essa sociedade para ser, digamos, sadia, precisa olhar para si com criticidade, denunciando inclusive suas próprias hipocrisias.
 
  1. Não se torna político lendo somente matérias jornalísticas aqui e ali ou assistindo por horas aos canais que se autointitulam especializados. Mais do que se manter bem informado com os jornais, revistas e sites de notícias, ser político é lançar curiosidades e perplexidades ao entorno, de modo a construir leituras e visões de mundo autônomas, desgarradas de compromissos outros que não aqueles referentes ao bem comum, conectadas, dessa forma, com as causas e as consequências da cotidianidade, que, na maioria das vezes, não são tão agradáveis como pintam por aí – o ser político não é o ser de gabinete, é um ser da rua.
 
  1. Não se torna político sem diálogo, sem debate, sem vozes, sem a interação entre grupos, e, principalmente, sem empatia social. A política não é arte a ser experimentada por poucos, saindo do nada e indo para lugar nenhum, ou melhor, a política não é arte a serviço do bolso de meia dúzia de gatos pingados que se lambuzam e refestelam em adjetivos, luxos e sofismas, no mesmo momento em que o restante da população – que é a maioria (em quantidade) – paga a conta; a política não é a arte do engodo, da tramoia, do jeitinho, do pecado permitido, da imoralidade consentida, não! Que não se romantize o que aqui afirmarei, mas se assim quiserem, fiquem à vontade, fazer o quê? Mas, enfim, é a política que dá sentido e razão à nossa existência social, às nossas relações, visto que é a dita cuja que nos ajuda a entender que se não nos socializarmos, não seremos nada, nossas forças e capacidades transformativas não engrenarão, não desempacarão do posto em que se encontram, ficarão onde, infelizmente, sempre ficaram, e não estou sendo fatalista, ou sensacionalista, quando me manifesto desse modo, no ostracismo, no esquecimento;
 
  1. Não se torna político misturando o espaço público, sua dinâmica, sua lógica e sua estrutura, com o espaço privado. Não estamos lidando com bois ou vacas, produtos ou mercadorias, mas com seres humanos – sim, em pleno século 21, clichê não? Precisamos lembrar a nós mesmos de que somos seres humanos, tentando, numa operação óbvia, humanizar o que já é humano. Ser político, nesse trilhar, não é exportar ou impor, a quem quer que seja, preconceitos, juízos de valores, particulares ou religiosos, opiniões racistas, machistas, transfóbicas ou homofóbicas, tampouco acreditar que o Estado, com fundamento em tratativas não muito exemplares, é parte constituinte do patrimônio daquele que ocupa um cargo eletivo de representação;
 
  1. Não se torna político incitando o ódio.
 
  1. Não se torna político por determinação legal ou por disciplinas obrigatórias presentes em determinadas matrizes curriculares, não que essas medidas não tenham seu valor, ou que sejam dispensáveis, jamais! No entanto, ocorre que, mais do que legislar, é relevante considerar o preenchimento do conteúdo do que se está a positivar, trocando em miúdos, é, basicamente, a diferença que se aprende nos cursos de Direito entre a eficácia e a efetividade das leis, a primeira, como a aptidão para a produção de efeitos e, a segunda, como a concretização desses efeitos, ser político, nesse sentido, não é um título, ou um rótulo designativo, não é uma aptidão isolada, um anúncio de boca, é um conteúdo em permanente e progressiva formação, sendo que cada passo dado é um quantum de concretização conquistado.
 
Ser político para quê?

Para transformarmos, para resgatarmos terras devastadas e espoliadas, para nos emanciparmos das dependências que nos aprisionam e nos apequenam, para nos determinarmos
José Ricardo Menacho

por José Ricardo Menacho

Professor do Curso de Direito da UNEMAT/Cáceres
Mestre em Direito pela UFPR e Doutorando em Linguística pela UNEMAT
Escritor e Cronista
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